Veja depoimentos de 6 economistas mulheres sobre a profissão

Profissionais de diferentes ramos falam sobre suas trajetórias e a desigualdade de gênero no campo

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São Paulo

A ciência econômica é um campo majoritariamente masculino. Da academia às instituições financeiras, mulheres ainda são minoria. No entanto, esse cenário vem mudando, com mulheres ocupando postos de destaque na área, de cargos de prestígio em universidades à diretoria da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A Folha convidou seis economistas para falarem sobre suas experiências na carreira —que problemas enfrentaram e ainda enfrentam—, e como avaliam as mudanças ocorridas na área.

Acima, da esq. para a dir.: Vilma Pinto, Monica de Bolle, Ana Paula Vescovi; abaixo, da esq. para a dir: Natalie Victal, Leda Paulani e Ana Carla Abrão
Acima, da esq. para a dir.: Vilma Pinto, Monica de Bolle, Ana Paula Vescovi; abaixo, da esq. para a dir: Natalie Victal, Leda Paulani e Ana Carla Abrão - Valor/Agência O Globo e Folhapress

Veja abaixo os depoimentos.

Ana Carla Abrão, presidente-executiva da Consultoria Oliver Wyman no Brasil

A economista Ana Carla Abrão - Karime Xavier/Folhapress

Entrei na reunião animada. Tinha me juntado à Oliver Wyman e meu primeiro projeto envolvia uma conversa com dois executivos de um fundo de investimentos estrangeiro interessados numa empresa financeira no Brasil.

Mestrado, doutorado e duas décadas de atuação profissional dedicados ao tema me credenciavam como poucos para esse projeto. Entrei na sala lado a lado com meu sócio, vestindo uma saia longa e florida e um colar comprido que fazia barulho quando eu me movimentava. Mas como há muito meu guarda roupa de trabalho não mais se compunha de vestidos retos –invariavelmente pretos ou cinzas e sobriamente enfeitados por um lenço de seda no pescoço, nem me preocupei.

Um dos participantes tinha um sobrenome que denunciava uma ascendência importante e parecia um lorde inglês. Ele estendeu a mão para o meu sócio e eu cumprimentei o outro participante. Na sequência, quando me virei para alternar o cumprimento, o lorde já havia se sentado e começava a reunião com uma pergunta dirigida ao meu sócio. Percebi minha mão perdida no ar.

Sentei-me então à frente dele para me inserir na conversa. Apesar dos meus esforços e das tentativas constrangidas do meu sócio de sinalizar que a chefe –e especialista— ali era eu e não ele, nem sequer um olhar rasteiro eu ganhei.

Comentários ignorados, passei a fazer perguntas. Quem ganhou todas respostas não fui eu, mas sim meu sócio. Ao final da reunião, o dono da empresa alvo do investimento entrou na sala e me cumprimentou, desfiando um rosário de elogios e detalhes do meu currículo.

Recebi um olhar e, já de pé me despedindo, ganhei uma mão estendida e um cumprimento envergonhado—e deveras tardio. Saí triste, sentindo no peito a dor pelo tratamento machista. Não era a primeira vez. Também não seria a última.

Respirei fundo acreditando na importância –para mim e para outras tantas mulheres– de seguir adiante e de contar essa história. Não é uma história bonita, mas torná-la pública, assim como a várias outras iguais, é um dos caminhos para construirmos uma sociedade melhor, mais equilibrada e muito mais justa.

Natalie Victal, economista na Garde Asset

A economista Natalie Victal - Adriano Vizoni/Folhapress

Carência de exemplos e representatividade. Esse é um dos principais problemas que uma jovem aspirante a economistA enfrenta. Na graduação somos cerca de um terço dos estudantes, e esse número reduz-se à medida que avançamos no grau de escolaridade.

Essa carência gera uma dinâmica que se retroalimenta. Meninas e adolescentes têm dificuldade de sonhar com posições que não se veem representadas. Para aquelas que superam essa barreira, é comum depararem-se com o degrau adicional que é estudar em um ambiente não amigável. Por fim, até a escolha da especialidade é também influenciada pela supracitada dinâmica.

Ao longo da minha carreira tive a sorte de ter convivido com mulheres incríveis que me ajudaram em vários momentos. Professoras, colegas de graduação e mestrado foram fundamentais para a minha formação como economista. Colegas de trabalho foram e são igualmente importantes para meu desenvolvimento como profissional.

