Descrição de chapéu The New York Times

Bernie Madoff, condenado pelo maior esquema de pirâmide da história, morre na prisão aos 82

Ele cumpria pena de 150 anos de prisão; morte teria ocorrido por causas naturais

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Diana B. Henriques
Nova York | The New York Times

Bernard L. Madoff, o ex-magnata de Wall Street que em 2008 se tornou a face humana de uma era de desvios e erros financeiros por dirigir a maior e possivelmente mais devastadora pirâmide financeira da história, morreu na quarta-feira (14) no Centro Médico Federal em Butner, Carolina do Norte, aos 82 anos.

O Departamento Federal de Prisões confirmou a morte. Madoff, que cumpria pena de 150 anos de prisão, havia pedido sua libertação em fevereiro de 2020, dizendo em um documento enviado ao tribunal que tinha menos de 18 meses de vida depois de entrar nas etapas finais de uma doença renal e que tinha sido admitido em tratamento paliativo.

Em entrevistas por telefone a The Washington Post na época, Madoff manifestou arrependimento por seus malfeitos, dizendo que tinha "cometido um terrível engano".

"Estou doente em fase terminal", disse ele. "Não há cura para meu tipo de doença. Então, vocês sabem, já cumpri 11 anos e, francamente, sofri o tempo todo."

Bernie Madoff deixando um tribunal de Manhattan, Nova York - Stan Honda - 10.mar.09/AFP

A enorme fraude de Madoff começou entre amigos, parentes e conhecidos de clube em Manhattan e Long Island —população que compartilhava seu interesse declarado por filantropia judaica—, mas afinal passou a incluir grandes instituições de caridade como a Hadassah, universidades como Brandeis e Yeshiva, investidores institucionais e famílias ricas da Europa, América Latina e Ásia.

Reforçado por elaborados extratos bancários e um amplo estoque de confiança de seus investidores e dos reguladores, Madoff conduziu seu esquema fraudulento em segurança durante uma grave recessão no início dos anos 1990, uma crise financeira global em 1998 e o período de nervosismo depois dos ataques terroristas em setembro de 2001. Mas a fusão financeira que começou no mercado de hipotecas em meados de 2007 e atingiu o clímax com a falência do Lehman Brothers em setembro de 2008 foi sua ruína.

Os fundos hedge e outros investidores institucionais, pressionados pelas demandas de seus próprios clientes, começaram a retirar centenas de milhões de dólares de suas contas com Madoff. Em dezembro de 2008, mais de US$ 12 bilhões tinham sido retirados e pouco dinheiro fresco chegava para cobrir os saques.

Diante da ruína, Madoff confessou a seus dois filhos que sua operação de gestão financeira supostamente rentável era na verdade "uma grande mentira". Eles relataram a confissão à polícia e no dia seguinte, 11 de dezembro de 2008, ele foi preso em sua cobertura em Manhattan.

As vítimas da fraude, algumas das quais passaram da riqueza confortável ao desespero frenético da noite para o dia, somavam milhares e se espalhavam de Palm Beach, na Flórida, ao golfo Pérsico. As perdas em papéis totalizaram US$ 64,8 bilhões, incluindo os lucros fictícios que ele havia creditado em contas de clientes nas últimas duas décadas.

Mais que dinheiro se perdeu. Pelo menos duas pessoas, desesperadas com os prejuízos, cometeram suicídio. Um importante investidor de Madoff sofreu um infarto fatal depois de meses de litígio sobre seu papel no esquema. Alguns investidores perderam suas casas, outros a confiança e a amizade de parentes e amigos que tinham inadvertidamente atraído para o mau caminho.

Madoff não foi poupado nesses trágicos desfechos. Seu filho mais velho, Mark, cometeu suicídio em seu apartamento em Manhattan na madrugada de 11 de dezembro de 2010, o segundo aniversário da prisão do pai. Ele foi caracterizado por seu advogado, Martin Flumenbaum, como "uma vítima inocente do crime monstruoso de seu pai que sucumbiu a dois anos de pressão incessante de falsas acusações e insinuações". Uma das últimas mensagens de Mark Madoff antes de morrer foi para Flumenbaum: "Ninguém quer acreditar na verdade. Por favor, cuide da minha família".

