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Pandemia gera novo golpe à globalização, diz Credit Suisse

Relatório do banco suíço também aponta para necessidade de medidas contra desigualdade

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São Paulo

A pandemia de Covid-19 vai gerar novo baque à globalização e atenuar um processo de desaceleração em curso desde a crise financeira global de 2007, mostra relatório do instituto de pesquisa do Credit Suisse que avalia impactos de longo prazo causados pelo coronavírus.

A queda da vantagem de custo de grandes manufatureiros como a China, o colapso do fornecimento de alguns produtos em tempos de crise e o movimentos protecionistas e de reação política à globalização são fatores-chave elencados pelo banco para essa mudança no cenário global.

"A vantagem de custo de grandes titãs de manufatura, como a China, está em declínio", diz o relatório, obtido com exclusividade pela Folha, acrescentando que os custos trabalhistas no país asiático aumentaram de 15% a 20% ao ano, sem compensar o crescimento de produtividade.

Containers em Yangshan, parte da Zona Franca de Xangai, China - Aly Song - 24.set.2016/Reuters

Com o fechamento de fronteiras na pandemia e temores de interrupções nas cadeias de suprimentos, o mundo ficou menos integrado e os países pobres pagam um preço alto, segundo Sara Carnazzi Weber, da área global de política e temática econômica do Credit Suisse.

Segundo a executiva, países em desenvolvimento sofrem mais nessa dinâmica por dependerem das exportações de commodities, cuja demanda é baixa quando grande parte do mundo está sob bloqueio.

"A crise atual ilustra os problemas de muitos países em desenvolvimento: eles devem diversificar suas atividades econômicas —isso vale aos países exportadores de commodities, mas também às nações que dependem fortemente do turismo", diz.

"Uma tendência de afastamento do multilateralismo para o aumento do multialinhamento pode ser possível", acrescenta.

Soma-se a isso os avanços tecnológicos, que também devem reduzir custos de fabricação, e uma produção mais local focada em produtos customizados e entrega rápida.

Como resultado, o relatório aponta para uma tendência de regionalização econômica, que "criará oportunidades para a produção de baixo custo em países próximos de centros consumidores", como Estados Unidos, Europa, China e Japão.

O Brasil, junto ao México e ao Canadá, seria um dos "beneficiados" desse movimento por ser um dos mercados próximos aos Estados Unidos, que respondem por 27% da despesa de consumo global.

México e Canadá representam 14% e 13%, respectivamente, das importações do mercado americano, superados apenas pela China (22%).

"Como o Brasil e, acima de tudo, o México têm custos trabalhistas consideravelmente mais baixos, eles provavelmente se beneficiarão das atividades de nearshoring [subcontratação ou terceirização em países próximos] nos Estados Unidos", diz o relatório. A participação do Brasil nas importações americanas hoje é de 1,2%.

O Credit Suisse deixa claro que é improvável uma reversão do processo de globalização —"a força econômica mais forte desde a queda do comunismo"— e que reestruturações em cadeias de suprimentos são lentas e dependem de grande apoio político e investimento.

10 pontos de atenção do Credit Suisse para os próximos anos

  1. Aumento dos riscos de deflação e de uma cauda inflacionária

  2. Crise do multilateralismo, que poderá ceder espaço ao multipolarismo (conflito entre EUA e China)

  3. Coexistência de democracias e autocracias

  4. Ampliação do poder do Estado

  5. Desaceleração da globalização, com diversificação regional

  6. Vigilância e coleta de dados pessoais

  7. Manutenção e flexibilização do trabalho remoto

  8. Necessidade de formação contínua

  9. Aumento da desigualdade

  10. Descentralização regional e renascimento de pequenas cidades no mundo desenvolvido​

Também reitera uma série de indícios para a manutenção dessa força, como o retorno a padrões econômicos conhecidos quando cessam as crises, o comprometimento de países pela estabilização da economia, se preciso, e a cooperação transnacional para o confronto a crises globais.

"No curto prazo, é provável que medidas protecionistas se deparem com retaliações de outros países e exacerbem a escassez de bens importantes, como medicamentos", afirma.

Segundo o relatório, o enfraquecimento da globalização ganhou mais exposição desde a eleição de Donald Trump, que impôs medidas de proteção a metais e painéis solares, por exemplo, e criou uma queda de braço com Pequim. Além da Covid, também contribuíram nesse processo o brexit e a crise do euro.

Na última década, diz o banco, as medidas de Estado que "distorcem o comércio" superaram as medidas de liberalização comercial. De acordo com dados da OMC (Organização Mundial do Comércio ), 80 países impuseram restrições de exportação em resposta ao coronavírus, e apenas 39 submeteram informações sobre essas ações alinhadas às regras da organização.

Além da regionalização, o estudo sugere atenção a outros elementos coexistentes que terão impacto sobre a economia global nos próximos anos, como desigualdade, inflação, vigilância estatal e corporativa —derivada da explosão na captação de dados pessoais—, trabalho remoto e transformação urbanística.

A respeito da desigualdade, o Credit Suisse diz que o cenário provável nos próximos anos é o de medidas corretivas propostas por reguladores para tentar minimizar os efeitos da pandemia sobre os mais pobres.

"Em países com capacidade mais limitada para fornecer suporte financeiro, as implicações da perda de empregos para a população têm sido mais severas. Subgrupos populacionais como mulheres, minorias, jovens e trabalhadores pouco qualificados foram afetados de forma particularmente negativa", diz o relatório.

Nesse grupo, ficam ainda mais suscetíveis os que não podem desenvolver tarefas de casa e os que possuem contratos de trabalho temporários.

Segundo o estudo, o setor privado tem papel importante para lançar soluções contra a desigualdade e, entre os resultados positivos da reorganização do trabalho, pode estar uma mudança para economias de mercado mais sociais.

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