Descrição de chapéu Financial Times

Empresas gastam só 0,5% do prometido em ações contra racismo

Dos US$ 50 bi anunciados após assassinato de George Floyd, apenas US$ 250 milhões foram investidos

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Andrew Edgecliffe-Johnson Taylor Nicole Rogers
Nova York | Financial Times

As palavras “racismo sistêmico” não costumavam ser ditas durante as conversas entre executivos e analistas sobre os resultados das companhias dos Estados Unidos. O assassinato de George Floyd, um homem negro morto por um policial branco em maio do ano passado, fez com que essa situação mudasse abruptamente, e levou a expressão aos lábios dos principais executivos americanos, forçando-os a considerar os papéis que desempenham em um sistema que agora criticam.

Presidente-executivos de diversas companhias, de Tim Cook, da Apple, a David Solomon, do Goldman Sachs, declararam que os líderes empresariais precisavam não só se pronunciar como fazer mais para combater as disparidades raciais dentro de suas empresas.

Uma avaliação das mudanças que eles promoveram no período decorrido indica que a morte de Floyd catalisou esforços de promoção da diversidade, inclusão e equidade nas grandes empresas. Mas diversos indicadores importantes apontam que resta muito a mudar, para transformar em realidade a retórica ativista adotada pelos executivos.

Grandes empresas americanas se comprometeram a investir US$ 50 bilhões em esforços pela igualdade racial, desde o homicídio de Floyd, de acordo com uma compilação de promessas públicas realizada pela consultoria Creative Investment Research. Os fundos devem ser divididos entre doações a organizações de defesa dos direitos civis, investimentos direcionados em comunidades não brancas, e reformas nos sistemas de recrutamento e treinamento das companhias. Mas apenas US$ 250 milhões foram de fato gastos ou alocados a iniciativas específicas, de acordo com uma análise conduzida pela consultoria de pesquisa.

Pessoas reagem ao veredicto do julgamento do policial Derek Chauvin, condenado pelo assassinato de George Floyd, em Washington - Andrew Caballero Reynolds - 20.abr.21/AFP

“Nós averiguamos para determinar o dinheiro investido, ou seja, quanto dinheiro foi desembolsado na realidade, e o total corresponde a apenas uma pequena proporção do prometido –uma situação que persiste até agora, aliás”, disse William Cunningham, presidente-executivo da Creative Investment Research.

O progresso lento faz com que observadores como Cunningham encarem com cinismo a sinceridade das grandes empresas. Eles apontam que promessas como essas são fáceis de abandonar caso a situação financeira ou as prioridades de empresa mudem antes que as verbas sejam desembolsadas completamente.

“O tempo dirá”, disse Cunningham. “Ainda é cedo para saber. Tudo isso aconteceu há apenas um ano, e nós tivemos o que, 400 anos de dor e sofrimento?”

Igualdade na contratação e no salário

Algumas das maiores companhias dos Estados Unidos estabeleceram metas de contratação e promoção, com a Amazon, por exemplo, se comprometendo a dobrar o número de líderes negros em suas fileiras para 8% dos postos seniores, este ano.

Diversas companhias também começaram a reportar dados demográficos detalhados. O Goldman Sachs informou que apenas 49 de seus 1.548 executivos, dirigentes sênior e gestores nos Estados Unidos são negros.

Hubert Joly, antigo presidente-executivo da Best Buy e autor de um livro sobre liderança lançado recentemente, disse que existia “certo nível de seriedade” no estabelecimento de metas públicas com base nas quais os esforços dos executivos pela igualdade racial possam ser avaliados –e que um reconhecimento mais amplo dos argumentos financeiros em favor de corrigir injustiças era importante.

“Se a cidade está em chamas, não há como dirigir seu negócio”, disse Joly.

Algumas companhias vêm resistindo a revelar dados mais detalhados, no entanto. O grupo de investimento Berkshire Hathaway e o grupo farmacêutico Johnson & Johnson estão entre os que resistiram a propostas de acionistas que buscavam promover maior diversidade nessas empresas.

Outro fator preocupante para os ativistas é que poucos conselhos de grandes companhias estão vinculando a remuneração de seus executivos a metas de diversidade.

Quando a Just Capital divulgou um “rastreador” dos compromissos das empresas para com a igualdade racial, no começo deste mês, a avaliação foi de que apenas 31% das cem maiores empresas dos Estados Unidos estavam analisando se a remuneração de empregados de diferentes raças e etnias era equitativa.

“Quando conduzimos pesquisas junto aos negros dos Estados Unidos sobre o que empresas deveriam fazer pela igualdade racial, o pagamento de salários dignos aparece no topo da lista”, disse Martin Whittaker, presidente-executivo da Just Capital. “Fica bem claro que as companhias preferem não divulgar dados desse tipo até que tenham uma história positiva para contar”.

