Descrição de chapéu Financial Times desmatamento

Moradores do Pará acusam mineradora norueguesa por má formação em bebês

Norsk hidro nega que tenha poluído rios da Amazônia com metais tóxicos

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Bryan Harris
São Paulo | Financial Times

Maria do Socorro explica em detalhes explícitos a onda de enfermidades surgidas em recém-nascidos em sua remota comunidade na Amazônia. O neto dela morreu depois de nascer com os intestinos do lado de fora do corpo, e outros bebês nasceram com órgãos faltando ou ossos subdesenvolvidos.

Para a líder comunitária, existe pouca dúvida sobre a causa dessas doenças. Ela disse que a cidade em que vive na floresta amazônica sofre há anos com a poluição por resíduos tóxicos gerada pela operação local da Norsk Hydro, produtora norueguesa de alumínio.

A questão é um escândalo ambiental que fervilha há muito tempo no Brasil, mas as acusações chegaram a um palco internacional este mês, quando a comunidade em que vive Socorro abriu processo contra a gigante norueguesa num tribunal da Holanda, buscando indenização, sob a acusação de que “a eliminação incorreta de resíduos tóxicos” das operações na área havia causado diversos problemas de saúde, poluído a floresta e destruído oportunidades econômicas.

“Não teremos gerações futuras, porque as crianças nascem e logo morrem. Famílias inteiras foram contaminadas”, disse Socorro, 56, do município de Barcarena, no estado do Pará, região norte do Brasil.

O caso –aberto apenas dias depois que o mais alto tribunal britânico decidiu que a Royal Dutch Shell está sujeita a processos judiciais abertos no Reino Unido por milhares de aldeões nigerianos, por supostos delitos de poluição– é o mais recente julgamento internacional que opõe grande empresas famintas de recursos naturais a comunidades rurais empobrecidas.

O processo também surge em meio a pressão crescente sobre as empresas para que respeitem padrões ambientais rigorosos, uma campanha que vem sendo liderada de maneira muito visível por investidores escandinavos.

“Se os negócios podem ser internacionais, por que a justiça não pode? Essas companhias têm negócios em toda parte, mas quando fazem algo de errado procuram sufocar a possibilidade de que as pessoas sejam indenizadas”, disse Pedro Martins, sócio do escritório de advocacia PGMBM, que representa 40 mil das supostas vítimas no processo contra a Norsk Hydro. “Corporações internacionais têm padrões diferentes para fazer negócios no hemisfério norte e no hemisfério sul, como se a vida no hemisfério sul não tivesse o mesmo valor”.

Por meio de entidades locais, a Norsk Hydro opera três instalações –uma mina de bauxita, uma refinaria e uma fundição– no Pará, um vasto estado amazônico que é um foco de desflorestamento, garimpo de ouro e grilagem de terras.

A companhia anunciou que responderia à petição apresentada ao tribunal holandês, onde suas subsidiárias que controlam as entidades locais que estão sendo acusadas têm sua sede. Ela negou que em 2018 poluentes de suas instalações tenham escapado de repositórios em períodos de chuva forte e poluído rios e terras vizinhos. A companhia se recusou a acrescentar outros comentários.

Uma fonte próxima à empresa disse, no entanto, que ela “não via os efeitos [sobre a saúde] que foram mencionados. O impacto concreto é difícil de constatar e não existem estudos que o demonstrem”.

Uma combinação de condições sanitárias precárias e clima tropical pode ser a causa de muitos dos problemas de saúde, a fonte acrescentou. “A questão gera muitos sentimentos mas nem tantas coisas vinculadas a fatos reais”.

Os moradores locais dizem que bauxita, chumbo e alumínio deixaram os rios da região vermelhos. Um estudo conduzido pelo Instituto Evandro Chagas, um órgão brasileiro de saúde pública, constatou em 2018 que as águas da região estavam tão poluídas com resíduos industriais das instalações da Norsk Hydro que elas “não podem ser usadas para recreação, pesca ou consumo humano”.

Como muitas comunidades amazônicas, o município de Barcarena depende pesadamente da pesca e da agricultura para sobreviver, trabalhos que seus moradores agora disseram terem se tornado impossíveis.

“Convido esses noruegueses a virem tomar um banho em nossas águas. Desafio que o façam. Na Noruega a água é boa. Nossa riqueza vai para lá”, disse Socorro, a líder do Cainquiama, um grupo que representa principalmente moradores indígenas e quilombolas –descendentes de escravos fugitivos.

Quase todos os lesados no processo se queixam de dores crônicas, perda de cabelo e problemas de pele. O processo também apresenta acusações relativas a defeitos congênitos, como os do neto de Socorro, que nasceu com gastróquise –um buraco na parede abdominal.

“Estudos em todo o mundo demonstraram os efeitos [de metais tóxicos] sobre mulheres grávidas, fetos e crianças no nascimento”, disse Marcelo de Oliveira, pesquisador de saúde pública do Instituto Chagas. “Mas nossos estudos até o momento não se aprofundaram a ponto de provar [a conexão]. Outros estudos continuam a ser realizados”.

O caso é delicado para os investidores noruegueses e o governo da Noruega, que é dono de 34% da Norsk Hydro. Oslo vem se esforçando há muito tempo por responsabilizar Brasília pela destruição ambiental da Amazônia, e publica dados próprios sobre o desflorestamento da maior floresta tropical do planeta.

“Parece haver disputa considerável sobre os fatos do caso, e especialmente sobre os danos reais do derrame de resíduos sobre o ambiente local e sobre a culpabilidade da companhia por negligenciar medidas de segurança importantes”, disse Jeanett Bergan, diretora de investimento responsável do fundo de pensão KLP, a maior instituição de pensões da Noruega.

“Sabemos que a Norsk Hydro é um agente corporativo responsável em seus negócios no exterior. Não creio que [o caso vá] prejudicar a credibilidade dos agentes noruegueses”, ela disse.

Martins, o advogado que comanda o processo coletivo, disse que o processo foi aberto na Holanda por causa da inércia do sistema judiciário brasileiro. Ele acredita que um veredicto possa surgir em 18 a 24 meses.

O Brasil tem um histórico de desastres ambientais. Este mês, a mineradora Vale chegou a um acordo em valor de US$ 7 bilhões (R$ 39 bilhões) com as autoridades pelo rompimento de uma barragem na cidade de Brumadinho, em 2019, que matou centenas de pessoas e poluiu vastas terras com resíduos industriais.

A BHP foi processada na Justiça britânica pelo rompimento de uma barragem no município de Mariana, em 2015, que causou 19 mortes. O caso foi encerrado porque um processo paralelo sobre o assunto já estava correndo no Brasil.

“O caso da Hydro atrai a tenção por ter causado dano ambiental significativo”, disse Luiz Eduardo Rielli, diretor da consultoria de sustentabilidade Novi. “Depois de três anos, o que mais me preocupa é o seguinte: que lições foram aprendidas? Como podemos garantir que novos danos não ocorram?”

Tradução de Paulo Migliacci

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