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Biden não vai muito longe com pacote econômico de US$ 900 bilhões

Presidente eleito poderá enfrentar problemas com distribuição das vacinas e possíveis impactos com a nova cepa do vírus

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Patricia Cohen

É jornalista e cobre economia no The New York Times

The New York Times

Com sua posse na presidência a apenas algumas semanas de distância, Joe Biden está diante de uma crise econômica sem paralelos mas, ao mesmo tempo, estranhamente familiar.

Milhões de americanos estão desempregados, as pequenas empresas lutam para sobreviver, há fome em muitas regiões, e pessoas de todo o país estão com medo de perder suas casas. O momento era igualmente perigoso 12 anos atrás, quando Biden era o vice-presidente eleito e estava se preparando para assumir o cargo.

“Eu me lembro do completo terror”, disse Cecilia Rouse, que trabalhou como assessora de economia na Casa Branca de Barack Obama e foi selecionada para presidir o Conselho de Assessores Econômicos de Biden, agora.

Silhueta de Joe Biden durante discurso em Atlanta, na Georgia - Jim Watson - 4.jan.2021/AFP

O plano de combate à pandemia, no valor de US$ 900 bilhões (R$ 4,7 trilhões), que legisladores moderados aprovaram no Congresso um mês atrás oferece ao novo governo algum espaço de manobra. A segunda rodada de assistência oferecerá cheques no valor de US$ 600 a cada beneficiário, socorrerá as pequenas empresas e estenderá até a metade de março os benefícios adicionais do governo federal aos desempregados.

Mas como Biden já deixou claro, isso representa apenas “o primeiro pagamento” –uma ponte temporária para que o país atravesse um inverno sombrio; o valor do pacote não chega nem perto do necessário para restaurar a saúde da economia.

Cerca de 19 milhões de pessoas estão recebendo alguma forma de auxílio-desemprego, e muitos proprietários de empresas duvidam que será possível sobreviver mais um ano. A crise do coronavírus agravou desigualdades já persistentes, com os trabalhadores na porção mais baixa do espectro de renda –um grupo no qual a presença negra e hispânica é desproporcionalmente elevada– arcando com a maior parte das dificuldades.

Ao mesmo tempo, gargalos na distribuição das vacinas contra a Covid-19, assim como temores sobre uma variante muito mais contagiosa do vírus, podem retardar ainda mais a retomada de atividades em grandes porções da economia, como os restaurantes, viagens, entretenimento ao vivo e esportes.

“Teremos águas turbulentas, embora devamos continuar avançando para a vida pós-pandemia”, disse Rouse.

Mas a despeito da terra arrasada que o coronavírus deixou, a economia dos Estados Unidos de muitas maneiras está em posição mais estável do que a que ocupava no começo de 2009.

Em lugar de estar contemplando um buraco sem fundo, Biden está assumindo com a economia em trajetória de alta. Por mais anêmico que seja o crescimento, a maioria dos analistas prevê que 2021 terminará melhor do que começou, ainda que aconteçam tropeços ao longo do caminho.

Embora a recessão causada pela pandemia tenha sido maior em termos de perda inicial de empregos e fechamento de empresas, ela representa o que Rouse classifica como “dano colateral” da emergência de saúde, e não um colapso no sistema financeiro mundial subjacente.

“Agora sabemos o que fazer: oferecer uma rede de seguridade social para que os domicílios, empresas e comunidades possam chegar intactos ao final da pandemia”, disse Rouse.

O governo Biden também vai se concentrar em atacar as desigualdades profundamente enraizadas que a crise agravou, ela acrescentou.

Do lado positivo da conta há também o fato de que muitos domicílios guardaram dinheiro, o que eleva o índice de poupança ao seu valor mais elevado em 40 anos. Em contraste, a Grande Recessão demoliu riquezas acumuladas, em contas de aposentadoria e em termos de valor de imóveis, virtualmente do dia para a noite.

“Eles pelo menos contam com alguma proteção, ao chegar ao posto, desta vez”, disse Jason Furman, que presidiu o Conselho de Assessores Econômicos de Obama e agora leciona na Escola Kennedy de Administração Pública, na Universidade Harvard.

Mas se o governo Biden tem um pouco mais de margem de manobra na economia, é provável que tenha menos espaço político do que Obama teve em seus dois primeiros anos de presidência, quando seu partido controlava as duas câmaras do Congresso.

Se os democratas retomarem o controle do Senado, conquistando as duas cadeiras em disputa no segundo turno da eleição para o Senado na Geórgia, terça-feira (5), o caminho de Biden será mito mais fácil.

