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Mercosul completa 30 anos com discussões sobre flexibilização e aceleração de acordos

Saldo é positivo para a integração dos países do bloco, mas modelo precisa passar por reformas, dizem especialistas

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São Paulo

O Mercosul (Mercado Comum do Sul) completa 30 anos nesta sexta-feira (26) sem ainda ter se tornado de fato um mercado comum, como previa o tratado assinado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai no início do governo de Fernando Collor (1990-1992).

Também não conseguiu promover a integração de políticas econômicas previstas no Tratado de Assunção de 1991, o que se torna cada vez mais difícil face às recorrentes crises financeiras de seus membros e às diferenças de visão nessa área dos presidentes que governaram cada uma dessas nações.

O saldo, no entanto, é positivo em termos de integração internacional dos países do bloco, na visão de especialistas que atuam na área ou participaram das negociações ao longo dessas décadas.

Apesar do avanço nas exportações de produtos básicos para a Ásia, que reduziu a importância do bloco para o comércio exterior brasileiro como um todo, os países da região têm peso relevante nas vendas da indústria para o exterior.

Os então presidentes Fernando Collor de Mello (Brasil), Andrés Rodriguez (Paraguai), Carlos Menem (Argentina) e Luis Lacalle (Uruguai) se congratulam após assinatura do tratado que criou o Mercosul, em 26 de março de 1991, em Assunção, Paraguai. (AFP: France Presse) - France Presse- AFP

Há ainda as questões ligadas diretamente à vida dos cidadãos desses países, que possuem regras especiais de circulação, residência, reconhecimento de diplomas e benefícios sociais.

O embaixador Rubens Barbosa, que comandou por parte do Brasil a implementação do bloco, afirma ainda que o Mercosul representou uma virada na visão do empresariado brasileiro em relação à importância de envolver o setor privado nas negociações comerciais.

“O Mercosul despertou o interesse dos empresários pelas negociações comerciais internacionais. Também criou um mercado importante para os produtos industrializados brasileiros. Se não tivesse Mercosul, o Brasil não venderia automóveis nem para a Argentina, porque o custo Brasil impede a negociação com o resto do mundo”, afirma Barbosa, que também é presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo).

O embaixador afirma que o bloco passou por altos e baixos nestes 30 anos e não desenvolveu uma cultura de integração, como existe na Europa. Além disso, a convergência de uma visão a favor da abertura comercial entre os presidentes da região, que foi fundamental para o sucesso da iniciativa ao longo da década de 1990, nunca mais se repetiu. Algo que também se dá na atualidade.

A economista Sandra Rios, diretora do Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), afirma que o Mercosul produziu resultados bastante positivos para as economias locais até 1999. A partir daí, o bloco se viu às voltas com crises macroeconômicas e momentos de alinhamento ou desalinhamento políticos que travaram parte dessa integração.

Para ela, seria inimaginável o Brasil não ter um acordo de livre comércio com seus vizinhos, mas o modelo de integração escolhido deveria ser revisto. Uma das propostas é liberar os países da obrigação de ser uma união aduaneira com uma TEC (Tarifa Externa Comum) e ter de negociar necessariamente acordos fora do bloco em conjunto.

Sandra afirma que a tarifa comum, na realidade, é uma ficção, devido ao grande número de exceções criadas pelos países de acordo com suas necessidades de política econômica. Atualmente, afirma, o percentual de produtos que efetivamente cumpre uma tarifa externa para os quatro países é pequeno.

“O Mercosul chega aos 30 anos demandando reformas para continuar relevante. Se não houver uma mudança de modelo, uma certa flexibilização, que permita aos países adotarem políticas comerciais de sua preferência, o bloco vai possivelmente continuar a perder relevância”, afirma.

A diretora do Cindes diz que isso não significa que o Mercosul vai se tornar irrelevante ou perder força. O objetivo é concentrar forças no que importa para o comércio dentro do próprio bloco, como eliminar barreiras, tratar de convergência regulatória e modernizar normas que estão defasadas.

“Não é uma visão de reduzir a importância do Mercosul, é fazer com que ele funcione de fato, para contribuir para a integração econômica entre os países e dos países do bloco no mundo.”

Brasil e Uruguai já querem modificar as normas do Mercosul para que dois ou três sócios possam negociar um tratado comercial de forma independente, sem a participação do quarto integrante.

Fabrizio Sardelli Panzini, gerente de Políticas de Integração Internacional da CNI (Confederação Nacional da Indústria), afirma que o Mercosul é a experiência mais bem-sucedida de integração que o Brasil já teve e que o bloco conseguiu criar cadeias produtivas em setores que têm impacto econômico e social grande para o país.

Por outro lado, a situação econômica das duas principais economias da região, Brasil e Argentina, pararam de crescer, levando o bloco a uma situação de estagnação, com problemas ainda de falta de competitividade e demora na retirada de algumas barreiras internas.

“Não podemos colocar a culpa no Mersocul por coisas em que a culpa é nossa. O Mercosul deixou de fazer parte de grandes arranjos internacionais de comércio, teve várias notícias positivas recentemente, mas continua com algumas barreiras, com um fluxo de comércio ainda não livre, com menos integração internacional do que gostaríamos e, principalmente, com baixo crescimento e baixa competitividade”, afirma Panzini.

As prioridades da indústria para o futuro do Mercosul, segundo Panzini, são a estabilidade econômica na região para retomada do crescimento, a conclusão de acordos comerciais com União Europeia e EFTA (Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) e a celebração de acordos com Reino Unido e países das Américas do Norte e Central, além da busca de mais competitividade para as economias locais.

A CNI cita ainda a necessidade de mais integração interna, a partir da aprovação de acordos atualmente parados nos Congressos de compras públicas e facilitação de comércio, por exemplo.

Ele cita ainda que o setor industrial brasileiro responde por 90% das exportações para o Mercosul, acima dos 78% para os EUA e dos 50% na média das vendas do Brasil para todos os países do mundo.

Durante debate sobre a data comemorativa, o embaixador Rubens Ricupero afirmou que falta atualmente aos dirigentes do bloco uma confiança mútua e uma convergência de visões sobre a importância da integração de uma região que comemora, também em 2021, 150 de paz, desde o fim de Guerra do Paraguai.

O embaixador Rubens Barbosa afirma que os processos regionais de integração se intensificaram, inclusive nos países em desenvolvimento na Ásia e África, e que a América do Sul é hoje a única região do planeta que não caminha nesse sentido.

“Quem faz o bloco são os países. A falta dessa cultura de integração e de vontade política dos governantes que passaram nesses 30 anos é que foram a causa. A culpa não é do mecanismo. O mecanismo é bom. A questão são os problemas de cada país, a maneira como a gente resolve e a falta de vontade política dos governantes, que ainda não absorveram essa cultura da integração que há em outras regiões”, afirma.

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