Montadoras recorrem ao Ministério Público para adiar produção de veículos menos poluentes

Anfavea argumenta que impacto no ar foi reduzido pela queda nas vendas de veículos em 2020

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São Paulo

As montadoras de veículos buscam um acordo com o MPF (Ministério Público Federal) para adiar o cumprimento da resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que, em 2018, estabeleceu o novo padrão de emissão de gases poluentes para motores fabricados a partir do ano que vem.

Após tentativas do setor, ao longo do ano passado, de pedir uma revisão dos prazos no Conama —que não chegou a colocar a demanda em pauta—, a nova estratégia busca um acordo preventivo com o MPF para impedir que o Ibama autue os fabricantes nos primeiros 12 meses da entrada em vigor da norma.

O novo padrão de tecnologia —que vigora nos Estados Unidos desde 2010 e na Europa desde 2013— deve valer no Brasil a partir de 2022 para veículos leves. Para veículos pesados, como ônibus e caminhões, a medida passa a vigorar em 2023, de acordo com o Proconve, o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores, elaborado pelo Conama.

Montadora em São Bernardo do Campo (SP)
Montadora em São Bernardo do Campo (SP); companhias recorrem ao MPF para adiar produção de veículos menos poluentes - Bruno Santos/Folhapress

“Nós sugerimos que através de um acordo, com posterior validação judicial, o Ibama ficaria autorizado a conceder o prazo adicional de 12 meses”, afirmou o presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), Luiz Carlos Moraes, em audiência com os procuradores da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão de Meio Ambiente do Ministério Público Federal, no início de fevereiro.

A Folha teve acesso à íntegra da reunião. Nela, o presidente da Anfavea argumenta que o impacto ambiental do adiamento da nova tecnologia será menor que o esperado, devido à queda nas vendas de veículos.

“Não vai ter impactos no meio ambiente, porque o mercado despencou. Só no ano passado deixamos de vender 1 milhão de veículos. A projeção era de 3,05 milhões e vendemos 2,05 milhões em 2020. Ou seja, o impacto ambiental é muito menor do que quando a norma foi pensada lá atrás e isso ajudaria a gente a justificar essa adequação do prazo”, afirmou Moraes na audiência.

A queda na venda dos veículos, entretanto, também embasa a crítica de especialistas que veem no pleito dos fabricantes uma tentativa de ganhar tempo para escoar a produção dos modelos de motores mais poluentes.

“A pandemia é uma desculpa. Eles querem dar uma sobrevida para modelos que já não podem vender na Europa, onde o novo padrão já está em vigor desde 2013. Mas todo o ecossistema de fabricação de equipamentos já tem prateleira; todo mundo se preparou”, afirma a presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB-SP, Glaucia Savin.

A Anfavea argumenta que, devido à pandemia, trabalhadores precisaram se ausentar das fábricas e dos laboratórios, atrasando o cronograma de implementação dos novos motores.

A associação também sustenta que, para além da importação, é preciso fazer testes e adaptações para a realidade brasileira, o que inclui os tipos de combustível e as condições de rodagem.

Para Vilmar Fistarol, presidente da CNH Industrial (grupo responsável por marcas de caminhões e ônibus, como a Iveco), a motivação do adiamento trata de prioridade de investimentos do setor.

“Não é que não dá tempo, mas o montante aplicado nesse negócio é um absurdo, algo como R$ 14 bilhões para lançamento do [padrão equivalente ao europeu] Euro 6. Esses investimentos poderiam ser aplicados em outras atividades e segurar a onda, provavelmente fazendo coisas diferentes em um período determinado”, afirmou Fistarol durante uma live do canal Automotive Business, disponível no Youtube.

Com o novo padrão, os motores devem emitir até metade do monóxido de carbono e 80% menos óxido nitroso que o padrão brasileiro atual, segundo estudo do Conselho Internacional em Transporte Limpo (ICCT, na sigla em inglês), que em 2015 calculou 1881 mortes no Brasil ligadas às emissões de óxido nitroso (emitido principalmente por motores a diesel).

O maior ganho ambiental e também de saúde pública está nas emissões evitadas pelos veículos pesados. Um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade concluiu que a implementação do novo padrão de motores nas frotas de caminhões e ônibus deve evitar 148.048 mortes e 145.295 internações entre 2023 e 2050, o que também levaria a uma economia de gastos com o sistema de saúde pública de R$539 milhões no período.

Na reunião com os procuradores, o presidente da Anfavea afirmou que a associação decidiu recorrer ao MPF após o entendimento de que o Conama não poderia rever os prazos da sua resolução.

Segundo fontes ligadas ao governo federal, a Anfavea teria mudado de estratégia para evitar insegurança jurídica, caso uma mudança de prazo no Conama fosse questionada pelo MPF e pela Justiça.

Ainda em setembro, o MPF havia enviado ao Ministério do Meio Ambiente uma recomendação para que o prazo do novo padrão de emissão veicular não fosse adiado.

Naquele mês, uma reunião do Conama que decidiu pela revogação de resoluções que protegiam mangues e restingas foi judicializada e, em apenas dois meses, acabou revogada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), onde também está em julgamento a possível inconstitucionalidade do decreto que reduziu e alterou o funcionamento do Conama.

No entanto, a assessoria da Anfavea afirmou à reportagem que o pleito no MPF não descarta as estratégias anteriores e que a associação mantém o diálogo com o Conama e o Ministério do Meio Ambiente.

Responsável pelo tema ambiental, a 4ª Câmara do MPF encaminhou o pleito da Anfavea para a Procuradoria da República em São Paulo.

À Folha, o MPF afirmou que o envio do caso se deve ao fato de a sede da Anfavea ficar em São Paulo, mas que as medidas serão avaliadas em conjunto com o Grupo de Trabalho de Qualidade do Ar da 4ª Câmara.

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