Findo ano de 2020, deu-se início a temporada de divulgação dos resultados do PIB consolidado para o difícil ano que sobrevivemos. O Departamento Nacional de Estatística da China é tradicionalmente aquele que abre a temporada. Após ser o primeiro país a sofrer os fortes efeitos da pandemia, a economia chinesa mostrou uma surpreendente recuperação e muito provavelmente será a única grande economia a apresentar crescimento real em 2020, de 2,3%.
Este resultado é consequência direta de três características fundamentais:
- a estratégia de combate à pandemia;
- a estrutura produtiva/tecnológica; e
- papel do Estado em seu sistema socioeconômico. Vale dizer que a volta do crescimento não decorreu de um processo de relaxamento crescente das medidas restritivas de isolamento e distanciamento social.
Ao contrário do Brasil, os protocolos de segurança seguiram rígidos ao longo de todo o ano. A estratégia chinesa esteve calcada na “perseguição do vírus”. Todo e qualquer foco de contaminação foi (e ainda está sendo) prontamente suprimido.
Com um programa massivo de testagem e uso de muito tecnologia da informação, o governo tem sido capaz de rapidamente identificar contaminados e contactantes, além de alertar, por meio de dispositivos móveis, todas as pessoas que estiveram minimamente próximas de algum foco de contaminação.
A conduta chinesa frente à pandemia mostrou ao mundo a diferença entre isolamento social (medida radical e que precisa ser temporária) e distanciamento social (quando se rompe o isolamento, mas se evita qualquer contato mais próximo e duradouro com outras pessoas).
Prova disso é que diversas atividades do setor de serviço, em particular aquelas que compõem o chamado “consumo social” (bares, restaurantes, hotéis, entretenimento, transporte coletivo) seguem em níveis muito abaixo do período pré-pandemia.
Neste sentido, o setor que de fato explicou a retomada chinesa é o industrial. A China se beneficiou por ter consolidado um parque industrial altamente complexo, com produção de bens de alto conteúdo tecnológico e que atende grande parte da demanda mundial. O avanço nos processos de automação e digitalização das empresas, que se acelerou ao redor do mundo durante a pandemia, impulsionou a produção industrial de máquinas e equipamentos.
Além disso, a pandemia também contribui para uma forte expansão na produção chinesa de eletroeletrônicos e eletrodomésticos, puxada principalmente pela demanda das famílias que, ao permanecerem mais tempo em seus domicílios, buscaram reequipá-los com a aquisição de novos bens.
Outro aspecto interessante é a importância da atuação estatal chinesa no funcionamento de sua economia de mercado. Com a forte retração nos investimentos privados em função das enormes incertezas trazidas pela pandemia, o governo, de forma ágil, acelerou seu programa de investimentos públicos.
Depois de uma queda de cerca de 25% nos investimentos totais no primeiro bimestre (comparado à igual período do ano passado), os recursos governamentais direcionados aos projetos de infraestrutura foram alavancados, registrando uma expansão próxima de 10% logo em maio, os quais foram fundamentais para impulsionar a recuperação dos investimentos privados ao longo do segundo semestre. Com isso, os investimentos totais apresentaram crescimento real de 2,9% em 2020.
Enfim, crises representam também testes de estresse das economias e deixam mais evidente as virtudes e fraquezas dos diferentes modelos. O êxito apresentado pela economia chinesa deveria levar os economistas brasileiros a entenderem melhor as características do modelo socioeconômico chinês sob o ponto de vista estritamente técnico.
Há de se destacar que algumas especificidades do modelo chinês são muito caras aos valores ocidentais e não deve nos servir como referência, tais como o sistema político unipartidário. No entanto, há diversas outros elementos que caracterizam sua economia de mercado, que desafiam teses liberais no campo econômico e merecem ser aprofundadas sem estigmas e preconceitos que ainda predominam em pobres debates puramente ideológicos.
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