Descrição de chapéu desmatamento

EUA avaliam leis ambientais que limitam compras do Brasil

Projetos buscam restringir importação de áreas de queimadas e desmatadas

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Washington

A chegada de Joe Biden à Casa Branca impulsionou no Congresso dos EUA um forte movimento para a elaboração de novas leis de combate ao desmatamento ilegal que, se aprovadas, poderão impactar diretamente as exportações do Brasil.

O presidente americano colocou as mudanças climáticas no centro de seu governo, o que estimulou parlamentares a buscar regras de mercado mais transparentes, com cadeias produtivas comprometidas com o ambiente, principalmente em relação a commodities com origem em florestas tropicais.

O objetivo dessa nova legislação, caso chancelada, é limitar a compra de produtos provenientes de áreas com desmatamento ilegal, o que poderia diminuir a importação pelos EUA de itens brasileiros como couro, carne, madeira, café, celulose e soja.

Segundo o Centro de Comércio Internacional, em 2020 o Brasil exportou US$ 170,5 milhões (cerca de R$ 946 milhões) em couro para os EUA, o segundo maior comprador, atrás somente da China. Também enviou US$ 131,7 milhões (R$ 732,7 milhões) em carnes —cerca de US$ 100 milhões (R$ 556 milhões) com as de origem bovina— e US$ 120 mil (R$ 668 mil) em soja.

Já em madeira, café e celulose, a exportação no ano passado somou quase US$ 3,4 bilhões (cerca de R$ 19 bilhões).

Não é possível dizer que todas as matérias-primas agrícolas brasileiras têm origem em áreas de desmatamento ilegal, alertam especialistas, mas a política negligente do governo Jair Bolsonaro (sem partido) sobre ambiente pode fazer com que compradores americanos fiquem mais cuidadosos quando o assunto for importações do Brasil.

O mais recente símbolo desse esforço é um projeto de lei que deve ser apresentado pelo senador democrata Brian Schatz, do Havaí. A medida visa restringir o acesso do mercado americano a matérias-primas originadas de terras desmatadas ilegalmente, além de criar um comitê consultivo para rastrear e monitorar o fornecimento dos produtos aos americanos.

Gerente de Política de Commodities da EIA (sigla em inglês de Agência de Investigação Ambiental dos EUA), Rick Jacobsen está aconselhando o gabinete de Schatz na elaboração do projeto e diz que, enquanto o desmatamento ilegal no Brasil não for interrompido completamente, os mercados internacionais ficarão “cada vez mais desconfortáveis” de comprar do país.

“As medidas no projeto de lei dariam aos consumidores e empresas americanas garantias de que os produtos agrícolas provenientes do Brasil não estão gerando crimes ambientais e desmatamento”, afirma Jacobsen. “Mas, até que o desmatamento no Brasil seja interrompido completamente, os mercados internacionais ficarão cada vez mais desconfortáveis com a compra de produtos como carne,
couro e soja, que estão causando o desmatamento na Amazônia e em outros biomas.”

De acordo com números divulgados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), o desmatamento na Amazônia voltou a bater recorde e cresceu 9,5% de 2019 a 2020. No total, a área derrubada na floresta foi de 11 mil quilômetros quadrados, a maior da última década.

Caso a lei seja aprovada, a exportação de carne do Brasil pode ser uma das mais afetadas, depois de um aumento efetivo nas vendas no ano passado, com a reabertura do mercado americano para o produto in natura brasileiro —que estava suspenso desde 2017.

Isso porque, de acordo com Jacobsen, a nova legislação exigiria que as cadeias de abastecimento de gado fossem rastreáveis desde o nascimento até o abate do animal e que o gado não tivesse pasto em terras que foram destruídas ilegalmente.

Mas isso não significa proibição da importação de produtos do Brasil, ele pondera, apenas ter a certeza de que os itens comprados sejam de origem legal.

Devido às queimadas na Amazônia, marcas internacionais, como Timberland e Vans, pediram no ano passado esclarecimentos ao CICB (Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil) sobre a procedência do couro importado. De acordo com a instituição, após o fornecimento das informações, não houve
suspensão das importações, mas o caso deixa claro como a dinâmica do mercado tem exigido cada vez mais transparência sobre a cadeia produtiva.

Jacobsen lembra que Reino Unido e União Europeia também estão desenvolvendo medidas regulatórias para reduzir o desmatamento associado ao comércio, e o Brasil, afirma, poderia usar o momento para abraçar o combate à destruição de suas florestas.

“[A aprovação do projeto] Criaria uma avenida para a cooperação EUA-Brasil no combate ao desmatamento e ajudaria a reverter a tendência de enfraquecimento da aplicação da lei ambiental no Brasil que contribuiu para as maiores taxas de desmatamento em mais de uma década.”

Daniel Brindis, diretor de campanha florestal do Greenpeace, afirma que os americanos não precisariam substituir os produtos que compram do Brasil se os fornecedores pudessem garantir que todos vêm de origem legal. “A diferença é que cada empresa americana solicitaria uma prova disso.”

A proposta do senador Schatz terá espelho na Câmara, em um texto apresentado pelo deputado democrata Earl Blumenauer, de Oregon.

Na avaliação de Brindis, ter Biden na Casa Branca não só estimulou a elaboração desses projetos como ampliou as chances de que eles sejam aprovados.

“John Kerry [enviado especial do clima do governo Biden] destacou as florestas como parte fundamental de sua abordagem das mudanças climáticas”, afirma.

Na semana passada, a Agência de Investigação Ambiental e outras 28 organizações sem fins lucrativos publicaram uma carta aberta a favor do projeto de Schatz. Os parlamentares, por sua vez, dizem esperar apoio bipartidário para chancelar a legislação o quanto antes.

Apesar do aparente cenário positivo, especialistas e políticos reconhecem que há sempre forte resistência contra novas regulamentações nos EUA e, desta vez, não será diferente. Eles esperam reações contrárias de associações comerciais, provavelmente anônimas.

“Ninguém quer aparecer tolerante com atividades ilegais”, conclui Brindis.

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