Bolsonaro ignora Covid em plano orçamentário de 2022

Falta de detalhamento é contestada no Congresso enquanto TCU já analisa omissões de 2021

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Brasília

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) entregou ao Congresso as diretrizes, metas e prioridades para o Orçamento de 2022 sem apresentar um plano ligado à Covid-19 e efeitos no próximo ano ou cálculos sobre o impacto da pandemia nas contas públicas.

Esse é a terceira vez seguida desde a chegada da Covid ao país que o governo formula uma peça orçamentária sem previsões de efeitos sobre os números.

Esse tipo de omissão foi notado recentemente por técnicos do Congresso e questionado pelo TCU (Tribunal de Contas da União).

Ministro da Economia, Paulo Guedes enviou ao Congresso uma proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias sem detalhar impacto da Covid em 2022
Ministro da Economia, Paulo Guedes enviou ao Congresso uma proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias sem detalhar impacto da Covid em 2022 - Pedro Ladeira - 29.mar.21/Folhapress

A proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que guia a formulação do Orçamento do ano seguinte, foi apresentada dessa forma pelo governo enquanto especialistas alertam para o risco de a doença e seus efeitos continuarem no ano que vem.

Margareth Dalcolmo, pneumologista e pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), afirma que a crise sanitária vai continuar em 2022. "Não há dúvida de que a epidemia não terá se extinguido em 2022", afirmou à Folha.

"A se manter esse ritmo de vacinação tão lento e um patamar de transmissão ainda muito alto, sobretudo contaminando camadas da população mais jovem e falta de medidas restritivas, não tenho ilusão de que teremos a epidemia controlada em 2022", disse.

O alerta é feito também pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Michael Ryan, diretor-executivo da entidade, afirmou em março que é "prematuro e irrealista" falar em fim da pandemia em 2021.

O governo citou a Covid na proposta de LDO apenas para relembrar efeitos e medidas dos anos anteriores e para mencionar certos riscos, como a possível deterioração fiscal dos estados e a diminuição do colchão da dívida pública —embora sem quantificar os possíveis impactos.

"O PLDO [projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias] 2022 não aborda, de forma separada, os riscos que podem afetar receitas, despesas e dívida pública em função dos efeitos da Covid-19", afirmaram servidores das comissões de Orçamento de Câmara e Senado, em relatório conjunto.

"Apesar da expectativa do Poder Executivo de um crescimento do PIB em 3,2% neste ano e sua projeção de 2,5% para 2022, a pandemia continua se alastrando em 2021, aumentando as incertezas sobre o cenário das finanças públicas em 2022", afirmou o documento.

As omissões do governo em relação à Covid no rito orçamentário viraram alvo de análise também de Benjamin Zymler, ministro do TCU.

Zymler apresentou relatório neste mês apontando a ausência de recursos para a Covid no Orçamento de 2021 —recém-sancionado por Bolsonaro— mesmo após constatado o agravamento da pandemia neste ano. Isso demandou discussões para criar brechas e liberar despesas fora das regras fiscais.

Zymler vê a situação como resultado da falta de planejamento do governo para enfrentar a crise. "Possivelmente, como bem salientou a unidade técnica, a razão [para a falta de previsões orçamentárias] é que o Ministério da Saúde vem atuando de forma reativa e não planejada", afirmou Zymler em relatório.

"A SecexSaúde [unidade do TCU] está acompanhando as ações do Ministério da Saúde desde o mês de março de 2020 e nunca conseguiu acesso a planos ou documentos afins que identifiquem e formalizem claramente a estratégia de enfrentamento à crise e sua operacionalização pelo Ministério da Saúde", continou o ministro.

Zymler demandou do governo um planejamento orçamentário para a Covid em 2021 considerando testes, leitos de UTI, medicamentos e outras despesas relacionadas. O julgamento foi suspenso após um pedido de vistas no tribunal.

Sem serem contempladas no Orçamento, medidas na área econômica foram interrompidas na virada do ano. O principal exemplo é o auxílio emergencial, que ficou sem respaldo legal e deixou de ser pago até o começo de abril.

O ministro Paulo Guedes (Economia) chegou a discutir no ano passado a revisão de outros gastos sociais para criar no Orçamento um programa social que substituiria o auxílio emergencial e seria mais robusto que o Bolsa Família —o Renda Brasil. Mas Bolsonaro barrou a iniciativa.

O país ficou sem novo programa e sem o auxílio enquanto a Covid avançava pelo país. As mortes diárias pela doença subiram de 793 por dia na primeira semana do ano para 2.752 por dia na primeira semana de abril.

Os pagamentos à população só recomeçaram após governo e Congresso incluírem na PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial a suspensão das regras fiscais para R$ 44 bilhões do programa.

A proposta de LDO do governo também não incluiu a pandemia no grupo de despesas que poderão ser executadas mesmo com um eventual atraso no Orçamento em 2022, elevando os riscos de entrave de recursos para a crise sanitária no início do ano.

O tratamento especial, por outro lado, foi dado a obras em rodovias —que, pela proposta, poderão ser executadas livremente em 2022 mesmo sem os números aprovados e sancionados.

Procurado, o Ministério da Economia argumenta que, nesse trecho, a proposta preservou a blindagem para o mínimo constitucional da saúde, como em anos anteriores. Mas tais recursos não têm sido suficientes para enfrentar a Covid.

A pasta afirmou em nota que, em caso de necessidade, o governo pode adotar os mecanismos previstos na PEC Emergencial —texto que prevê o estado de calamidade pública, que Guedes não quis acionar neste ano por considerá-la um cheque em branco para despesas.

Especialistas ponderam que a lei não obriga a apresentação de medidas na LDO, mas que ignorar a Covid tem reforçado o caráter ficcional dado às peças orçamentárias nos últimos anos e mostrado falta de planejamento de longo prazo por parte do governo.

"A questão é planejar onde queremos chegar. A gente não vê nada disso, o que dificulta inclusive a construção de cenários para a economia brasileira por parte do setor privado. Não tem nenhum tipo de planejamento", afirmou Bráulio Borges, pesquisador-associado da FGV (Fundação Getulio Vargas) e economista-sênior da LCA.

Segundo Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, do Senado), o governo ainda pode prever ações para a Covid no Orçamento de 2022.

O prazo para isso (agosto), no entanto, é curto e propostas que respaldam as mudanças tomam tempo para discussão.

"O que se espera é que não se repitam os mesmos erros do ano passado. Em agosto e setembro de 2020, poderia ter sido discutida [por exemplo] uma reserva no Orçamento para a pandemia neste ano", afirmou. "Mas o tempo foi gasto para discutir emendas", disse.

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