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Marcelo Kfoury Muinhos

Marcelo Muinhos: Alta na Selic pode interromper o repasse do atacado para o varejo

Se a inflação fugir muito da meta, o custo de desinflacionar a economia será maior

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Marcelo Kfoury Muinhos

Professor e Coordenador do Centro Macro-Brasil da FGV-EESP

O Banco Central do Brasil deve começar nesta quarta-feira (17) o processo de normalização da política monetária após um período expansionista de caráter extraordinário durante ao auge da primeira onda da pandemia. A Selic a 2%, no seu mínimo histórico, significava juros reais (descontada a inflação) no território negativo. Porém, houve aceleração recente na inflação, impossibilitando juros tão baixos.

A necessidade de ajuste nos juros se deve ao choque de elevadas proporções, que incide sobre os preços no atacado. Tal choque colocou os IGPs (Índices Gerais de Preços) no patamar de 30% em doze meses. O motivo foi o aumento dos preços dos commodities em reais. O preço dos commodities se elevou muito no exterior, devido aos estímulos fiscais e monetários, o que proporcionou recuperação das economias centrais. Além disso, houve uma depreciação acentuada do real devido aos gastos no combate a pandemia, que foram necessários, mas fragilizaram as contas públicas. A relação da dívida pública bruta em relação ao PIB subiu 15 pontos percentuais, sendo uma das mais altas entre os países emergentes.

Com agravamento da pandemia, será difícil cortar gastos e parte do ajuste na inflação será inevitavelmente feito com aumento nos juros - Mathilde Missioneiro - 8.abr.2020/Folhapress

O índice de preços ao atacado (60% desse índice dos IGPs) está subindo 40% nos últimos doze meses. A última leitura do IPCA traz aumento de 5,2% no mesmo período. Desde o Plano Real não há uma discrepância tão alta em termos relativos entre os IGPs e o IPCA. A expectativa de inflação em agosto do ano passado para a inflação de 2021 era de 3%. Na última leitura do Relatório Focus, essa expectativa se elevou para 4,6%, bem acima do centro da meta de inflação no presente ano (3,75%). Portanto, a autoridade monetária necessita iniciar o processo de normalização dos juros, mesmo no pior momento da segunda onda da pandemia, por isso o fará de maneira gradual.

Para não agravar o quadro de atividade econômica, o Banco Central deve começar a subir a Selic de maneira gradual, em passos de 0,5 p.p., chegando, na minha previsão, em 5% no final do ano. Se o repasse dos preços no atacado para o varejo for menor que o esperado devido ao recuo da atividade econômica, o ajuste dos juros pode ser interrompido.

Caso o Banco Central não aumente os juros, haverá maior repasse, efeitos de segunda ordem dos aumentos e a inflação vai se generalizando. O choque atinge primeiramente os produtos que têm componentes importados, como os panificados, além da gasolina e outros que acompanham os preços internacionais. Se o Banco Central não reagir, esses choques primários passarão para os salários e para os outros preços da economia, gerando uma percepção de descontrole da inflação.

A meta principal da autoridade monetária, definida pela lei recém aprovada que dá autonomia ao Banco Central, é perseguir estabilidade de preços. Num momento como o atual, há um certo dilema em subir os juros, num período em que provavelmente o desemprego voltará novamente a subir devido as novas medidas impostas de isolamento social. Entretanto, o custo social em termos de crescimento de produto será maior ao postergar o ajuste. Se a inflação fugir muito da meta, o custo de desinflacionar a economia será maior do que se combater o choque inflacionário no presente momento.

Reformas e ajustes nos gastos públicos podem diminuir o risco fiscal embutido na curva de juros e no câmbio, propiciando uma apreciação do real, diminuindo a magnitude do repasse da inflação do atacado para o varejo, diminuindo assim a necessidade do ajuste na Selic. Porém, com agravamento da pandemia, será difícil cortar gastos e parte do ajuste na inflação será inevitavelmente feito com aumento nos juros.

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