Nesse sentido, alegra-me testemunhar uma série de iniciativas para "mostrar que Economia também é lugar de mulher". O Podcast das EconomistAs é um exemplo. Pesquisadoras conversam com colegas de profissão sobre os diferentes campos de pesquisa que compõem a Economia, e sobre os desafios que cada uma delas enfrentou ao longo da carreira. Redes criadas por grupos em redes sociais também se acumulam, e dão origem a ações diversas como jantares e prêmios em homenagem a mulheres vistas por suas pares como exemplos.

Muito pode ser feito, mas também é necessário reconhecer que vemos avanços. A Natalie adolescente não conhecia uma Janet Yellen ou uma Ester Duflo para se espelhar. No Brasil profissionais notáveis ganham espaço no debate econômico. Em particular, de forma inédita vemos duas diretoras no Banco Central do Brasil.

Aumento da diversidade na economia e em outras profissões deveria ser nosso mantra diário. Diversidade de pensamento evidencia problemas que provavelmente não seriam discutidos, enriquece o debate, e contribui parra a proposição de soluções criativas e inovadoras.

Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander Brasil

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A economista Ana Paula Vescovi - Futura Press/Folhapress

Vejo com otimismo os passos para a construção de mais igualdade de gênero na atualidade, o que é motivo de comemoração neste dia internacional das mulheres.

Está cada vez mais consistente o entendimento de que a maior participação de mulheres é componente fundamental para a sustentabilidade das organizações e para a construção de um ambiente empresarial mais promissor. Isso tem a ver com um processo mais consistente de tomada de decisões, a partir de visões mais abrangentes e complementares dos problemas.

Isso representa um campo aberto de oportunidades para endereçar a busca de mais igualdade e justiça social. Não apenas para mulheres, mas também para tantas outras minorias.

Olhando para trás teríamos todas as razões para desanimar. O gênero feminino acumula tragédias sociais que vão do assédio à agressão e assassinatos, da falta de oportunidades ao abandono e à fome. Sempre estiveram na berlinda da vitimização tanto nas crises econômicas quanto na criminalidade violenta. Também na pandemia assim ocorreu. Há muito ainda o que lutar, mas é preciso olhar para frente.

As líderes políticas foram as que mais se destacaram ao conduzir seus países com firmeza e compaixão para o enfrentamento da Pandemia. Nova Zelândia, Alemanha, Taiwan, Noruega. Importantes instituições econômicas, como FMI, Banco Central Europeu, Tesouro dos Estados Unidos, são conduzidas por mulheres com reconhecido mérito e competência. Temos mulheres ocupando a principal cadeira em alguns dos maiores bancos privados do mundo, como o Santander e o Citigroup.

Essas mulheres estão não apenas ascendendo, mas também fazendo com brilhantismo seus trabalhos, atraindo a atenção e inspirando uma geração de jovens trabalhadoras e empreendedoras ao redor do mundo. É crescente a participação de mulheres em cargos públicos e de direção e de aconselhamento empresariais.

Mediante esforços e mérito temos a chance de conquistar vez mais espaços e, também, uma sociedade mais tolerante e melhor.

Leda Paulani, professora titular da Faculdade de Economia da USP

A economista Leda Paulani - Ana Paula Paiva/Valor/Folhapress

Quando entrei na FEA-USP, algumas décadas atrás, não tinha ideia de quão masculina era a profissão de economista. Acabei construindo minha carreira no mundo acadêmico e, nesse meio, praticamente não senti discriminação. Mas, antes disso, logo depois de formada, fui trabalhar numa grande instituição financeira. Foi nesse ambiente que se mostrou com clareza o forte preconceito quanto às mulheres que ousam adentrar esse campo.

Eu coordenava uma área de apoio, que elaborava estudos setoriais e macroeconômicos. Nas reuniões gerais de diretoria, às quais ia com meu chefe direto, havia cerca de 10 a 12 pessoas, mulher apenas eu. O diretor geral da área chamava a todos os presentes de “doutor” (Dr. Marcelo, Dr. Pedro...). Quanto a mim, ele dificilmente se dirigia diretamente à minha pessoa. Falava com meu chefe e dizia: “precisa falar pra mocinha aí fazer tal coisa...”.

Num determinado momento, depois de não receber uma promoção que deveria ser minha, ouvi de meu chefe o seguinte: “você já chegou ao máximo para uma mulher dentro do banco”.

Muitos anos mais tarde, secretária de planejamento, orçamento e gestão da prefeitura de São Paulo, senti algo semelhante. Nas audiências na Câmara, fosse qual fosse o vereador que presidia a seção, eu era chamada de “Sra. Leda”, enquanto para os secretários que me acompanhavam (de finanças, de governo etc.) se antepunha o título: “doutor”.

