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Projeto que levou homem à Lua resolveria problemas da Terra, propõe economista

Em seu novo livro, Mariana Mazzucato exalta Projeto Apollo, mas história está repleta de missões centralizadas que fracassaram

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John Kay
Londres | Financial Times

Desde 1969, pessoas se perguntam porque os seres humanos somos capazes de ir à Lua, mas não conseguimos resolveros problemas aqui na Terra, como a pobreza, a demência senil ou a mudança do clima.

“Mission Economy”, o novo livro da economista Mariana Mazzucato, conhecida por sua defesa de um papel mais ativo para o Estado, contém muitas imagens dos quadros brancos tão amados em reuniões de “brainstorming”, cada qual contendo uma missão ambiciosa no topo: garantir o futuro da mobilidade; limpar os oceanos; derrotar o câncer.

Abaixo, vemos um emaranhado de retângulos e linhas ligadas por setas multidirecionais. Precisamos de uma “ economia baseada em soluções”, propelida e coordenada por governos dotados de mais poderes e engajados em cada estágio do processo de inovação.

Mas o Apollo foi um sucesso porque o objetivo era específico e limitado; a ciência básica para o projeto era bem compreendida; e o compromisso era suficientemente forte para fazer com que os estouros de orçamento se tornassem quase irrelevantes.

A economista Mariana Mazzucato durante o Fórum Econômico Mundial - Sandra Blase - 25.jan.19 /Fórum Econômico Mundial

Missões realizadas com direção central obtiveram sucesso em certos casos, quando essas condições vigoravam. O programa Apollo foi uma resposta ao lançamento pioneiro de um ser humano ao espaço pela União Soviética. E a maior realização da União Soviética foi a mobilização completa dos recursos do país para derrotar a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.

A guerra de Richard Nixon contra o câncer, explicitamente modelada no programa Apollo, foi um fracasso, porque o câncer não é uma doença só, e na época —como agora—não se sabia o suficiente sobre o aspecto científico das mutações celulares.

O Grande Salto Adiante de Mao Tsé-Tung, um vão esforço para criar uma sociedade industrial na China em cinco anos, provou ser um dos maiores desastres econômicos e humanitários da história. Mais de 30 milhões morreram.

Sociedades democráticas contam com mais mecanismos de controle e de equilíbrio entre os poderes, que as protegem contra líderes visionários que se entusiasmam por missões como o programa lunar, mas as características que fizeram do Grande Salto Adiante uma catástrofe continuam a ser evidentes em missões menos ambiciosas.

Quando existe direção política da inovação, usualmente encontramos grandiosidade de ambição e de escala; a crença de que a força do comprometimento basta para superar problemas práticos; uma ausência de feedback honesto; a supressão de comentários céticos; e a marginalização dos comentaristas céticos.

Tudo isso esteve presente nas experiências britânicas como projeto de avião supersônico Concorde, o túnel sob o canal da Mancha e o programa AGR de reatores nucleares, alguns dos piores projetos comerciais da história.

Em contraste, o rápido desenvolvimento de vacinas é, ao menos provisoriamente, uma história de sucesso. Esse desenvolvimento não foi produto de uma direção central visionária, mas resultado de um processo competitivo envolvendo muitas equipes diferentes em todo o mundo, todas buscando ser a primeira a cruzar a linha de chegada.

O trabalho dessas equipes se baseou em estudos científicos acadêmicos existentes, no conhecimento especializado sobre o desenvolvimento e teste de medicamentos e na capacida de de produção e estrutura logística existentes da indústria farmacêutica.

O papel do governo, apropriadamente, foi acima de tudo bancar pesquisa básica e garantir que exista um mercado compensador para os produtos bem-sucedidos resultantes.

Mazzucato lista “20 coisas que não teríamos sem as viagens espaciais”: calçados esportivos, tomografia computadorizada, isolamento térmico de residências, leite em pó. Sim, literalmente. Mas também vemos a realidade da inovação produtiva: um processo descentralizado sob o qual desenvolvedores se baseiam e ajudam a criar a inteligência coletiva que resulta em melhora gradual e constante em tantos campos — o que inclui calçados melhores para atletismo.

Quando historiadores da tecnologia estudam os últimos 50 anos, pode ser que concluam que Neil Armstrong exagerou ao falar de “um salto gigantesco para a humanidade”.

A “nova fronteira” do fim da década de 1960 na verdade provou ser não o espaço sideral, mas a tecnologia da informação.E o desenvolvimento da tecnologia da informação foi caracterizado por uma notável ausência de visão e direcionamento central.

Nada de missões lunares, mas sim inovações graduais realizadas por meio de um pluralismo disciplinado no qual os vencedores temporários quase sempre terminaram substituídos por não terem sido capazes de antecipar o próximo passo da jornada.

Lembra-se de Word Perfect, Netscape, AOL, BlackBerry? Todas um dia líderes de mercado,todas hoje esquecidas.

Ninguém tem, ou poderia ter, o conhecimento sobre o presente ou o futuro requerido para criar ou implementar com sucesso as estratégias que Mazzucato recomenda.

O seu exemplo moderno preferencial serve como referência— a Energiewende, ou transição para energia renovável, na Alemanha. Ao ler “Mission Economy”, você não será informado de que esse projeto politizado e dispendioso resultou em reduções significativamente menores nas emissões de carbono do que a substituição do carvão por gás natural, econômica e socialmente benéfica, realizada discretamente no Reino Unido.

O fracasso da Energiewende ilustra os perigos de grandes missões e de uma economia baseada nelas, e políticos se apaixonam facilmente por esse tipo de proposta.

Mas a visão que propeliu o desenvolvimento da China não foi o Grande Salto Adiante de Mao nem a Revolução Cultural, máxima atitude de Deng Xiaoping: “Não importa que o gato seja branco ou preto, desde que ele apanhe ratos”.

É mais efetivo e compensador criar ratoeiras melhores do que planejar uma missão que livre o mundo de ratos completamente.

Tradução de Paulo Migliacci

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