O ano de 2020 equivale a uma década perdida. Deixará lições de imenso valor, mas todas elas amargas. Um período em que a cretinice assolou o país.
Essas são algumas das reflexões trazidas por “Lições Amargas: Uma História Provisória da Atualidade”, do economista Gustavo Franco, presidente do Banco Central no governo FHC e um dos responsáveis pelo Plano Real. O livro será lançado na próxima quarta-feira (26).
A obra sucessora de “A Moeda e a Lei” (2017) é descrita pelo autor como “um longo artigo de jornal”, com uma linguagem que busca atrair esse tipo de leitor, bem distante da escrita acadêmica ou voltada para um público especializado.
Apesar de privilegiar temas econômicos, o livro tem como um dos pontos altos a discussão sobre a relação entre a ciência e o poder político. Busca explicações para a reação de governos populistas à pandemia em episódios como a Revolta da Vacina de 1904 e em obras como “As leis Fundamentais da Estupidez Humana”, do historiador Carlo Cipolla (1922-2000).
Como explicar que países inteiros sejam enganados e levados a políticas públicas catastróficas diante da pandemia? "A estupidez seria o novo nome da loucura ou da insensatez?", questiona Franco.
Talvez a resposta esteja na lei enunciada pelo próprio Cipolla e citada no livro: indivíduos estúpidos, aqueles que geram perdas para si mesmos e para a sociedade, são os mais perigosos, “pois são erráticos e irracionais”.
Franco também recorre a outros autores para falar sobre os limites do liberalismo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), ao resgatar a mitologia do personagem Fausto e ilustrar a tentativa de tecnocratas de controlar políticos populistas ou forças que estão além da sua compreensão.
Cita como exemplo Hjalmar Schacht, presidente do banco central alemão que se tornou herói da estabilização monetária na década de 1920 e voltou ao posto a convite de Hitler em 1933, para depois ser escanteado pelo regime nazista.
O constrangedor episódio na estatal Ceagesp, quando Bolsonaro faz piada com o desaparecimento do seu projeto econômico, é resgatado pelo autor, que vê nele a cerimônia de sepultamento da “fase liberal” do governo.
Sobre os caminhos para o Brasil, o autor discute os rankings de melhores práticas internacionais, nos quais estamos quase sempre mal colocados, e lembra que cada país é soberano para não segui-las e fazer suas próprias escolhas infelizes.
Mesmo nos capítulos dedicados a temas econômicos, como ao falar da necessidade de se “reformar a ideia de reforma”, de mostrar como a responsabilidade fiscal pode ajudar e não prejudicar as políticas sociais ou ao tratar de temas como as mudanças no mercado de trabalho e do futuro do dinheiro no século 21, o autor consegue manter a proposta de entregar uma prosa acessível e atrativa ao leitor de jornal.
Nas palavras do próprio Gustavo Franco, uma escrita “gostosa de ler”.
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