Descrição de chapéu Financial Times

Queda acentuada na migração mundial ameaça recuperação econômica

Colapso na migração de trabalhadores qualificados poder prejudicar crescimento de população em idade de trabalho

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Delphine Strauss
Londres | Financial Times

Países que suportaram bem a pandemia estão enfrentando um arrasto econômico causado pelo colapso mundial na migração de trabalhadores qualificados, que prejudicará o crescimento de sua população em idade de trabalho, alertaram economistas.

A crise do coronavírus pôs fim a uma década de crescimento firme nos fluxos de migrantes em todo o mundo, de acordo com dados recolhidos pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Embora poucos países tenham publicado números referentes a 2020 como um todo, Jean-Christophe Dumont, que comanda as pesquisas sobre migração na organização sediada em Paris, disse que a queda ante o ano anterior no influxo de imigrantes para os países ricos varia de 30% a até 70% ou até 80% em lugares como a Austrália e a Nova Zelândia, que fecharam suas fronteiras de modo quase completo.

Duas mulheres trabalhando em um espaço de coworking em Paris, França - Christophe Archambault/AFP

Com muitos países agora apertando seus controles de fronteira, a migração em 2021 ficará “longe do normal”, ele disse, e “pode bem ser semelhante à de 2020, se as coisas não melhorarem rapidamente”.

As consequências disso recairão principalmente sobre os migrantes, de trabalhadores que se verão incapazes de ocupar postos de trabalho a famílias que terão de ficar separadas, passando por estudantes que terão de postergar seus cursos e refugiados presos em campos.

Os efeitos também serão duradouros para países que, nos últimos anos, puderam contar com um fluxo firme de recém-chegados para ocupar postos de trabalho, sustentar o crescimento de sua mão de obra, estimular o setor educacional e compensar a carga fiscal gerada pelo envelhecimento de suas populações nativas, disseram economistas.

Por exemplo, na Austrália e Nova Zelândia, o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) vem sendo alimentado pela expansão da população, que se deve em boa medida ao nível elevado de imigração.

Mas mesmo que a entrada líquida de imigrantes retorne aos níveis anteriores à pandemia até 2024, as populações em idade de trabalho dos dois países serão, respectivamente, 2% e 2,8% menores em médio prazo, de acordo com estimativas do FMI (Fundo Monetário Internacional) –o equivalente a uma perda de produção de entre 1,2% e 1,7%.

Marcel Thielant, da consultoria Capital Economics, disse que a queda na imigração era o principal motivo para que seja improvável que a economia da Austrália retorne ao percurso que tinha antes da pandemia, definindo essa consequência como “o preço que eles estão pagando por sua gestão muito bem sucedida do vírus”.

Philip Lowe, presidente do banco central australiano, disse em discurso recente que o crescimento da população havia dado forma à economia do país –propelindo o crescimento do PIB, compensando o envelhecimento da população natural, estimulando o setor de informação e pressionando a infraestrutura e a habitação.

Mas em 2020-2021, o crescimento populacional será o menor desde 1916, “quando muitos australianos deixaram o país para combater na Primeira Guerra Mundial”.

“Se o crescimento populacional for perceptivelmente mais lento no mundo pós-Covid, a trajetória de nossa economia também parecerá diferente”, ele disse.

Enquanto isso, o Canadá –que há muito tempo mantém uma política de buscar crescimento populacional semelhante à da Austrália– elevou suas metas para a entrada líquida de imigrantes. O país anteriormente buscava trazer um milhão de pessoas entre 2020 e 2022. Agora, para compensar o déficit, planeja permitir a entrada de 400 mil residentes permanentes nos três próximos anos –o que seria o maior nível de entrada líquida de imigrantes em sua história.

Outros governos não veem a queda da migração como um problema imediato, já que os níveis gerais de desemprego estão subindo na maioria dos países. Uma exceção ocorre em áreas importantes como os serviços de saúde e a agricultura; no ano passado, alguns países importaram trabalhadores sazonais agrícolas mesmo durante os períodos de lockdown.

“Em longo prazo, com algumas exceções, não existe um tamanho de população ideal para qualquer país... Em curto e médio prazos, pode ser positivo que menos gente esteja chegando, agora”, disse Madeleine Sumption, integrante do Comitê Consultivo de Migração que assessora o governo do Reino Unido.

Os imigrantes que chegam durante recessões têm maior probabilidade de competir diretamente com os cidadãos nativos por empregos e de encontrar dificuldades para firmar posição no mercado de trabalho, ela disse.

Mas uma queda duradoura na mobilidade transnacional pode prejudicar países nos quais a migração tenha ajudado a compensar a pressão fiscal gerada pelo envelhecimento da população.

Sem a entrada líquida de imigrantes, o ritmo natural de declínio da população da Alemanha era de 150 mil pessoas por ano, antes da pandemia, enquanto na Itália a população nativa vinha caindo em 200 mil pessoas ao ano.

A combinação gerada pela pandemia entre uma queda na imigração, aumento no índice de mortalidade e redução no número de nascimentos significou que, em 2020, a população da Alemanha caiu, pela primeira vez em uma década.

“Se acontecerem alguns anos em que a entrada líquida de imigrantes seja muito limitada..., não haverá como recuperar os números perdidos”, disse Dumont.

A migração internacional deve se recuperar assim que as fronteiras se reabrirem, mas os economistas não antecipam que ela volte ao nível anterior ao da pandemia por algum tempo. Os empregadores ainda não estão contratando, e estudantes podem buscar evitar o risco de se matricular em cursos este ano; pessoas que já imigraram podem adiar os planos de trazer seus familiares para se unirem a elas.

A experiência da pandemia fez com que os governos compreendessem o valor da imigração de baixa capacitação em setores como os serviços pessoais, transportes e alimentos, onde muitos dos trabalhadores nasceram fora dos países em que vivem.

“Alguns grupos de imigrantes se tornaram ainda mais importantes do que antes”, disse Carlos Vargas Silva, professor de estudos migratórios na Universidade de Oxford.

Mas ele também argumentou que os lockdowns haviam acelerado a automação e que a tecnologia poderia erodir a demanda por mão de obra de baixa capacitação: por exemplo, pessoas que empregavam faxineiros agora usam robôs que limpam e enceram o chão, e pessoas mais velhas podem em alguma medida usar aparelhos a fim de ajudá-las a administrar as tarefas do dia a dia, ou para pedir ajuda em caso de emergência.

Enquanto isso, a demanda por trabalhadores imigrantes de alta capacitação pode se reduzir acentuadamente. As companhias multinacionais veem menos necessidade de enviar trabalhadores para períodos curtos de trabalho no exterior, quando podem usar videoconferências, ou para pagar custos de transferência, agora que a ascensão do trabalho remoto tornou mais fácil contratar trabalhadores fora do país.

Uma mudança de longo prazo dessa ordem pode reduzir a população em idade de trabalho –e com isso a base tributária– de alguns países desenvolvidos, disse Vargas Silva. Mas também pode criar oportunidades para os trabalhadores capacitados nos países em desenvolvimento, que antes tinham de sair de suas terras para buscar carreiras.

Assim, no futuro o trabalho remoto pode tornar a escassez de mão de obra menos provável, nos países desenvolvidos, e aliviar a fuga de cérebros dos países em desenvolvimento. “Nem tudo é negativo”, ele disse. “O impacto de haver menos migração pode ser menor do que as pessoas teriam predito dois anos atrás”.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.