Há quatro ou cinco séculos, queimavam bruxas. A perigosa e valorizada intuição feminina, vista por sociedades antigas como capaz de ter controle sobre os recursos vitais, tinha que ser domada e colocada a serviço do novo tempo que surgia, o tempo de um novo mundo, um mundo “racional”.

Como a reprodução da sociedade não depende só do mercado, a mulher foi confinada ao ambiente doméstico, encarregada dos filhos e da manutenção do lar. Apartadas da esfera pública, as mulheres passaram a ser a garantia de repouso aos guerreiros homens, cotidianamente metidos nas batalhas do mercado.

Não deve, pois, causar espanto, que seja tão masculina a ciência que nasceu para estudar esse novo mundo.

Vilma Pinto, pesquisadora licenciada do FGV-Ibre e assessora da Secretaria da Fazenda do Paraná

A economista Vilma da Conceição Pinto - Eduardo Anizelli/Folhapress

Meu pai (Jorge Henrique, in memoriam) era pescador, minha mãe (Maria Carmélia) gari. Eu tenho cinco irmãos. As três mais velhas são todas mulheres –Adriana, Andreia e Joelma–, depois vem meu irmão Joelson, eu e o Vitor.

De todos eles, o único que iniciou uma faculdade de administração foi meu irmão Joelson, mas interrompeu no primeiro ano. Não tive referência familiar e nem de amigos para ser economista. Mas então, de onde surgiu a ideia de estudar economia?

Desde pequena sempre tive muita curiosidade em entender algumas questões sociais, além de gostar bastante de números. Ao assistir TV, passei a observar as análises dos economistas sobre a conjuntura econômica e isso me fascinou. Foi aí que comecei a pesquisar e a me interessar pela profissão.

Uma coisa que me chamou muito a atenção durante a minha trajetória profissional, desde a graduação até o mestrado e minha atuação profissional, foi a baixa representatividade das mulheres na profissão.

Felizmente, sinto que isto vem mudando aos poucos. Durante os meus poucos anos de atuação profissional, tive a sorte de trabalhar com mulheres economistas incríveis, além de conhecer muitas outras. Extremamente capazes e apaixonadas pelo trabalho que exercem e nas contribuições para todo o estudo econômico nas suas mais diversas áreas.

Pude participar de um evento em que o debate e a moderação foi 100% realizado por mulheres economistas, o que me trouxe muita alegria.

Penso que apesar de eu ter tido esta percepção de melhora, ainda estamos distantes do ideal. Ainda nos surpreendemos quando vemos mulheres assumindo posições de destaques pela primeira vez –como exemplo a economista Okonjo-Iweala, primeira mulher a comandar a Organização Mundial do Comércio–, e é possível que ainda vejamos muito a frase “A primeira mulher a ocupar...” estampada nos jornais.

Monica de Bolle, professora da Universidade Johns Hopkins (EUA)

A economista Monica de Bolle - Bel Pedrosa/Valor

Minha experiência de mais de 20 anos como uma economista que teve um pé na academia e outro no mundo da formulação e análise de políticas econômicas é de falta de representatividade de vozes femininas e de um não-entendimento –sobretudo no Brasil– da importância dessas vozes.

Os paineis de debate costumam ser dominados por homens. As mulheres, quando chamadas a participar, correm o risco de serem criticadas com violência ou tratadas com condescendência quando são assertivas. O ambiente está mudando no mundo. Está mais do que na hora dessas práticas mudarem também no Brasil.

Que a economia tende a ser uma área hostil às mulheres é fato amplamente documentado na literatura acadêmica. Como discuti em meu livro “Ruptura”, um dos fatores que contribui para isso é que o ensino tradicional de economia restabelece a primazia de uma racionalidade estritamente relacionada a aspectos quantitativos.

Não estou sugerindo que eles não são importantes, mas me refiro ao problema de tratá-los como superiores aos juízos de valor, que remontam, ao mesmo tempo, à dimensão dos sentimentos e do entendimento. Juízos de valor pressupõem perguntar: É justo? É correto? É aceitável?

Esses questionamentos muitas vezes dizem respeito à inclusão de grupos ou setores marginalizados ou a questões que têm uma dimensão distributiva mas também requerem atenção à diversidade e não podem ser reduzidos a números.

Não raro são vocalizados no campo por mulheres, que trazem para o centro de um debate questões que não podem ser tratadas apenas como matéria de custo-benefício e acabam enfrentando uma hostilidade que não incide diretamente sobre o gênero, e sim sobre a apresentação do argumento.

É comum que nesses ambientes suas falas sejam percebidas como sentimentais, fora do que é aceito na profissão com racional e rigoroso. Essa dimensão perdida da economia a torna, no entanto, mais pobre e mais distante de suas origens, que repousam na filosofia moral.

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