Descrição de chapéu Coronavírus

PIB caiu menos em países que reagiram rápido à pandemia

Nações com comunicação clara e frequente de chefes de Estado sobre riscos e prevenção se destacam

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São Paulo

Países que reagiram cedo à pandemia da Covid-19 têm apresentado um balanço menos negativo do que a média global entre mortes pelo vírus e desempenho econômico.

O PIB (Produto Interno Bruto) de 62 nações, cujos dados ou estimativas oficiais para 2020 foram divulgados recentemente, recuou 4,1%. A mortalidade acumulada pelo coronavírus nesse mesmo grupo é de 67,7 por 100 mil habitantes.

Mas, nesse conjunto, destacam-se 20 nações —como China, Nova Zelândia, Nigéria, Quênia, Noruega e Finlândia— que tiveram resultados melhores do que a mediana (ponto que separa a metade maior da menor de uma amostra) de ambos os indicadores.

Fábrica da Cultura em Sapopemba com as mediadas preventivas para voltar a funcionar - Rubens Cavallari - 27.jan.2021/Folhapress

O Brasil foi pior do que esse grupo nas duas frentes. A economia brasileira recuou 4,1% em 2020, em linha com a mediana dos 62 países analisados pela Folha, protegida por gastos do governo, que, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional), somaram 12% do PIB.

No grupo das 20 nações que parecem ter administrado melhor a crise, há casos de contrações próximas a 3%, como Rússia, Dinamarca e Finlândia, mas também expansões de até 3%, como em Taiwan e no Vietnã.

O Brasil também se distancia do grupo em termos da mortalidade acumulada pelo coronavírus, que está próxima de 130 por 100 mil habitantes, mais do que o dobro da mediana das 62 nações. Os dados são até 8 de março.

Entre as duas dezenas de países com melhor desempenho, a mortalidade mais alta é a de Israel, com 66 por 100 mil habitantes, e a menor —de apenas 0,04— ocorre, justamente, em Taiwan e Vietnã, os dois países que mais cresceram em 2020.

Como a pandemia não acabou e as nações têm características muito distintas, ainda é difícil traçar comparações internacionais. Países em que a população é, em média, mais jovem tendem a ter mortalidade menor, já que a Covid-19 é mais letal entre idosos. É possível também que a baixa testagem de doentes e até problemas de transparência puxem o número de mortes para baixo em alguns países.

Mas os dados e as evidências disponíveis, até agora, sugerem que cultura, religião, natureza do sistema político, tamanho da população e nível de riqueza não são um ponto em comum às nações que têm conseguido lidar melhor com a pandemia.

Os gastos fiscais de seus governos com a crise também variam bastante. Nações ricas, como Nova Zelândia e Austrália, desembolsaram, respectivamente, 19% e 12% do PIB em 2020 para conter os danos da Covid-19. Mas há países pobres, como Quênia e Nigéria, que gastaram menos de 1% do PIB.

A rapidez de resposta do governo central à crise sanitária, com a adoção de medidas muito bem planejadas, desponta como uma candidata a explicação para a contenção de vidas e de danos econômicos em algumas nações.

Outro ponto que as aproxima é a comunicação clara e frequente de seus chefes de Estado em relação aos riscos do coronavírus e às medidas de prevenção necessárias para contê-los.

Essas conclusões se baseiam em uma análise feita pela Folha na detalhada compilação de políticas em resposta à crise sanitária mantida pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), que é atualizada frequentemente.

“Muito cedo, o governo tomou diversas ações para conter a explosão da Covid-19 no país, declarando que a prevenção continua sendo a melhor estratégia”, diz o Fundo em relação a Moçambique.

Pobre e assolado por conflitos, o país africano teve contração econômica próxima a 1,3% em 2020 e registra 2,4 mortes por 100 mil habitantes desde o início da pandemia.

Enquanto presidentes como Jair Bolsonaro (sem partido), no Brasil, e Donald Trump, nos Estados Unidos, transmitiam a suas populações a mensagem de que a Covid-19 não passava de uma pequena gripe, o governo moçambicano criou um comitê técnico e científico para aconselhá-lo no início da pandemia. Além disso, o país fechou escolas e proibiu reuniões em nível nacional.

Segundo o FMI, a Rússia começou a tomar precauções em relação ao que se chamava na época de “misteriosa pneumonia de Wuhan”, no fim de dezembro de 2019, dois meses e meio antes de a crise ser considerada uma pandemia pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

Por adotar medidas severas de controle de fronteiras externas e internas, os governos de Dinamarca e Finlândia chegaram a ser, recentemente, repreendidos pela Comissão Europeia. Segundo a instituição, os dois países —além de Bélgica, Alemanha, Hungria e Suécia— têm mantido políticas que ferem o princípio de livre movimentação do bloco.

A ministra de assuntos europeus da Finlândia, Tytti Tuppurainen, defendeu a postura do país, alegando que a situação atual “não é nada normal”, acrescentando que ainda não está claro se as vacinas desenvolvidas oferecem proteção em relação às novas variantes do vírus.

Países com regimes pouco democráticos chegaram a ser alvo de críticas internacionais pela forma autoritária com que tentaram impor as medidas de prevenção.

O Quênia, por exemplo, adotou no início da pandemia uma quarentena forçada para quem fosse flagrado descumprindo regras, como o uso obrigatório de máscaras. Após intervenção de organizações de direitos humanos, a regra foi modificada, mas outras medidas, como toque de recolher, foram mantidas por muito tempo.

Entre as nações com balanços menos negativos do que a média no combate à pandemia, a Rússia e o Egito também adotaram horários máximos para que a população se recolhesse nos momentos mais drásticos logo no início da pandemia.

