Funcionários do Banco Mundial pedem investigação de Weintraub por promover desinformação e campanha política

No documento, são citados ataques do ex-ministro à vacina, defesa da cloroquina e possível campanha eleitoral

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Washington

A Associação de Funcionários do Banco Mundial pediu novas investigações sobre Abraham Weintraub, um dos diretores-executivos da instituição, desta vez por espalhar desinformação durante a pandemia e fazer campanha política para um cargo eletivo no Brasil.

A Folha teve acesso à carta enviada pela associação ao Comitê de Ética do banco, na qual funcionários dizem que o comportamento do ex-ministro da Educação é "inaceitável" e que é preciso verificar se sua postura é compatível com o código de conduta e os valores fundamentais da instituição.

Procurado, o ex-ministro não respondeu.

No documento datado em 24 de fevereiro, são apresentados exemplos dos ataques de Weintraub contra a vacina desenvolvida pelo Instituto Butantan, sua defesa da cloroquina, medicamento ineficaz contra a Covid-19, e uma possível campanha eleitoral para o governo de São Paulo —o atual governador paulista, João Doria (PSDB), é um dos principais clientes do banco e também um dos maiores alvos do ex-ministro.

"Dado o papel crítico do Banco Mundial na luta contra a Covid-19 no mundo, achamos inaceitável que um membro do conselho administrativo (muito mais do que qualquer outro membro da equipe) publique nas mídias sociais informações patentemente falsas, aparentemente com o objetivo de politizar a pandemia ou contribuir para teorias da conspiração", diz o documento.

Em junho do ano passado, a associação havia pedido ao Comitê de Ética a suspensão da nomeação de Weintraub até que fosse apurada sua atitude em episódios como discursos preconceituosos em relação à China e a minorias e sua fala defendendo a prisão de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), mas a reivindicação fora negada.

Como revelou a Folha, à época o colegiado afirmou que não poderia influenciar na nomeação e que o código de conduta do banco só é aplicado a funcionários já empossados, o que ainda não era o caso do ex-ministro.

Agora, dizem funcionários, o cenário mudou. No posto desde 30 de julho, com mandato renovado em novembro por mais dois anos, Weintraub tem intercalado suas reuniões no banco —a maioria de forma virtual— com a divulgação de vídeos em suas redes sociais sobre diversos temas, que serviram de motor propulsor para a nova carta da associação.

De acordo com a entidade, sete meses depois das primeiras reclamações contra o ex-ministro, ainda há preocupação entre integrantes do banco com seu comportamento e que, por isso, é preciso uma reavaliação.

Segundo a carta, em vídeo publicado no YouTube em 16 de janeiro, Weintraub "busca oferecer 'evidências científicas' para atestar que a hidroxicloroquina é um tratamento eficaz contra Covid-19; e afirma que as múltiplas mutações do vírus são uma indicação clara de que ele foi fabricado em laboratório".

"Ambas as questões foram desacreditadas pela comunidade científica", diz a carta.

E segue: "O Sr. Weintraub parece estar fazendo campanha para um cargo político no Brasil ao mesmo tempo em que é funcionário do Grupo Banco Mundial."

Segundo a associação, esse "parece ser um claro conflito de interesses" já que o código de conduta exige que os dirigentes não interfiram nos assuntos políticos dos países membros e não se envolvam em atividades externas incompatíveis com o desempenho adequado de suas funções.

"Os funcionários do conselho devem obter a autorização prévia do Comitê de Ética para todas as atividades fora das funções oficiais", completa.

Com base nesses argumentos, a associação solicita formalmente a investigação "do comportamento e das ações de Weintraub para garantir que eles estejam de acordo com o Código de Conduta da Diretoria e com nossos valores fundamentais".

Em caráter reservado, líderes da associação disseram à Folha que não sabem qual seria a punição de Weintraub caso o Comitê de Ética abra a investigação e conclua que a postura do ex-ministro não está alinhada com os valores do banco.

O objetivo, afirmam, é seguir com a pressão política para que o colegiado tome alguma atitude sobre o assunto. O Comitê de Ética, por sua vez, ainda não respondeu à associação.

Leia a seguir a carta da Associação de Funcionários ao Comitê de Ética do Banco Mundial

Em 24 de junho de 2020, a Assembleia de Delegados da Associação de Funcionários do Banco Mundial trouxe à atenção do Comitê de Ética alegações sobre comentários racistas e acusações criminais relacionados ao Sr. Abraham Weintraub, que na época estava sendo nomeado para diretor-executivo. Seus antecessores responderam prontamente que o Código de Ética se aplicava apenas prospectivamente [quando Weintraub se tornasse, de fato, funcionário], implicando que o Comitê de Ética deveria ignorar tais alegações e acusações.

No entanto, a Associação de Funcionários continua a ouvir preocupações dos funcionários sobre o comportamento e as ações do Sr. Weintraub enquanto ele é um membro ativo da diretoria do banco e, portanto, deseja trazer essas preocupações à sua atenção. Existem duas categorias de preocupações:

Desinformação sobre coronavírus:

O Sr. Weintraub tuitou várias vezes contra a vacina contra o coronavírus produzida pelo Instituto Butantan, do Estado de São Paulo (onde o governador de São Paulo é um adversário político do Sr. Weintraub e do Sr. Bolsonaro): exemplos aqui. Neste vídeo no YouTube de 16 de janeiro (trechos transcritos em inglês abaixo), o Sr. Weintraub busca oferecer 'evidências científicas' para atestar que a hidroxicloroquina é um tratamento eficaz contra Covid-19; e afirma que as múltiplas mutações do vírus são uma indicação clara de que ele foi fabricado em laboratório.

Ambas as questões foram desacreditadas pela comunidade científica. Dado o papel crítico do Banco Mundial na luta contra a Covid-19 em todo o mundo, achamos inaceitável que um membro do Conselho Administrativo (muito mais do que qualquer outro membro da equipe) publique nas mídias sociais informações patentemente falsas, aparentemente com o objetivo de politizar a pandemia ou contribuindo para teorias da conspiração.

Fazendo campanha para cargos políticos:

O Sr. Weintraub parece estar fazendo campanha para um cargo político no Brasil ao mesmo tempo em que é funcionário do Grupo Banco Mundial. De fato, foi noticiado dia 19 de fevereiro, em rodada de imprensa em nosso próprio site, cuja primeira linha é: 'Ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub se lançou como candidato ao governo de São Paulo, diretamente de Washington, Estados Unidos, onde atua como diretor do Banco Mundial.'

Este parece ser um claro conflito de interesses. O Código de Conduta do Conselho, seção 2 (b), cita 'a exigência de que nem as Organizações ou seus dirigentes interfiram nos assuntos políticos dos países membros'; e a seção 10 (a) dispõe que 'os funcionários do conselho não devem se envolver em atividades externas incompatíveis com o desempenho adequado de suas funções. Os funcionários do conselho devem obter a autorização prévia do Comitê de Ética para todas as atividades fora das funções oficiais.'

Com base nisso, a Associação de Funcionários solicita formalmente que o Comitê de Ética da Diretoria investigue o comportamento e as ações do Sr. Weintraub, conforme alegado pela equipe do Grupo do Banco Mundial, para garantir que eles estejam de acordo com o Código de Conduta da Diretoria e com nossos valores fundamentais.

Sinceramente,

Comitê Executivo da Associação de Funcionários do Banco Mundial

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