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O que Bolsonaro tem na cabeça ao declarar que o Brasil está quebrado?

Presidente caminha rumo ao autoritarismo e culpa democracia por seu desgoverno

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Leonardo Weller

Doutor em história econômica pela London School of Economics, professor da FGV/EESP

Latinoamérica21

Interpretar as polêmicas declarações de Bolsonaro tornou-se uma espécie de esporte nacional brasileiro. Um exemplo ocorreu no último dia 5, quando ele casualmente declarou que o Brasil está quebrado e assumiu-se incapaz de resolver este problema.

Frente ao fato, a seguinte pergunta torna-se inevitável: o que tem o mandatário máximo da República na cabeça ao proferir palavras que aparentemente jogam contra seu próprio governo. Seria um ato impensado ou há método na afirmação?

É difícil acreditar que, sem nenhum método, um pária no jogo político da Nova República tenha conseguido eleger-se e –talvez ainda mais surpreendente– permanecer no poder a despeito de sua já vasta coleção de crimes de responsabilidade. Não há como ler o cérebro do titular da Presidência, mas podemos especular uma racionalidade com base em seus interesses e desafios.

Ao dizer que não consegue tirar o Brasil da bancarrota, Bolsonaro justifica o socialmente doloroso fim do auxílio emergencial, justamente no momento em que o país enfrenta a segunda onda da Covid-19. O auxílio impulsionou a economia e turbinou a aprovação do governo nos meses que precederam as eleições municipais de novembro de 2020.

Contudo, a medida pesou nas contas públicas, contribuindo para a deterioração fiscal que atualmente limita o raio de ação da equipe econômica. O presidente parece apostar que os mais pobres entenderão o motivo em função do qual os abandonará daqui pra frente: o país quebrou, não há mais nada a fazer.

Por outro lado, o casual discurso apocalíptico paradoxalmente acena ao mercado. Bolsonaro sinaliza que seu governo resistirá à tentação de reeditar o programa emergencial, o qual aliviaria o sofrimento de milhões, mas pioraria as já combalidas contas públicas. Provavelmente por isso o índice Ibovespa subiu no dia seguinte à fala de Bolsonaro.

Tudo indica que os investidores sabem que o Brasil não quebrou, ao menos não ainda. Em 93% do PIB, a dívida pública está bastante elevada para um país em desenvolvimento. Mas por enquanto há demanda por títulos públicos, mesmo com a taxa básica de juros (a Selic) a apenas 2%. Do ponto de vista externo, os US$ 356 bilhões depositados nas reservas internacionais garantem que não haverá calotes como os que ocorreram no passado.

A fala do dia 5 é mais um episódio da lenta deterioração da democracia promovida por Bolsonaro. O presidente não se declarou um incapaz per se; ao invés disso, posou como imobilizado pelas amarras que limitam o Poder Executivo, seja o Congresso ou a mídia.

De acordo com este raciocínio, a solução lógica seria afrouxar tais amarras, cassando deputados ou censurando os meios de comunicação, medidas que compõem o primeiro passo de qualquer ditadura.

Bolsonaro nunca escondeu sua predileção pelo autoritarismo. Consistente com uma longa trajetória de defesa da linha dura do regime militar, o agora presidente faz de tudo para minar o sistema político brasileiro, apontando o próprio processo democrático como causa dos nossos males econômicos.

Se no passado as ditaduras se impunham de supetão, com tanques e baionetas, no século 21 golpes são levados a cabo aos poucos, disfarçadamente. Cada declaração antidemocrática do chefe de estado é um passo rumo à autocracia que ele almeja sem pudor.

A pretensa incapacidade do mandatário também serve para justificar o desgoverno por ele gerido. Sua equipe econômica aprovou pouquíssimas reformas no Congresso. Em especial, as privatizações e as reformas tributária e do estado não saíram do papel. A economia já estava estagnada e as contas públicas no vermelho antes da pandemia, que reduziu ainda mais a perspectiva de recuperação em 2021.

Por fim, Bolsonaro joga para sua torcida, uma minoria relativamente grande e fiel, disposta a reelegê-lo em 2022. É notável que esse pessoal continue apoiando-o. Afinal de contas, a nova extrema direita brasileira surgiu como uma reação à velha política de partidos tradicionais e corruptos, a maioria dos quais tornaram-se governistas recentemente.

O presidente equilibra-se para conciliar seus dois principais objetivos: manter-se no poder e reeleger-se. A fim de evitar um impeachment, ele negocia afagos como cargos em estatais com parlamentares fisiológicos. Em público, o Bolsonaro das câmeras de celular vocifera contra a mídia e o próprio Congresso, agradando seus eleitores mais aguerridos.

Ao que tudo indica, Bolsonaro não repetirá os erros de Jânio Quadros, que renunciou em 1961. Na época, o Brasil estava de fato quebrado graças à gastança desenfreada que elevou a inflação e gerou calotes externos no governo anterior, de Juscelino Kubitschek.

Jânio ensaiou uma renúncia-golpe após perder várias batalhas no Congresso. Ele apostava no apoio das Forças Armadas para retornar ao Planalto e resolver a parada autoritariamente, sem a tutela de parlamentares oposicionistas. No final, ficou sozinho e entrou para a história como um incapaz com fama de bêbado.

Bolsonaro é bem diferente: embora conte com sólido apoio militar, caminha rumo ao autoritarismo aos poucos, fazendo-se de incapacitado e culpando a própria democracia por seu retumbante desgoverno.

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