Em junho de 2012, o irmão de Bernard Madoff, Peter, advogado por formação, se confessou culpado em acusações de fraudes em títulos e impostos federais relacionadas a seu papel como diretor de compliance da firma de seu irmão mais velho, mas ele não foi acusado de participar conscientemente da pirâmide financeira. Em dezembro de 2012, Peter entregou todos os seus bens ao governo para indenizar as vítimas de seu irmão e foi condenado a dez anos de prisão. E em 3 de setembro de 2014 o filho mais moço de Madoff, Andrew, morreu de câncer aos 48 anos. Ele havia culpado o estresse com o escândalo pelo retorno do câncer que havia superado em 2003.

Além do preço humano, reputações profissionais foram destruídas. Mais de uma dúzia de importantes fundos hedge e administradores de capitais, incluindo J. Ezra Merkin e o Fairfield Greenwich Group, tiveram de admitir que haviam enviado dinheiro de seus clientes para Madoff e perderam tudo.

E para a Comissão de Valores Mobiliários (SEC na sigla em inglês), que investigou sem êxito mais de meia dúzia de pistas verossímeis sobre o esquema de Madoff desde pelo menos 1992, foi o mais humilhante fracasso em sua história de 75 anos.

Bernard Lawrence Madoff nasceu no Brooklyn em 29 de abril de 1938, filho de Ralph e Sylvia (Muntner) Madoff, ambos filhos de trabalhadores imigrantes do leste europeu.

Ele cresceu em Laurelton, na margem sul de Queens (Nova York), perto de onde fica hoje o Aeroporto Kennedy. Foi em Laurelton que ele conheceu e se casou em 1959 com Ruth Alpern, cujo pai tinha um pequeno mas próspero escritório de contabilidade em Manhattan.

Antes de se formar na Universidade Hofstra, em 1960, ele já tinha registrado sua firma de corretagem na SEC, a Bernard L. Madoff Investment Securities, que fundou em parte com dinheiro poupado do trabalho como guarda-vida no verão e um negócio de irrigação de jardins que teve durante a escola.

Depois de um ano sem inspiração na faculdade de direito, ele se dedicou em tempo integral à corretagem de ações —um mercado enorme numa era em que só as empresas mais evoluídas dos Estados Unidos podiam ser listadas na Bolsa de Nova York e na menor American Stock Exchange.

Sua empresa prosperou nos anos de crescimento na década de 1960 e suportou os golpes dos 1970 atendendo ao mundo em expansão dos investidores institucionais, que rapidamente substituíam investidores no varejo como atores dominantes em Wall Street.

Depois que seu irmão Peter entrou para a firma de Madoff, em 1970, ela começou a ganhar reputação por utilizar tecnologia de computação de ponta no negócio tradicional da corretagem de ações. Ela foi uma das primeiras participantes no mercado eletrônico nascente que afinal se tornou a moderna Nasdaq, e se envolveu como investidora em várias outras plataformas de corretagem computadorizada.

A liderança de Madoff no mercado e sua firme disposição a desafiar as tradições de Wall Street fizeram dele um assessor de confiança quando reguladores federais tentaram modernizar o mercado americano sem ameaçar sua estatura internacional. Aos 70, ele tinha se tornado um porta-voz influente dos corretores que eram as engrenagens ocultas do mercado.

Mas mais tarde ficou claro que tinha começado a se envolver em práticas questionáveis pouco depois de chegar a Wall Street.

No início dos anos 1960, Madoff tinha começado a aceitar dinheiro captado para ele por seu sogro, Saul Alpern, e dois jovens contadores que trabalhavam na firma de Alpern. A certa altura, os dois contadores começaram a sustentar esse fluxo de dinheiro em direção a Madoff através da emissão de notas que eles deixavam de registrar na SEC, como exigido por lei. A comissão fechou essa empresa de gestão de dinheiro escondido em 1992, depois que Madoff recebeu quase US$ 500 milhões dos clientes dos contadores, que acreditavam que ele o investiria em seu nome.

