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Bolsonaro quer deter inflação, mas interferência tende a elevar preços, dizem economistas

Presidente teme perda de popularidade e risco à sua reeleição; mas intervenções desorganizam mercados e elevam dólar, realimentando aumentos

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São Paulo

De olho nas eleições presidenciais de 2022, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tenta combater um inimigo que já derrubou a popularidade de muitos antecessores. Desde o ano passado, ele tem manifestado o desejo ou adotado medidas para segurar a alta da inflação.

Na avaliação de economistas, a ação estatal terá pouco efeito nos preços dos produtos afetados pelas medidas e pode contribuir para espalhar a inflação por toda a economia, algo que já foi visto em outros governos que também tentaram frear a carestia com medidas consideradas mais populistas do que tecnicamente eficientes.

Em 2013, por exemplo, as manifestações de rua começaram com a aplicação de um reajuste de transporte coletivo que havia sido adiado a pedido do governo federal. Em 2015, a liberação de preços de energia e combustíveis represados foi um dos fatores que derrubaram a popularidade da presidente Dilma Rousseff (PT) às vésperas do impeachment.

O governo Bolsonaro já tentou intervir no preço do arroz no ano passado e, neste ano, decidiu mexer nos reajustes de combustíveis, além de anunciar que irá atacar também a questão da energia elétrica.

As falas e ações do presidente na área econômica, no entanto, contribuíram para enfraquecer a agenda liberal do ministro Paulo Guedes, o titular da área, e tiveram repercussões negativas em vários outros preços. Afetam em particular o câmbio, um dos principais fatores que pressionam a inflação desde o ano passado.

Em 2020, a inflação ao consumidor acumulada em 12 meses medida pelo IPCA do IBGE chegou a ficar abaixo de 2%. Atualmente, os índices de preços estão acima de 4,5% e devem se aproximar de 6% em meados de 2021.

São percentuais ainda distantes da hiperinflação anterior ao Plano Real, mas acima do objetivo do BC (Banco Central), cuja responsabilidade é zelar pela preservação do valor da moeda nacional. O BC estabeleceu como meta manter a inflação em 3,75% no ano, com tolerância 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Ou seja, o limite máximo para a inflação no ano é 5,25%.

Entre os produtos que mais subiram estão itens da cesta básica, como feijão, arroz e óleo de soja, que quase dobraram de preço em 12 meses, além de bens que dependem de insumos com preços determinados no mercado internacional. Também pesam na cesta de consumo os combustíveis, alvo atual do presidente, que reduziu a tributação do diesel e gás de cozinha.

William Baghdassarian, economista do Ibmec Brasília, afirma que vários governos têm insistido em adotar políticas públicas por meio de desonerações tributárias, em vez de seguir o caminho orçamentário, o que torna o resultado da política incerto e traz efeitos econômicos colaterais.

Para Baghdassarian, seria melhor dar um voucher para cada caminhoneiro do que ficar mexendo em tributos e segurando preços.

“No curto prazo, não vai ter um efeito tão grande. No médio prazo, você tem outros problemas. O imposto federal é uma parcela pequena desses preços. O governo pode dar um alívio, mas não necessariamente o posto vai baixar. Isso vai beneficiar um grupo pequeno e não na proporção que o governo acha que vai”, afirma.

“Parte dessa alta do preço dos combustíveis também pode ser atribuída a uma estratégia do governo de comunicação que traz uma certa insegurança. Quando vou na televisão e causo uma tensão nos mercados, na prática estou subindo o dólar e isso vai cair no bolso das pessoas.”

André Braz, coordenador do IPC (índice de preços ao consumidor) do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), afirma que a parcela da inflação que for reduzida com a intervenção nos reajustes da gasolina e do diesel vai voltar por meio de outros setores.

“É um tiro no pé que o governo pode dar fazendo intervenção, aumentando a incerteza e trazendo uma desvalorização [cambial] que vai contaminar uma seara de outros produtos que, indiretamente, vão produzir um efeito pior do que se você deixasse os combustíveis seguirem as leis de mercado”, afirma.

Braz diz que a inflação de 2020 ficou mais concentrada nos alimentos, mas que em 2021 haverá uma contaminação de diversos itens e que a alta de serviços, preços administrados e bens duráveis será sentida de maneira mais forte pela população.

“Nesse cenário é mais complicado esperar uma inflação bem-comportada, principalmente quando o governo decide controlar certos preços. Isso não funciona. A gente já aprendeu de forma muito dura que intervir nas leis de mercado não é bom para a economia”, afirma.

Paulo Gala, diretor-geral da Fator Administração de Recursos, lembra que o reajuste de combustíveis já foi alvo de intervenções nos governos FHC, Dilma e Michel Temer e tem sido um problema para diversos países. Nenhuma administração, no entanto, tem meio para segurar esses preços durante muito tempo, dado o peso do dólar e das cotações internacionais.

Para Gala, é possível controlar os efeitos secundários dessa alta, que são os repasses para outros preços, algo que é difícil de ocorrer em uma economia deprimida como a brasileira.

“Como a economia está implodindo, o desemprego vai a 15%, não tem perspectiva de crescimento, a gente pode ficar tranquilo que não vai voltar inflação no Brasil”, afirma.

“Agora, se os investidores ficam mais apreensivos, isso acaba retroalimentando uma espiral de risco país e desvalorização cambial que só agrava o nosso cenário já muito difícil, porque as commodities não param de subir em dólar.”

Para Gala, seria positivo adotar alguma política de suavização dos reajustes dos combustíveis, em vez de seguir uma regra de reajustes quase semanais, mas não é possível controlar inflação segurando os preços da gasolina.

Ele avalia que a inflação, conforme mostram as projeções de mercado, deve recuar no próximo ano e se manter perto do centro da meta fixada perseguida pelo Banco Central, que deverá voltar a subir os juros em breve, mas para patamar ainda historicamente baixos.

Marcelo Neves, professor da Fipecafi, também avalia que a desoneração dos combustíveis corre o risco de não chegar totalmente ao consumidor e que o governo não tem meios para compensar uma nova rodada de aumento de preços de combustíveis no mercado externo.

“Uma desoneração tem algum impacto momentâneo. Essas soluções imediatistas têm efeito muito curto. Você tem desvalorização do câmbio e alta do petróleo, que são vetores com a mesma direção e sentido. Se reduzir os preços 5% [com tributos] e continuar tendo aumento do barril de petróleo e desvalorização, isso vai desaparecer muito rapidamente”, afirma.

“O que precisa é ter estabilidade, regras estáveis e estoque regulador para esses picos de consumo.”

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