No Brasil, políticas como essa foram implementadas isoladamente por cidades e estados nas últimas semanas e, na maioria dos casos, estão sendo testadas apenas agora que a crise ganha
contorno de tragédia
.

Em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) anunciou a imposição de regras mais rígidas —como toque de recolher e proibição de ida às praias— em todo o estado, pela primeira vez, na quinta (11).

Distanciamento ajuda economia a se recuperar

Especialistas têm dito que a combinação entre a adoção tardia de medidas mais rigorosas e a falta de uma coordenação nacional —centrada no governo federal— de combate ao coronavírus ajuda a explicar as dificuldades atuais do Brasil.

Bolsonaro nunca sinalizou a intenção de desenhar uma ação unificada com as administrações locais e continua criticando o distanciamento social. Um de seus argumentos é que a medida pode destruir a economia.

Mas a experiência de outros países mostra que, embora cause um forte impacto negativo imediato, o isolamento abre espaço para uma recuperação econômica posterior ao permitir o controle do contágio.

Com a queda da incerteza causada pela pandemia, consumo e investimento tendem a ser retomados.

A lista do FMI mostra que muitos dos governos mais bem-sucedidos na luta contra a Covid-19 anunciaram, logo no início da pandemia, um plano detalhado e claro de ação, com fases preestabelecidas para cada etapa de medidas. Essas estratégias foram, posteriormente, ajustadas em meio aos repiques de contágio.

“Segundo uma declaração, em 30 de abril de 2020, o governo começou a desenhar planos para ‘coexistir’ com a Covid-19 a longo prazo”, ressalta o Fundo em relação ao Egito.

A descrição da instituição em relação às medidas adotadas no Brasil é muito mais sucinta. As palavras “governo”, “rapidez” e “plano” não são citadas na seção do país dedicada a resumir as ações não econômicas para contenção do contágio, ao contrário do que ocorre em relação a muitos outros países.

Na Turquia, segundo o FMI, o governo anunciou, no início de maio de 2020, um plano em fases para suspender, aos poucos, as restrições de lockdown. O país foi um dos poucos da Europa a registrar crescimento econômico em 2020, com mortes pela Covid-19 acumuladas em 35 por 100 mil habitantes.

“Depois de um lockdown completo, adotado em 30 de março de 2020, a economia da Nigéria reabriu, gradualmente, em três fases, com reduções incrementais das restrições sobre viagens e encontros”, destaca o Fundo ao citar a política do país africano.

Recentemente, o diretor-executivo da OMS, Michael Ryan, citou a Nigéria como contraponto ao Brasil. Segundo ele, o país africano é um exemplo de nação pobre e populosa que “conseguiu o equilíbrio entre os custos econômicos e de saúde”, ao contrário do Brasil, cuja situação, segundo Ryan, é “trágica”.

China, Coreia do Sul, Austrália e Nova Zelândia —países que se tornaram referência pela rapidez e eficácia com que reagiram à pandemia— também adotaram estratégias de combate planejadas pelo governo central.

Uma das linhas de atuação das duas nações asiáticas foi a testagem massiva de suas populações, combinada com o rastreamento de contatos dos contaminados.

Já Austrália e Nova Zelândia focaram restrições rígidas de locomoção. A imagem de Jacinda Ardern, primeira-ministra neozelandesa, fazendo diversos pronunciamentos à população sobre a necessidade de medidas duras se tornou um dos símbolos mundiais do combate à pandemia.

A comunicação direta também foi usada na Noruega. Há um ano, o governo promoveu a primeira —de uma série que se estendeu por meses— conferência de imprensa televisionada para toda a população.

Com a presença frequente do primeiro-ministro, essas ocasiões eram usadas para falar sobre a evolução do contágio e reforçar a importância das medidas de prevenção.

Países pobres, como o Vietnã, também adotaram a estratégia da comunicação frequente e massiva. Segundo reportagens da imprensa internacional, alto-falantes espalhados pelas cidades —resquícios do passado de guerras no país— têm sido usados para reforçar regras para conter o contágio. Outdoors ressaltam a importância das máscaras.

Os bons resultados do Vietnã no combate à pandemia têm sido estudados por outros países. O Conselho Britânico chegou a publicar um compilado das medidas adotadas na nação e concluiu que “a combinação de clareza e consistência nas mensagens e os esforços que foram feitos para manter contato com a população em geral” foram cruciais.

Assim como outros países asiáticos, o Vietnã investiu em tecnologia, como um aplicativo para celular —já instalado por 30% da população— que permite o monitoramento de contatos dos contagiados.

Na Ásia, a Indonésia foi criticada por sua reação tardia ao coronavírus. Embora tenha resultados piores do que outros países da região, a quarta nação mais populosa do mundo contabiliza melhor desempenho em termos de mortalidade e atividade econômica do que a média mundial.

Em fevereiro de 2020, o então ministro da Saúde indonésio chegou a declarar que a baixa contaminação no país era obra de Deus. “É por causa de nossas orações”, disse Terawan Putranto, que acabou substituído no fim do ano.

Mas após adotar estratégia mais dura de combate ao vírus, o presidente da Indonésia, Joko Widodo, foi um dos primeiros chefes de Estado a se vacinar em público, em janeiro, a fim de transmitir à população a mensagem da importância da imunização.

Essa postura também marca uma diferença significativa da ação de países mais bem-sucedidos em relação ao Brasil, que demorou a agir para adquirir vacinas, enquanto apostava em tratamentos de eficácia não comprovada.

Bolsonaro levantou dúvidas, publicamente, sobre a eficiência das vacinas e só mudou o discurso recentemente.

No Cazaquistão, por exemplo, ocorreu o contrário: segundo o FMI, o presidente tem feito pronunciamentos públicos para desmentir desinformação sobre as vacinas.

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