Entre as poucas empresas que conduziram auditorias sobre igualdade de pagamento, grupos como Lyft, Levi Strauss e Verizon afirmaram que os estudos não revelaram diferenças sistêmicas de remuneração entre etnias. Mas a transparência quanto à igualdade de pagamento continua a ser limitada, o que faz dessa questão uma prioridade para os reformistas.

Usando o poder de suas plataformas

Ken Frazier, que está deixando a presidência executiva do grupo farmacêutico Merck e era um dos poucos líderes negros entre as companhias do índice S&P 500, declarou na metade do ano passado que as organizações “precisam ir à sede do governo” a fim de ajudar a criar uma sociedade que seria boa para os negócios.

Companhias como a Delta Air Lines e a Home Depot se viram arrastadas a batalhas políticas sobre novas leis eleitorais que potencialmente discriminariam eleitores negros, mas poucas empresas usaram sua influência política de maneira tão explícita.

Em lugar disso, a maioria delas prefere fazer lobby nos bastidores, coordenar respostas a projetos de lei específicos por meio de organizações setoriais, e limitar suas reações públicas a declarações genéricas de princípios.

No entanto, algumas poucas companhias empregaram o poder de suas plataformas de forma mais vigorosa junto a fornecedores.

“Estamos exigindo muito mais responsabilidade e prestação de contas, aos nossos subcontratados”, disse Dambisa Moyo, economista que faz parte do conselho de empresas como a 3M e a Chevron. Ela disse que as companhias para as quais trabalha estavam averiguando se auditores, escritórios de advocacia e consultorias de recursos humanos que empregam apresentam diversidade suficiente.

A Coca-Cola saiu a público com uma demanda desse tipo em janeiro, estabelecendo um prazo de 18 meses para que os escritórios de advocacia com que trabalha nos Estados Unidos atinjam uma cota de 30% de diversidade entre os advogados que atendem a empresa, com pelo menos metade das horas trabalhadas sob essa cota cabendo a advogados negros.

Sob as tendências atuais, os advogados negros só teriam representação equitativa entre os sócios de escritórios de advocacia americanos em 2391, disse Bradley Gayton, que era vice-presidente jurídico da Coca-Cola quando o novo requisito foi anunciado. “Nós desenvolvemos critérios de avaliação, realizamos conferências, preparamos planos formais, estabelecemos comitês. Nenhum desses esforços funcionou”.

Semanas depois do envio da carta, no entanto, e apenas oito meses depois de sua indicação para o posto, Gayton deixou o cargo para se tornar consultor da companhia.

Perguntada se a demanda de diversidade de Gayton continuava válida, a empresa respondeu apenas que seu sucessor precisava de tempo para “revisar as iniciativas dele de maneira ponderada”.

Mudanças na monocultura dos conselhos

O número de presidentes-executivos negros de companhias do índice S&P 500 continua a poder ser contado nos dedos, mas a composição dos conselhos das empresas começou a mudar um pouco mais rápido nos últimos 12 meses, com investidores, financistas e bolsas de valores priorizando a diversidade, que, como demonstram sucessivos estudos, está relacionada a um desempenho financeiro mais forte.

O progresso histórico “glacial” significa que 40% das empresas do índice Russell 3000 ainda não apresentam diversidade racial ou étnica aparente em seus conselhos, de acordo com a Institutional Shareholder Services. E em nível imediatamente inferior ao dos conselhos, nos Estados Unidos profissionais negros detêm apenas 3% dos postos executivos ou seniores em companhias com mais de cem empregados, de acordo com dados da Comissão de Igualdade no Emprego.

A pressão para que isso mude está crescendo. A Nasdaq anunciou em dezembro que companhias com ações negociadas em seu pregão devem ter pelo menos uma mulher e um membro de uma minoria sub-representada em seus conselhos.

O Goldman Sachs anunciou, igualmente, que a partir deste ano não trabalharia em ofertas públicas iniciais de ações de empresas que não tenham pelo menos dois integrantes minoritários em seus conselhos, e a State Street anunciou que votaria contra a eleição de conselheiros em empresas que não revelam a composição étnica ou racial de seus conselhos.

Mas por enquanto não muitos dos grandes investidores estão votando contra conselhos que não apresentem diversidade. Em uma carta aberta enviada no começo deste mês, ativistas pela justiça racial e líderes sindicais apontaram que as grandes empresas de administração de ativos haviam reeleito a vasta maioria de seus conselhos, formados integralmente por brancos, no ano passado.

A temporada anual de assembleias gerais de acionistas acaba de começar. As votações deste ano, a carta afirma, demonstrariam se as promessas dos administradores de ativos eram sérias ou “cinicamente performativas”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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