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Pegue o dinheiro das big techs e gaste, diz presidente da New York Times Co.

Mark Thompson defende trabalho amigável da imprensa com empresas de tecnologia

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São Paulo

"Pegue o dinheiro e gaste" é o conselho de Mark Thompson, presidente da New York Times Company, dona do jornal mais influente do mundo, sobre o dinheiro ofertado por gigantes de tecnologia a iniciativas de jornalismo.

"Aceite dinheiro, a não ser que haja um problema ético. Vá, pegue o dinheiro e lute pelo futuro do jornalismo, honestamente, estão oferecendo dinheiro para ajudar. Meu conselho é pegue o dinheiro e gaste", afirmou Thompson nesta quinta-feira (10) em evento promovido pela WAN-Infra, sigla para Associação Mundial de Jornais, que reuniu executivos e jornalistas em debates sobre tendências da imprensa.

Thompson refere-se a medidas anunciadas por Facebook e Google nos últimos anos para financiar o jornalismo profissional.

Mark Thompson, diretor-executivo da New York Times Company; ele comandou a transformação digital do jornal, que tem 7 milhões de assinantes
Mark Thompson, diretor-executivo da New York Times Company; ele comandou a transformação digital do jornal, que tem 7 milhões de assinantes - Andrew Testa/NYT

Os conglomerados de tecnologia captaram grande parte da verba publicitária que financiava veículos de mídia no passado. Como lucram com o conteúdo dos mesmos em suas plataformas, passaram a direcionar dinheiro a iniciativas empreendedoras e a pagar por notícias em alguns casos.

O presidente, que comandou o processo de transformação digital do jornal após assumir o cargo em 2012, defende uma relação amigável com as big techs, mas diz não ver problemas em jornais americanos fazerem lobby com reguladores a favor de seus interesses, em especial no que chama de "onda Trump" contra essas empresas.

A afirmação de Thompson é feita um dia após a FTC (Comissão Federal do Comércio americana) e 46 estados dos EUA abrirem processos de acusação contra o Facebook por violação antitruste. O grupo econômico é dono do Instagram e do WhatsApp, o que configura uma prática anticompetitiva no argumento dos acusadores, por concentrar bilhões de usuários em três nichos de mercado.

Segundo o executivo, a narrativa predominante de empresas de comunicação defende o desmembramento das gigantes de tecnologia americanas e maior repasse a jornais.

"É a vontade de grandes veículos, e por que não? Por que não tentar colocar políticos e reguladores do seu lado?" Ele pondera, no entanto, que estratégias de longo prazo deveriam levar as plataformas em consideração.

"Claro que você vai querer brigar até a morte por uma quantia do dinheiro, mas se pensar estrategicamente, em criar audiência, as grandes plataformas podem ser suas amigas. Faça o lobby, mas também saiba que se vai construir uma audiência grande, e vai precisar dela porque nunca fará dinheiro com usuário digital como fazia com o impresso, precisa pensar em pequenas formas de trabalhar com esses caras para captar sua audiência", afirmou.

Thomspon também comentou o ciclo positivo de notícias que jornal usufruiu com o governo de Donald Trump, destacando que houve um trabalho anterior muito forte que colaborou para o desempenho satisfatório do jornal nos últimos anos. As assinaturas e o número de leitores cresceram no mandato do republicano.

Com receita de US$ 426,9 milhões (R$ 2,17 bilhões) no terceiro trimestre deste ano —a mesma do período em 2019— e 28% de crescimento no lucro operacional, de US$ 56,5 milhões (R$ 287 milhões), a companhia estabeleceu a meta de 10 milhões de assinantes até o fim de 2025. Conta hoje com 7 milhões.

O governo Trump, a desigualdade e a desinformação foram assuntos abordados em outros painéis nesta quinta. Sumi Somaskanda, apresentadora do DW News (Deutsche Welle), da Alemanha, e Jeff Jarvis, jornalista, professor e diretor do Tow-Knight Center for Enterpreneurial Journalism da Cuny (City University of New York), conversaram sobre redesenhos que a imprensa precisa adotar para competir por relevância.

Para Jarvis, é preciso repensar todas as áreas de cobertura já na formação acadêmica, colocando diferentes comunidades no centro das discussões, não os veículos. "É nosso trabalho primário melhorar a conversa pública, e uma conversa em que possamos ouvir as pessoas que não eram ouvidas."

Segundo ele, é preciso receber as necessidades de diferentes públicos, para depois decidir o que o jornalismo deve trazer a eles —em especial as vítimas da desigualdade social, mais expostas na crise de Covid-19.

Assim como Thompson, Jarvis não vê problemas em aceitar dinheiro de plataformas digitais, mas alega que isso não salvará a imprensa no longo prazo, e que ela mesma não deveria culpar empresas de tecnologia por suas falhas.

"Todos foram para o paywall [modelo que cobra por leitura], o problema é que 70% da receita nos Estados Unidos vai a três jornais: New York Times, Washington Post e Wall Street Journal, o resto todo tem 30%.

Isso não é um modelo sustentável, faz nossos produtos e serviços muito menores em impacto", afirma. Sem entrar em detalhes, ele defendeu um modelo de "membership", em que o leitor se torna membro do veículo, como se fosse de um clube, o que determinaria outro tipo de relação com o conteúdo e o pagamento.

Em um painel pela manhã, empresários de mídia da Espanha, onde o evento ocorreu em anos anteriores, falaram sobre o jornalismo no contexto de queda de anúncios publicitários.

Além de críticas duras às empresas de tecnologia, que "constróem grandes negócios com nossos conteúdos" e o "dinheiro não fica aqui", nas palavras de Antonio Fernandez-Galiano, presidente da dona do El Mundo, eles chegaram ao consenso de que escolas precisam de educação miditática, para que crianças entendam o significado do jornalismo para a democracia.

"Governos têm que investir em educação midiática, jornalistas têm que oferecer jornalismo de qualidade, plataformas têm que investir mais contra a desinformação. É uma luta que se aplica a todos", disse Nemésio Rodriguez, presidente da Fape (Federação de Associações de Jornalistas da Espanha.

Na quarta (9), representantes dos espanhóis El País e El Mundo e de veículos jovens, como o americano Stat e a dinamarquesa Zetland também debateram modelos de financiamento alternativos à fonte publicitária.

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