Descrição de chapéu Páscoa

Desemprego frustra ganho extra com venda de chocolate caseiro na Páscoa

Queda na renda eleva o número de fabricantes artesanais na periferia, mas reduz o de clientes

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Ana Beatriz Felicio Lucas Veloso
Carapicuíba e São Paulo | Agência Mural

Na quinta-feira (25), Eloisa Souza Leonardo dos Santos, 21, só parou de trabalhar às 2h. Ela divulgava pela internet a tabela de preços dos ovos de Páscoa que venderá pela primeira vez neste ano. Moradora do Parque Sampaio Viana, em Carapicuíba, na Grande São Paulo, ela sabe que vender este ano será mais difícil.

“As pessoas não estão com dinheiro para gastar com chocolate. As vendas estão bem fracas”, afirma. Até agora foram oito encomendas. Os preços dos ovos vão de R$ 32 a R$ 70. “Amigas que eu conheço e que também fazem ovos de páscoa concordam que o valor está um pouco defasado, mas as pessoas não têm dinheiro.”

Desempregada, Eloisa tem hoje como principal fonte de renda uma loja de doces que usa o Instagram como canal de vendas. Mesmo com a pandemia, criou um cardápio especial para Páscoa, que este ano será em 4 de abril.

Mulher negra posa sorridente em uma cozinha ao lado de ovos de Páscoa com embalagens coloridas
A chefe de cozinha e empreendedora Aline Chermoula, em sua casa na zona leste da cidade - Bruno Santos - 26.mar.2021/Folhapress

Eloisa conta que já tinha um certo conhecimento desse mercado, pois ajudava a mãe, que também já fez chocolates para vender na Páscoa. Ela quer, agora, reunir dinheiro para bancar mensalidades da faculdade e outras despesas.

A Páscoa costuma ser fonte adicional de renda extra para muitas mulheres nas periferias. Este, porém, será o segundo ano consecutivo em que a pandemia compromete o retorno financeiro com a data.

No ano passado, a celebração ocorreu pouco depois do início da quarentena em São Paulo, dificultando a venda desses pequenos produtores. Muitos já tinham comprado insumos, com base nas encomendas de outros anos, mais fartos. Sofreram com a queda nas vendas e também com a dificuldade para entregar as encomendas já feitas. Em 2021, o cenário piorou.

É o que sente Daysiane Conceição Ferreira, 28, que vive com três filhos no Parque Cerejeira, na região do Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo. As encomendas, conta, neste ano minguaram. Até 25 de março, recebeu apenas cinco pedidos —bem abaixo dos cerca de 30 que chegou a vender ano passado.

Daysiane é beneficiária do Bolsa Família e recebeu o auxílio emergencial. “Divido o que ganho para garantir as coisas das crianças e, com o que sobra, compro embalagens e chocolate para fazer os ovos em casa mesmo”, afirma.

O produto artesanal tem um preço muito abaixo dos praticados no mercado, mas as próprias fabricantes têm explicações para o fato de estar cada vez mais difícil vender como em outros tempos.

O desemprego, por exemplo, é visto como um fator duplo. De um lado, quem não tem trabalho, faz o chocolate caseiro para vender na Páscoa com a esperança de conseguir um dinheiro adicional. De outro, quem está sem emprego economiza e reduz os mimos na data.

Pesa também, a inflação, que deixou a matéria-prima mais cara, consumindo boa parte do lucro que se consegue com o produto caseiro.

“Um chocolate de qualidade mesmo, de uma marca conhecida, está muito caro. Aí você tem que colocar o seu valor por cima. Acaba que no final você não ganha muita coisa”, afirma Eloisa.

A pandemia neste ano impôs velhos e novos desafios para os artesãos de doces. Outra vez, a maioria dos estabelecimentos comercias estão fechados, o que dificultar a circulação e a compra de insumos. como embalagens. Outra vez, também é complicado fazer as entregas.

Usar aplicativo de transporte foi a estratégia usada por Lívia Sirqueira, 29, ano passado, no Jardim Zaíra, em Mauá, na Grande São Paulo. No entanto, devido à pandemia, ela se mudou em agosto para Barra de São Miguel, no Alagoas, para ficar mais próxima da sogra de 70 anos.

