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Tarso Genro

Pessoas e números devem andar sempre juntos

Ex-governador do RS rebate argumentos de Samuel Pessôa publicados em 18 de abril em sua coluna em Mercado

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Tarso Genro

Governador do Rio Grande do Sul (PT) de 2011 a 2014 e ex-ministro da Justiça do governo Lula

Em reação a meu artigo na Folha que responde a sua coluna, Samuel Pessôa defende de forma sincera sua dogmática neoliberal arguindo “algumas questões factuais mais simples”, para depois entrar —segundo ele— num “debate mais conceitual sobre contas públicas e generosidade”. Esse, aliás, é o debate que interessa.

Respondo: o seu novo arrazoado usando seu próprio método, mas sem esconder-me em “questões simples”, que podem encobrir as questões de fundo, pois elas, se servem para introduzir um método, quando retiradas do seu contexto complexo, podem assassinar a razão.

Bolsonaro, por exemplo, quando argui, na sua simplicidade delirante, contra a totalidade complexa da ciência, dizendo que o “simples” tratamento “precoce” através da cloroquina pode debelar a pandemia, está, na verdade, defendendo a “imunidade de rebanho” para enfrentar a crise sanitária, cujas consequências estão aí na sua simplicidade fúnebre. E mais, os fatos “simples” podem ser escolhidos para esconder outros fatos simples mais relevantes.

Quando Pessôa desconsidera os precedentes da expansão da dívida pública do Rio Grande do Sul —através do acordo Brito-Malan, há mais de duas décadas— e não leva em conta o brutal arrocho salarial que paralisava a administração pública (fatos “simples” gerados por governos da sua escola no estado), opta por simplificar que é “natural” as pessoas serem relegadas a um segundo plano, esquecidas como seres humanos, para promover o ajuste nas contas públicas.

A síntese das posições de Samuel Pessôa está, aliás, bem colocada no lide escolhido pela Folha, no qual ele diz que, “para cuidar das pessoas, é necessário cuidar ANTES das contas públicas”. Defendi no meu artigo uma outra posição: números contábeis e preocupação com seres humanos devem ser tratados de forma integrada na gestão do Estado. As pessoas não são uma “coisa” “depois” de outra coisa: pessoas e números, tratados em separado das reais condições de vida dos humanos quando o ajuste é feito, podem produzir números assassinos.

A posição que defendo nada tem com populista de “esquerda”, mas se opõe, na verdade, a uma visão populista de direita, que na sua imoralidade sem generosidade trata os seres humanos como meras peças de um ajuste quantitativo, colocando-as em “segundo lugar”, com uma frieza brutal.

Kant, para Samuel Pessôa, seria um “populista” quando recomendou que o outro “não pode ser tratado como instrumento”? Respondo: nem no contexto de um rebanho para serem imunizadas a longo prazo nem como números sem face e sem dor para chegarem ao paraíso dos ajustes.

Além de renegociarmos a dívida alterando o indicador do IGP-DI para IPCA, com a redução dos juros de 6% para 4% ao ano, pagamos precatórios deixados pelos governos anteriores num montante jamais visto dentro da crise. Aumentamos a arrecadação sem aumento de impostos e chegamos a um déficit responsável, no último ano de governo, de R$ 1,2 bilhão, e não de R$ 4,4 bilhões, como afirma Pessôa.

É verdade que nos recusamos a chegar ao déficit zero sustentado pelo represamento das despesas porque isso seria adotar políticas contracionistas que não nos permitiriam fazer o Estado crescer e promover políticas contra a fome.

Não nos permitiria cumprir os percentuais constitucionais da receita com saúde, educação e alcançar níveis de crescimento superiores aos do país e ainda criar um fundo de previdência sustentável com recursos separados do Tesouro, valores que, consoante o PLC 148/2020, ficaram disponíveis, sim, para o governo usar (R$ 2 bilhões e meio no mínimo) para despesas normais do governo.

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