De outra forma o presidente terá de lidar com um Senado republicano, presidido por Mitch McConnell, do Kentucky, que já bloqueou medidas aprovadas na Câmara, onde a maioria é democrata.

Caso isso aconteça, o governo terá problemas para persuadir os legisladores a aprovar mais assistência, quando a rodada atual expirar. Com um democrata a caminho da Casa Branca, muitos republicanos que deixaram de lado suas preocupações com a dívida pública na hora de aprovar um corte de impostos em 2017 redescobrirão seu apego à linha dura quanto aos déficits.

McConnell resistiu com sucesso aos apelos do presidente Trump –ecoados pelos democratas– de aumentar o mais recente pagamento de estímulo de US$ 600 para US$ 2.000.

Não estender ou expandir a assistência federal quando as medidas em vigor expirarem, no segundo trimestre, não só causaria dificuldades significativas e sofrimento desnecessário como poderia deixar cicatrizes profundas na economia, disse Joseph Stiglitz, economista ganhador do prêmio Nobel.

Ainda que a atividade econômica deva provavelmente estar em alta, a economia continuará enfraquecida, disse Stiglitz. A moratória nos processos de despejo e a tolerância de atrasos no pagamento de hipotecas evitaram que famílias perdessem suas moradias, mas a dívida habitacional, dos domicílios continua a se acumular, mesmo que ainda não tenha aparecido nos balanços domiciliares.

Grande número de pequenas empresas, especialmente no setor de serviços, que vem sendo fonte importante de empregos de baixa renda e foi pesadamente atingido pela crise, não sobreviverão. A desigualdade econômica vai crescer.

“Houve danos de longo prazo pesados”, disse Stiglitz.

Ao mesmo tempo, as fileiras de trabalhadores desempregados há seis meses ou mais engrossaram para mais de quatro milhões de pessoas; quanto mais tempo dura o desemprego, maior a probabilidade de que a pessoa nunca mais consiga se empregar. Número crescente de homens e mulheres também está deixando de vez a força de trabalho.

Nenhum desses problemas pode começar a ser corrigido sem distribuição ampla de vacinas e reabertura das escolas, para que os pais, e especialmente as mães, possam retornar à força de trabalho.

É por isso que os economistas dizem que canalizar assistência direta aos governos municipais e estaduais é tão importante.

“Esse setor foi devastado”, disse Abigail Wozniak, economista do trabalho no Federal Reserve Bank de Minneapolis, mas “é ele o setor que permite que todos os demais operem”.

Estados e municípios desempenharão papel chave na distribuição de vacinas e na provisão de pessoal médico de emergência. Também serão responsáveis por recolocar os professores em salas de aula seguras, e por ajudar os estudantes de famílias desprivilegiadas a recuperar o atraso.

Os republicanos do Senado se opõem firmemente a oferecer assistência direta desse tipo. McConnell criticou a ideia como “resgate aos estados democratas”, ainda que muitos estados republicanos e democratas –e áreas rurais especialmente– tenham perdido receita e sido forçados a cortar empregos no setor público.

Economistas de esquerda e de direita concordam em que, embora existam ecos da Grande Depressão, há também distinções importantes. Restaurar a economia, desta vez, eles advertem, exigirá uma espécie de “oração da serenidade” econômica: reconhecer as semelhanças, identificar os contrastes, e ter a sabedoria necessária a perceber a diferença.

Para Michael Strain, economia do American Enterprise Institute, uma organização de pesquisa de inclinações conservadoras, a economia se consertou mais rápido do que seria de esperar. Ele se preocupa por algumas propostas de assistência, especialmente as dirigidas a setores específicos, poderem resultar em manter vivas empresas em situação terminal, “desacelerando o processo de ajuste à nova economia pós-vírus”.

“Quanto mais rápido esse processo transcorrer, mais rápido a economia vai se curar”, disse Strain.
Muitos economistas liberais, por outro lado, entre os quais os membros da equipe de Biden, alertam que a lição crucial da última recessão não pode ser ignorada: deixar de agir com rapidez para oferecer dinheiro suficiente às pessoas e empresas que precisam dele pode causar danos econômicos muito duradouros.

Brian Deese, selecionado por Biden para presidir o Conselho Econômico Nacional, no qual ele trabalhou como assistente no governo Obama, disse que realizar investimentos públicos era necessário a fim de assegurar o crescimento econômico.

“Vivemos um momento em que o risco de fazer menos que o necessário é muito mais grave do que o de fazer mais do que o necessário”, ele disse.

Tradução de Paulo Migliacci

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