Por lá, ela se deparou com mais um empecilho criado pela pandemia, restrição de abastecimento. Para tentar diminuir o impacto, tentou alternativas para substituir embalagens e produtos para não ter queda no faturamento mensal.

Apesar da nova realidade, diz que as vendas estão estáveis. “A maioria das encomendas que peguei no ano passado foi de pessoas mais pobres. Neste ano, apesar da falta do dinheiro, peguei uma nova clientela também”, afirma.

As empresas de grande porte no setor projetam uma Páscoa melhor neste ano. A Abras (Associação Brasileira de Supermercados) estima um crescimento de 15% nas vendas em comparação com o ano anterior, já que o setor já está mais preparado para vender na pandemia.

Os empreendedores, no entanto, não têm a mesma leitura. Em Cidade Tiradentes, extremo leste da capital, a chefe de cozinha Aline Chermoula, 37, que produz ovos de Páscoa desde 2019, diz que a crise aprofunda.

Em comparação com os anos anteriores, afirma que sente queda no movimento e conta que teve de ser criativa para atrair clientes em novos segmentos.

“Sei que a gente está dentro de uma pandemia e uma crise financeira. Tem muitas pessoas desempregadas e muitas outras apoiando familiares, isso também reduz a margem de vendas”, diz.

Ela lamenta a perda do que chama de "encomendas institucionais", aquelas feitas por empresas. “Muitos dos meus clientes eram empresas quepararam de comprar. Mesmo os clientes fiéis de outros anos, que dizem adorar os ovos que faço, alegam falta de condições financeiras”, afirma.

Neste ano, ela conseguiu alcançar 85% da meta de venda que estabeleceu. “Estou até satisfeita. A ideia é cumprir essa meta até a Páscoa, mas se não der, ainda vou continuar vendendo ovos enquanto tiver chocolate.”

Aline conta que também atendia serviços de buffet e venda de bolos, mas que, agora, esse segmento também está prejudicado. Só consegue vender produtos menos rentáveis.

Ela ainda espera que as vendas nesta Páscoa possam compensar as perdas no ano passado. Desde que a pandemia começou, afirma "trabalha muito mais para faturar bem menos”.

As empreendedoras ouvidas pela Agência Mural contam que o poder público não apoiou pequenos negócios durante a pandemia.

“Continuo caminhando sozinha. Esse governo, aliás, não tem políticas para oferecer assistência à população, né? Consigo manter os boletos, mas não consigo planejar estrategicamente nenhum tipo de investimento, apenas manter o que eu já tenho”, diz Aline Chermoula .

Lívia chegou a receber parcelas do auxílio emergencial, mas que foi uma ajuda eventual. “Não ganho nenhum outro benefício, como o Bolsa Família, nem estou em nenhum programa destinado a pequenos empresários.”

Em Carapicuíba, Eloisa relembra que não conseguiu o auxílio porque na época trabalhava como estagiária. Desde que ficou desempregada, se esforça para manter a loja de doces.

Procurado, o Ministério da Economia disse que tomou um conjunto de medidas para combater os efeitos da Covid-19 sobre o emprego e a renda, como o Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), criado para socorrer os pequenos e médios empreendedores.

O prazo para o pagamento do empréstimo trabalhado foi de 36 meses, com taxa de juros anual máxima aplicada sobre o valor total do crédito, da Selic mais 1,25% ao ano, e carência de oito meses. Segundo o governo, foram realizadas 517 mil operações de crédito.

Por meio de nota, o ministério disse que governo disponibiliza, para diferentes empresas, o "emprestômetro", onde há dados sobre programas de auxílio ao micro e pequeno empreendedor.

O governo de São Paulo afirma que, para auxiliar os empreendedores a atravessarem a crise, desembolsou quase R$ 2 bilhões de crédito no ano passado. Neste ano, destaca, foram liberados mais R$ 275 milhões entre créditos de pacote emergencial e microcréditos, sendo que R$ 50 milhões em microcrédito foram destinados exclusivamente para mulheres com programa Empreenda Mulher, que também oferece 40 mil vagas em qualificação profissional.

As prefeituras de São Paulo e de Carapicuíba também foram procuradas pela reportagem, mas não responderam até o fechamento do texto.

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