Nos dois primeiros anos de governo Jair Bolsonaro (sem partido), a capacidade de compra do brasileiro assalariado encolheu. Entre o início deste ano e o mesmo período em 2019, o preço da cesta básica de alimentos subiu 32,56%
Com R$ 100 em janeiro de 2019, o consumidor saía do supermercado com 11 produtos básicos, como arroz, feijão, açúcar e café e ainda poderia levar 1 quilo de carne de primeira, pão francês e queijo muçarela. Até um pacote de biscoito recheado poderia entrar no carrinho.
Em abril de 2020, quando o auxílio emergencial de R$ 600 começava a ser pago, os preços já estavam mais altos e isso exigiu que o consumidor fizesse escolhas.
Com esses mesmos R$ 100, a carne de primeira precisou ser cortada na compra. No lugar, entrou o frango resfriado. Assim, conseguiu manter o mesmo número de itens, mas precisou escolher uma mistura –como os paulistas chamam a proteína– mais em conta.
Quase um ano depois, o paulistano consegue, com os mesmos R$ 100 no bolso, levar mais itens para casa, mas terá de abrir mão das quantidades e fazer mais substituições.
Os 5 kg de arroz terão de ser trocados por 3 kg. O biscoito recheado já não entrará na cesta de compras, e o quilo da muçarela será cortado pela metade. Com as reduções, ele conseguirá manter a compra do frango e levar macarrão e extrato de tomate.
O governo deve retomar os pagamentos do auxílio emergencial em abril, mas em valor inferior. Em média, ele será de R$ 250. Com esse dinheiro, o beneficiário conseguirá comprar, em São Paulo, cerca de 39% de uma cesta completa de alimentos. Na capital paulista, ela custou, em média, R$ 639,47.
Atualmente, o brasileiro gasta em média mais da metade (54,23%) do salário mínimo líquido para comprar a cesta básica. Na cidade de São Paulo, que detém o segundo maior preço pelo conjunto de produtos, o percentual de comprometimento chega a 62,85%.
“Se você pensar em uma família de baixa renda, em que todos são informais, eles já perderam renda na pandemia e agora estão sem o auxílio. As possibilidades vão ficando cada vez mais restritas e o acesso a uma alimentação completa e três refeições vai diminuindo”, afirma Patrícia Costa, supervisora da pesquisa de preços do Dieese.
O pacote de arroz com 5 quilos, que há dois anos custava R$ 11,84, em média, na capital paulista, chegou a R$ 24,02 em janeiro. Em apenas um produto, o preço mais que dobrou, segundo a pesquisa feita pelo Dieese com o Procon-SP. O presidente chegou a pedir aos varejistas no ano passado lucro “próximo de zero” após a disparada na preço do arroz.
A alta do preço dos alimentos durante a pandemia foi quase o triplo da inflação oficial, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).
Enquanto o índice registrou variação de 5,20% nos 12 meses até fevereiro, a alta de preços na cesta de alimentos passou de 20% em 12 capitais brasileiras. Em Florianópolis (SC), por exemplo, o aumento chegou a 29,74%, colocando a capital catarinense como aquela com o maior custo médio.
Com isso, a lista de compras teve que encolher ou mudar para acomodar a mesma renda. “O poder de compra de fato encolheu. A inflação geral ficou em 5%, mas a dos alimentos está em 15% e nossa cesta acumula 24% em São Paulo. A conta não fecha”, diz Patrícia.
Já em fevereiro, o preço da cesta básica caiu na maioria das capitais, segundo Patrícia, reduzindo o impacto das altas registradas na passagem do ano.
Na avaliação dela, o resultado mostra o efeito da combinação de oscilações sazonais, como o aumento no escoamento de produtos como batata e tomate, com a redução da demanda interna.
Com o fim do auxílio emergencial, milhares de famílias tiveram redução de renda. Os últimos saques foram feitos em janeiro, mas o pagamento terminou em dezembro.
“O auxílio emergencial foi muito importante para que as pessoas continuassem comendo. Em janeiro, você já começa a ver que essa população passa a ter dificuldade de comprar alimentos”, afirma.
Para Patrícia, produtos mais exportados, como as carnes, são aqueles que, neste momento, a população mais pobre tem mais dificuldades para comprar, pois estão com menos oferta interna e preço maior.
“Já vemos as pessoas comprando menos produtos como manteiga e queijo, está havendo menor demanda. No ano passado, houve aumento expressivo no consumo desses alimentos", diz.
Até 2019, o governo era obrigado a conceder, além da inflação, a variação do PIB (Produto Interno Bruto) registrada dois anos antes. Com o encolhimento da economia a partir de 2017, essa diferença sumiu, pois o PIB ficou negativo.
Agora, além dos reajustes que não representam aumento de renda, e de um “desconto” de R$ 2, o brasileiro vem enfrentando uma escalada de preços maior em despesas importantes. Os alimentos e bebidas acumulam alta de 14,81% em 12 meses.
O monitoramento de preços da cesta básica de alimentos feita pelo Dieese mostra que de janeiro para fevereiro, o conjunto de produtos subiu 2,69% em João Pessoa (PB), e 2,33% em Curitiba. De dezembro para janeiro, a cesta em Belo Horizonte (MG) havia avançado 4,17%, e 4,05% em Vitória (ES).
Na capital paulista, o levantamento de preços do Dieese com o Procon-SP aponta que os maiores aumentos mensais na cesta vieram de cebola (17,91%), presunto fatiado (10,71%) e batata (8,53%).
Na pesquisa com o órgão de defesa do consumidor, são incluídos também itens de higiene pessoal e produtos de limpeza. O sabão em barra, por exemplo, subiu 11,86% em janeiro.
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