IPOs tendem a diminuir neste ano com incerteza econômica e política

Expectativa é que companhias adiem ou cancelem abertura de capital, caso não aceitem preços menores

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São Paulo

As incertezas sobre a recuperação econômica diante do agravamento da pandemia do coronavírus e o instável cenário político brasileiro podem desacelerar o ritmo de novas aberturas de capital (IPOs) e ofertas subsequentes (follow ons) na Bolsa.

Para analistas e gestores, apesar dos juros continuarem em patamares historicamente baixos, com a Selic em 2,75% ao ano, o somatório de problemas políticos, econômicos e sanitários pode resultorar em dois cenários principais: ou algumas empresas adiarão seus IPOs à espera de uma nova janela de oportunidade, ou irão a mercado descontadas –ou seja, com um preço abaixo do que realmente valem.

Segundo o presidente da corretora BGC Liquidez, Erminio Lucci, enquanto no cenário doméstico a Bolsa brasileira viveu um movimento de realização de lucros nas últimas semanas, em parte contaminada pelas incertezas trazidas pelo ruído político, no ambiente externo a curva longa de juros nos Estados Unidos aumentou, o que também pesa no apetite dos investidores estrangeiros por países emergentes.

Incertezas sobre cenário macroeconômico e político pode influenciar decisão de companhias em abrir capital
Incertezas sobre cenário macroeconômico e político pode influenciar decisão de companhias em abrir capital - Michael Nagle - 19.mar.2020/Xinhua

Parte dos ruídos políticos do país começaram em 19 de fevereiro, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) interferiu na Petrobras para indicar o nome do general Joaquim Silva e Luna para substituir Roberto Castello Branco na presidência da companhia.

Dias depois, Bolsonaro também chegou a sinalizar que novas mudanças poderiam acontecer, gerando especulação sobre a possibilidade de interferência em outra estatal.

O movimento deu força à saída de capital estrangeiro da Bolsa, que alcançou a cifra de mais de R$ 6,7 bilhões em fevereiro –o pior saldo mensal desde julho do ano passado.

Desde então, a volta do ex-presidente Lula ao páreo nas eleições de 2022, o recorde de mais de 3.000 mortes diárias por Covid-19 e o lento avanço dos programas de vacinação também ajudaram a aumentar as incertezas sobre o futuro do país.

“As expectativas eram boas para os IPOs em 2021, mas todos esses movimentos acabam gerando um efeito no curto e médio prazo muito grande, fazendo com que os investidores percam a confiança e esperem para fazer investimentos. Essa pulga atrás da orelha tende a continuar por um bom tempo e cria um paradoxo: ou a empresa aceita o desconto maior [no preço da ação] ou opta por cancelar ou adiar seu IPO”, disse Lucci.

Dados da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) apontam que o número de listagens canceladas já ultrapassa o número de IPOs feitos no ano até agora: 15 cancelamentos por desistência foram registrados pelo órgão de janeiro a 26 de março; no mesmo período 13 empresas estrearam na Bolsa de Valores e outras 43 companhias estavam no processo de análise.

Segundo profissionais de mercado, apesar de a qualidade das companhias ter um peso importante na precificação do IPO, os fatores macroeconômicos acabam impactando todo o mercado de capitais.

Na prática, mesmo que a companhia seja boa aos olhos dos investidores, a precificação ainda pode ser menor do que o esperado inicialmente, uma vez que é uma medida relativa que leva em conta os preços de seus pares setoriais.

Isso significa que caso uma empresa de moda queira abrir capital, por exemplo, parte da sua precificação terá como base o preço da ação de outras companhias do setor já listadas. Em uma situação na qual o ambiente macroeconômico provoca uma queda generalizada na Bolsa, portanto, as ações ficam descontadas e acabam afetando o quanto o investidor está disposto a pagar em novas listagens.

Segundo o gestor de renda variável da Trafalgar Investimentos, Igor Castro Lima, apesar da tendência de as empresas virem descontadas, isso não necessariamente significa que virão baratas.

“O que acontece é que tivemos um descasamento de oferta e demanda no final do ano passado e no começo de janeiro. Tinha muito dinheiro disponível para ser alocado e não tinha tanta oferta, o que gerou uma super precificação. Além disso, em função dos juros mais altos, o mercado também tende a ficar um pouco mais seletivo”, afirmou.

“Outro ponto que também prejudica a próxima safra de empresas na Bolsa em termos de precificação é o desempenho das várias companhias que abriram capital recentemente, que foi muito errático. Isso mostra que o mercado talvez tenha exagerado e deve vir com preços mais realistas”, completou Lima, da Trafalgar.

Especialistas também afirmam que o mercado de capitais só tende a ganhar nova tração a partir do momento em que houver maior clareza sobre a recuperação econômica, o programa de vacinação e o ambiente político.

“Ainda temos muita instabilidade e volatilidade e, caso esse cenário perdure, a tendência é que investidores fiquem mais criteriosos em suas alocações de recursos e deem preferência às companhias já listadas e a setores mais conservadores, diminuindo o apetite para as novas entrantes”, afirmou o sócio da Helius Capital, Eduardo Rebouças.

“Ainda existe apetite, tem muito dinheiro para ser alocado e os fundos ainda apresentam captação líquida, mas para que o mercado volte e realmente consiga capturar melhor as ofertas que estão por vir, precisamos de mais visibilidade em relação ao cenário Brasil”, disse Lima.

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