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Rubens Ricupero

Com Biden ou Trump, comércio do Brasil com os Estados Unidos não muda muito

Não serão acordos nem negociações que vão alterar quadro; isso depende da capacidade de oferecer produtos competitivos em qualidade e preço

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Rubens Ricupero

Diplomata, é ex-embaixador do Brasil em Washington (1991-1993) e Roma (1995) e ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda (1993-1994 e 1994, governo Itamar Franco); titular da Cátedra José Bonifácio, da USP

O comércio Brasil-Estados Unidos teve em 2020 o pior resultado em 11 anos, encolhendo mais de 25%. Parte resultou da pandemia, parte da queda do preço do petróleo. Um terceiro fator foi o protecionismo de Donald Trump em aço e alumínio, que privou o Brasil de centenas de milhões de dólares em exportações.

A importância do mercado americano para as vendas brasileiras vem caindo há mais de um século. Representava 36% no início do século 20, oscilava entre 20% e 25% nos anos 1970-80, baixara a 16% em 2000. No ano passado, foi de 9,8%.

Enquanto isso, a China, que no começo dos 1990 correspondia a apenas 1,8% de nossas exportações, em 2020 saltara para 34%.

O presidente norte-americano Joe Biden durante discurso de posse em Washington, DC - Andrew Caballero-Reynolds - 20.jan.2021/AFP

Com 120 anos de duração, a redução não pode ser atribuída a razões passageiras. Trata-se de tendência estrutural, de longo prazo, difícil, se não impossível, de reverter. Os motivos são muitos, mas boa parte tem a ver com mudanças na estrutura do comércio exterior tanto dos Estados Unidos quanto do Brasil.

Desde o início dos 1990, os americanos adotaram a estratégia de exportar fábricas e empregos industriais a países de baixo custo de produção, sobretudo em mão de obra: China, asiáticos, México (pela vantagem da vizinhança).

O Brasil ficou de fora, como teria de ficar, pois seus salários e custos já eram mais altos. Compensou parcialmente a perda ao se tornar grande exportador de mais de dezena de commodities agrícolas e minerais no momento em que a demanda por esses produtos explodia na China e na Ásia.

É essa a explicação do fenômeno, não supostas preferências de governos brasileiros esquerdistas pela China, como sustentado por Jair Bolsonaro. Tanto assim que, passada metade do atual governo, a dependência em relação aos chineses cresceu ao passo que diminuíram as vendas aos americanos.

Não serão acordos nem negociações que vão alterar o quadro. Isso depende da capacidade de oferecer produtos competitivos em qualidade e preço. Impossível não é, como provaram algumas indústrias, não só a Embraer mas mecânicas e elétricas, quase todas de Santa Catarina, que souberam conquistar posição no competitivo mercado americano.

Biden já anunciou que não vai negociar acordos comerciais antes de recuperar a competitividade da economia. Sua orientação em comércio não difere em essência da linha Trump. Ademais, as divergências em meio ambiente e diplomacia ameaçam gerar conflitos com Bolsonaro, com eventual aplicação de sanções comerciais.

Se isso acontecer, já estaremos acostumados. Não por ideologia, mas protecionismo, o governo Trump foi dos que mais aplicaram medidas comerciais contra o Brasil. Em contraste com déficits enormes com seus cinco maiores parceiros, os EUA têm com nosso país seu terceiro maior excedente em bens e serviços (US$ 30 bilhões em 2019 e US$ 20 bilhões em 2020).

Nem a vassalagem política nem a vantagem americana no saldo comercial pouparam o Brasil do protecionismo de Trump. Depois de “amigos” como esse, é difícil imaginar que Biden possa ser pior.​

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