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Camundongos, coelhos e porcos já foram usados para testar produtos de beleza; entenda

Alternativas como pele sintética reduziram uso de animais nas últimas décadas, diz pesquisador

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São Paulo

Nas últimas décadas, usar animais para testar produtos cosméticos prontos, como um batom, caiu em desuso, segundo Victor Enfante, doutor em Ciências Farmacêuticas pela USP de Ribeirão Preto, com ênfase em cosméticos.

Isso porque passou a ser possível analisar o impacto de um produto na pele sem precisar retirar a área atingida, em uma biópsia. Isso facilita que seres humanos participem dos testes finais, para verificar, por exemplo, se um creme realmente reduz as rugas da pele ou se causa alguma irritação.

"O setor já defende há muitos anos a eliminação da realização de testes em animais para produtos acabados", afirmou, em nota, a Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos).

A entidade, porém, entrou com o pedido de inconstitucionalidade para derrubar a lei estadual do Rio de Janeiro que proíbe o uso de animais em testes experimentais de cosméticos e produtos de higiene pessoal e limpeza. A legislação proíbe todos os testes em animais, em qualquer fase do produto.

A Abihpec afirma que não recorreu à Justiça para questionar ou discutir a necessidade dos testes em animais, fato que foi externado na sustentação do advogado da entidade no julgamento, mas para preservar a ordem legal e a competência legislativa federal para tratar da questão.

Disse ainda que, em busca de uma solução definitiva para o tema, trabalha com ONGs, autoridades e a comunidade cientítica pela aprovação de uma lei federal que faça o banimento dos testes em animais.

Os animais mais usados pela indústria cosmética nos testes são ratos e coelhos, afirma Enfante. Porcos também foram populares, mas hoje seu uso fica mais restrito a partes do animal já sacrificado em frigoríficos, como as orelhas. A pele do porco tem uma capacidade de absorção semelhante à humana.

Coelhos já foram usados em testes de comedogenicidade (o quanto uma substância causa o entupimento dos poros da pele), mas isso já pode ser testado diretamente em humanos.

O teste mais emblemático em coelhos é o de Draize. Ele serve para saber se uma substância pode entrar em contato com a região dos olhos, e quais são seus efeitos no local. Para isso, o produto testado é colocado nos olhos do coelho, que não pode estar sedado. “Envolve sofrimento animal”, afirma Enfante.

Uma sedação comprometeria o resultado do teste, já que anestésicos dilatam os vasos sanguíneos.

Mãos com luva manuseiam rato branco em laboratório
Rato usado em pesquisa do vírus Zika, na USP, em São Paulo; eles também podem ser utilizados em pesquisas de cosméticos - Diego Padgurschi-26.fev.2016/Folhapress

“Esse teste surgiu porque havia um rímel usado no começo dos anos 1920 que deixou várias pessoas cegas”, explica o pesquisador, que afirma já existir hoje uma alternativa ao Draize. No lugar dos olhos do coelho, a substância é testada em ovos de galinha com embriões que ainda não desenvolveram o tubo neural, ou seja, não têm capacidade de sentir dor. Esses embriões já têm vasos sanguíneos formados, e é possível ver como eles se comportam ao entrar em contato com o produto.

Continua sendo um teste com uso animal, mas sem sofrimento. “Vegano é uma coisa, sofrimento animal é outra”, diz Infante.

Outro teste que envolvia sofrimento animal e que hoje também tem métodos alternativos é o da eficácia de produtos para queimadura solar. O pesquisador conta que antes eram usados ratos de uma espécie sem pelo, sobre o qual incidia-se uma luz com potência semelhante à solar. Então, a eficácia do produto era testada na queimadura que havia sido provocada em laboratório.

Para testes na pele, já são utilizadas pele reconstituída, que sobra de cirurgias, e também pele artificial, fabricada em laboratório.

Outras alternativas são fazer testes em culturas de células. A melhora da tecnologia envolvida nos testes também permite reduzir a quantidade de cobaias.

A criação desses testes alternativos depende de pesquisa científica, feita por empresas do setor e também por universidades.

A Abihpec, também em nota, afirmou que reforça "o apoio setorial ao desenvolvimento e implementação dos métodos alternativos a testes em animais", que financia seu desenvolvimento e validação, e que "se compromete a utilizá-los nos casos em que existirem e estiverem validados pelas autoridades e órgãos competentes".

Como os testes de cosméticos costumam envolver as camadas mais superficiais da pele, são mais simples de serem substituídos por métodos alternativos, em comparação com testes de medicamentos que precisem aferir o impacto da substância em vários órgãos ao mesmo tempo.

Nove estados brasileiros proíbem testes de cosméticos em animais, incluindo São Paulo, além do Distrito Federal. Mas há uma lei federal, a Arouca, que permite experimentos, para uso científico, em algumas situações.

Segundo Enfante, o futuro da pesquisa científica deve ter cada vez menos animais, até mesmo por uma questão de custo. Manter as cobaias é caro, demanda alimentação especial, cuidados intensos e espaço. Após os testes, eles precisam passar por eutanasia, sem sentir dor, e serem incinerados.

“É complicado trabalhar com animais de laboratório, pegar uma cultura de células no freezer é muito mais tranquilo”, afirma o pesquisador.

O caso dos beagles é um exemplo dos transtornos que pesquisas em animais podem provocar em outra esfera, a da imagem empresarial.

Em outubro de 2013, um grupo de ativistas de direitos dos animais invadiu um instituto de pesquisa em São Roque, interior de São Paulo, para recolher cerca de 178 cachorros da raça beagle que eram utilizados em pesquisas. Os relatos sobre o estado dos animais geraram forte comoção popular.

Na ocasião, os ativistas alegaram que os cachorros foram expostos a sofrimento em testes de cosméticos. O laboratório, porém, afirmou que fazia pesquisas com medicamentos, seguindo todos os protocolos previstos na lei, para verificar se os remédios produziam reações adversas como vômito, diarreia, perda de coordenação ou convulsões. Alegando forte perda à imagem, o laboratório anunciou o encerramento das atividades na cidade pouco depois.

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