Órgãos reguladores apresentaram acusações civis contra os dois contadores, forçando-os a fechar sua operação de venda de notas, mas não seguiram o dinheiro atrás da porta de Madoff. E a pedido da SEC todo o dinheiro foi devolvido aos clientes —com valores que Madoff tirou da conta de um de seus maiores investidores, segundo depoimento na justiça em casos relacionados à fraude. Mas os reguladores mais tarde descobriram que a maior parte do dinheiro foi quase imediatamente devolvido a Madoff por clientes que estavam acostumados a um ritmo constante e confiável de retorno em suas contas supostamente conservadoras com Madoff.

Então, fundos hedge, planos de aposentadoria e fundos universitários estavam confiando centenas de milhões de dólares a Madoff —apesar de ser uma operação comercial envolta em sigilo, extratos de contas que eram suspeitosamente antiquados e auditorias independentes que eram assinadas por uma firma de um homem só em um escritório suburbano ao nível da rua.

Estudiosos de finanças mais tarde teorizaram que a pirâmide de Madoff durou tanto porque apelava mais ao medo que à cobiça de seus clientes: ele lhes prometia consistência em um mercado cada vez mais volátil, e não retornos incríveis. E ele sempre entregava, nunca deixando de honrar um pedido de retirada, e sempre entregando os lucros que havia previsto.

Um homem discreto, Madoff se tornou ainda mais impassível quando ele e sua família foram apanhados na tempestade de mídia que se seguiu à sua prisão. Um tabloide o chamou de o homem mais odiado da cidade. Em pelo menos uma ida ao tribunal antes de se confessar culpado, um consultor de segurança insistiu que ele usasse um colete à prova de balas.

Antes de ser condenado, em 29 de junho de 2009, em um tribunal lotado com espectadores e vítimas, ele leu uma declaração que havia preparado com seu advogado, Ira Lee Sorkin.

"Sou responsável por um grande sofrimento e dor, entendo isso", disse ele ao tribunal. "Vivo em um estado atormentado hoje, sabendo de toda a dor e sofrimento que criei. Deixei um legado de vergonha, como apontaram algumas de minhas vítimas, para minha família e meus netos."

Madoff deixa sua mulher, Ruth, seu irmão, Peter, sua irmã, Sondra Wiener, e vários netos.

Madoff não deixa nada de sua antiga riqueza. Como parte de seu caso criminal, o governo confiscou mais de US$ 170 bilhões em ativos, número que aparentemente inclui todo o dinheiro que passou pelas contas bancárias de Madoff —por qualquer motivo— durante os anos da fraude.

Os advogados de Madoff e o fiduciário indicado pelo tribunal para a liquidação de sua firma disseram que o valor confiscado incluía dinheiro que corria pelas operações legítimas da firma e os bilhões pagos a investidores como parte da pirâmide. Os verdadeiros prejuízos em dinheiro de sua fraude, sem contar os lucros fictícios, foram estimados recentemente entre US$ 17 bilhões e US$ 20 bilhões —uma das maiores fraudes financeiras já registradas, e certamente o maior esquema de pirâmide.

Durante o processo de falência, algumas vítimas puderam recuperar todo ou parte do dinheiro que investiram com Madoff; os bilhões em papéis mostrados em extratos de suas contas fantasmas no dia de sua prisão se perderam para sempre. Em 14 de julho de 2009, Madoff começou a cumprir sua sentença de 150 anos em um presídio de segurança média no Complexo Correcional Federal de Butner, a cerca de 45 km a noroeste de Raleigh, na Carolina do Norte.

As vítimas que assistiram à sua condenação em Nova York insistiram que ele deveria pagar pela devastação que infligiu aos que confiaram nele passando o resto da vida atrás das grades —o que ele fez.

Traduzido originalmente do inglês Luiz Roberto M. Gonçalves

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