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Rui Barbosa da Rocha

Projeto de ferrovia e porto na Bahia exporta desperdício

Áreas de proteção ambiental, como a Lagoa Encantada, são vitimas da Ferrovia Oeste-Leste e do Porto Sul

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Rui Barbosa da Rocha

Diretor-presidente do Instituto Floresta Viva

Com uma população mundial caminhando para 8 bilhões de pessoas e a demanda por recursos naturais crescendo anualmente, não é de se estranhar que projetos grandiosos de infraestrutura sejam vistos como fundamentais para promover o fluxo de mercadorias e de bens primários, notadamente no Brasil, África e Ásia.

Em Ilhéus, em 2008, o governo da Bahia anunciou um complexo logístico inspirado nesta lógica das grandes oportunidades das commodities minerais e agrícolas –o Complexo Porto Sul.

Para gerar riquezas e reduzir o custo Brasil, a solução foi conceber algo que, infelizmente, irá destruir o que está no caminho e ignorar o que já existia de infraestrutura e planejamento existentes. O desperdício vira produto de exportação.

Bolsonaro em visita às obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, em São Desidério, na Bahia - Alan Santos - 11.set.2020/PR

Quando o projeto conceitual do Porto Sul foi apresentado à sociedade no final de 2007, ainda timidamente, e depois com muita propaganda, a partir de 2009, a promessa era gerar 30 mil empregos e alavancar o desenvolvimento do sul da Bahia, do semiárido e do cerrado brasileiro.

De Figueirópolis, em Tocantins, a Ilhéus, na Costa do Cacau, uma ferrovia de integração Oeste-Leste associada a um porto offshore e a uma mina em Caetité dariam o fôlego bilionário para impulsionar o desenvolvimento baiano e brasileiro.

Um aeroporto fazia parte do hub logístico idealizado, atraindo assim os interesses do polo de informática e do turismo regional. O desenho pareceu convincente e contemporâneo, lógico, pertinente.

Desde 2008, no entanto, alertas da academia e da sociedade civil chamaram a atenção para o erro grosseiro daquele projeto conceitual, que seguiu para uma fase executiva, sem escutas verdadeiras. Muitas audiências públicas e licenças ambientais concedidas validaram o caminho das empreiteiras, com recursos superdimensionados pela Valec. A ferrovia, entre Caetité e Ilhéus, romperia mais de 500 km de terras rurais com comunidades tradicionais e fazendas, em nome da exportação do minério de ferro e, eventualmente, da soja do oeste baiano.

O desperdício, marca deste projeto logístico, é emblemático para uma era da humanidade no qual todas as evidências recomendam a cautela e o uso criterioso dos recursos cada vez mais escassos do planeta.

O minério de ferro, por exemplo, ainda abundante em muitas jazidas espalhadas pelos cinco continentes, tem maior viabilidade quando os custos de produção são baixos, o que se verifica nas grandes jazidas de alto teor de ferro. Carajás é o nosso melhor exemplo.

No caso da Bamin, detentora da mina Pedra de Ferro, no alto sertão baiano, uma jazida com perspectiva de exploração de 20 anos atraiu o estado brasileiro para promover a Fiol, deixando ao largo a Ferrovia Centro Atlântica, que passa a 70 km em linha reta da mina, em direção ao melhor ambiente portuário do Brasil, a Bahia de Todos os Santos.

O desperdício seguiu desconsiderando um destino turístico muito promissor, a Costa do Cacau, entre Ilhéus e Itacaré, que em 1998 pavimentou a BA-001 com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A estrada, uma rota turística brasileira, é celebrada por oferecer praias encantadoras no meio da Mata Atlântica mais biodiversa do Atlântico Sul.

Áreas de proteção ambiental, como a Lagoa Encantada, são vitimas da Ferrovia Oeste-Leste e do Porto Sul, que rasgam suas matas e invadem o leito do litoral piscoso de Ilhéus, conhecido como Cannion do Almada. A região, tema de muitos livros de Jorge Amado e Adonias Filho, atrai 500 mil turistas todos os anos, vindo de todos os cantos do mundo. A pesca, base da alimentação regional, sustenta o trabalho de 5.000 pessoas nesta zona pesqueira.

Os rios e mananciais de água presentes no alto sertão, escassos e preciosos para as comunidades rurais e urbanas de lá, seguem para o rio São Francisco ou para o Rio de Contas, nas áreas hoje cobiçadas pelas empresas de mineração. Mas a Ferrovia Oeste-Leste segue até o Rio Almada e a Lagoa Encantada, tentando alcançar o litoral pelo Porto Sul, que se efetivado afetará diretamente 20 km de costa, com manguezais e restingas abundantes nesta costa.

A Bahia é carente de investimentos, especialmente de infraestrutura urbana e rural. Com muitas comunidades de agricultores familiares e empresários rurais em muitos setores, o estado depende de esforços sábios para usar recursos escassos que chegam com muito esforço neste território.

No entanto, usar estes recursos e orientar investimentos que degradam o meio ambiente, afetam a economia dos lugares e a sociedade que ai vivem, soa fora de época e de sentido, nesta era apocalíptica. A vida pede passagem, e não o desperdício, a morte.

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