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Entre o ego político e a tropa: o perigoso canto da sereia em movimentos paredistas nas polícias no Brasil

É preciso blindar as polícias das investidas da politica ruim, que segue a cartilha do quanto pior melhor

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Coronel Nylton Rodrigues Ribeiro Filho

Foi comandante-geral da Polícia Militar e secretário de Segurança do Estado do Espírito Santo

Em fevereiro de 2017, eram duas horas da madrugada do quarto dia da greve da Polícia Militar. O então governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, me telefonou. O momento era dramático. Pela primeira vez em quase 200 anos de existência a PM do estado paralisava integralmente a prestação de seus serviços.

Nem o 190 funcionava. A população estava em pânico diante de um movimento que deixou os capixabas reféns da criminalidade, mesmo com o pagamento dos servidores em dia e próximo ao teto estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

O governador me ligava da UTI de um hospital em São Paulo, pois havia sido submetido a tratamento cirúrgico para um câncer na bexiga. Naquele telefonema que recebi ainda em minha cama, com minha esposa me olhando fixamente, aterrorizada, fui convidado para assumir o cargo de comandante-geral da PM em meio à maior crise da história da segurança pública do Espírito Santo, com potencial para se espalhar por todo o Brasil. O convite foi aceito.

A paralisação se estendeu por 21 dias daquele revolto mês de fevereiro. Foram registrados mais de 220 homicídios e milhares de furtos, roubos e arrombamentos. Hoje, fica evidente que, por trás do movimento paredista*, atuava um pequeno grupo movido por projeto político pessoal.

Alguns deles eleitos com a promessa de anistia aos crimes praticados. Incitaram a todo momento a paralisação, a prática de graves transgressões disciplinares, insubordinações e crimes com o flagrante objetivo de gerar o caos social, tudo como insana estratégia de buscar capital político. Tentaram pôr fogo no Espírito Santo em busca de votos.

Nossas instituições policiais precisam estar atentas e vacinadas contra aqueles que possuem a inescrupulosa intenção de usá-las indevidamente em benefício político próprio. O caminho trilhado pela maioria absoluta dos nossos valorosos policiais sempre foi o do comprometimento com o povo e com os princípios e valores de suas instituições.

É preciso blindar as polícias das investidas da política ruim, que segue a cartilha do quanto pior melhor, que enxerga a revolta como forma de ganhar uma eleição. Discursos radicais e inflamados que apontam para paralisações de atividades policiais em busca da justa valorização profissional são injustos com o já sofrido e sacrificado povo. As consequências são as piores para a população e para as instituições.

Não precisa ser assim, tudo na vida tem a forma correta e legal de fazer. É vital afastar qualquer forma equivocada que desampare e desproteja as pessoas.

Devemos, sim, estar sempre buscando a evolução a e valorização de nossas instituições policiais, mas com a clareza de que os reais interesses institucionais e a responsabilidade devem iluminar os esforços.

Não precisamos abrir mão de nossas tradições e valores para avançar. Devemos tratar bem da nossa história e conduzir as polícias ao encontro dos anseios da população. Nossas instituições são capazes de entender as lições do passado e a fundamental necessidade de continuarmos contribuindo para um futuro de paz, prosperidade e justiça.

Após o fim do movimento paredista, o STF reforçou sua posição sobre a ilegalidade de greve de policiais, citando inclusive o caso do Espírito Santo. O Ministério Público Federal moveu ação responsabilizando as associações representativas e pedindo ressarcimento ao prejuízo sofrido em razão da greve.

Já o atual governador enviou projeto de lei à Assembleia solicitando anistia aos policiais punidos e processados administrativamente por envolvimento na greve.

Qualquer caminho radical em busca de valorização soa como canto da sereia, e esse só encanta o ego daqueles que constroem seus capitais políticos sobre as cinzas da população e da própria tropa a qual prometiam avanços, mas que colheu processos, ainda não anistiados na esfera federal, e graves problemas de saúde.

* Expressão utilizada geralmente como sinônimo de greve, mas também como alternativa para designar um movimento de paralisação quando se refere a uma categoria que tecnicamente não poderia fazer greve no sentido constitucional, caso de militares em geral.

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