Descrição de chapéu The New York Times

Hackers e mudança climática ameaçam independência energética dos EUA

País depende menos do petróleo estrangeiro, no entanto, oleodutos e redes são cada vez mais vulneráveis a ataque hacker

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Clifford Krauss
Houston | The New York Times

Quando a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) proibiu as exportações de petróleo para os Estados Unidos, em 1973, criando longas filas nos postos de gasolina, o presidente Richard Nixon prometeu um esforço que combinaria o espírito do programa espacial Apollo com a determinação do Projeto Manhattan, da bomba atômica.

"No final desta década, teremos desenvolvido o potencial para suprir nossas necessidades energéticas sem depender de qualquer fonte de energia estrangeira", disse ele em um discurso pela televisão.

O cronograma de Nixon estava errado —levou mais de 40 anos—, mas o país chegou bem perto da independência nos últimos anos, graças a um aumento da produção nacional de petróleo de xisto e gás natural e ao domínio das energias solar e eólica.

Essa independência, entretanto, é frágil. Na semana passada, carros fizeram fila nos postos de gasolina de grande parte do sudeste americano, depois que o oleoduto Colonial Pipeline foi paralisado pelo ciberataque de um grupo criminoso que pediu resgate.

Tanques da Colonial Pipeline em Maryland, nos Estados Unidos - 10.mai.21/Reuters

A rede elétrica também sofre maior estresse por causa da mudança climática. No último ano, uma onda de calor na Califórnia e um frio profundo no Texas causaram extensos blecautes quando a demanda por energia superou a oferta.

"Oito presidentes quiseram a independência energética, e agora que a alcançamos temos maior resiliência em termos do mercado global de petróleo", disse Daniel Yergin, historiador da energia e autor de "The New Map: Energy, Climate and the Clash of Nations" (O novo mapa: energia, clima e o choque de nações, em tradução livre). "Mas resiliência ainda é um problema em termos de como o sistema funciona sob estresse, quer você fale de oleodutos ou de energia elétrica."

A interrupção do oleoduto Colonial Pipeline não teve nada a ver com a comoção no Oriente Médio ou a produção inadequada de energia nos Estados Unidos. No entanto, o pânico aquisitivo raramente visto em décadas gerou escassez, e os preços nas bombas subiram até US$ 0,20 (R$ 1,06) por galão (3,78 litros) de gasolina comum em alguns estados em poucos dias, segundo a AAA (Associação Americana de Automobilismo).

Yergin disse que os motoristas que fizeram fila nos postos para encher galões e até sacos plásticos de gasolina agravaram a situação. O impulso para estocar remonta aos choques do petróleo dos anos 1970 e pareceu tocar um ponto na psique nacional.

"As pessoas lembraram das filas nos postos apesar de ainda não terem nascido na época", disse Yergin.

A companhia Colonial Pipeline retomou as operações completamente no fim de semana, mas levará vários dias para que os postos de combustível estejam reabastecidos. Na terça-feira (18), a empresa disse que um de seus servidores de computadores sofreu interrupções enquanto ela trabalha para restaurar e fortalecer seus sistemas.

As empresas de energia sofrerão maior pressão dos governos e de investidores para reforçar suas defesas contra ataques cibernéticos, mas essas e outras vulnerabilidades não serão fáceis de superar, especialmente depois de anos de subinvestimento.

No caso das redes da Califórnia e do Texas, há poucas soluções fáceis para a fraqueza revelada por ondas de calor e de frio congelante que custaram a esses estados bilhões de dólares e deixaram dezenas de mortos e milhares de pessoas sem moradia.

O fato de os dois estados mais populosos do país terem sofrido tanto sugere que as usinas e as linhas de energia elétrica não estão preparadas para eventos climáticos extremos que, segundo os cientistas, serão mais frequentes nos próximos anos por causa do acúmulo na atmosfera de gases que aquecem o planeta.

Nos Estados Unidos como um todo, os apagões de energia causados pelo clima aumentaram dois terços desde 2000, segundo o Departamento de Energia.

"Nossas estratégias tradicionais para produzir e distribuir energia estão ameaçadas pelo clima e por ciberterroristas", disse Mark Brownstein, vice-presidente sênior do Fundo de Defesa Ambiental. "Conforme avançamos para um futuro energético mais limpo e sustentável, também precisamos avançar para um que tenha basicamente mais resiliência."

Atualizar o sistema energético não será fácil. Dezenas de empresas concorrentes que operam uma vasta rede de poços e estações de bombeamento de petróleo e gás, linhas de transmissão e usinas de energia precisarão se unir para tornar suas operações mais resistentes ao clima e a ataques criminosos.

Fundos consideráveis terão de vir de empresas e do governo, assim como pesquisa para o sistema se manter à frente dos ciberterroristas. O plano de infraestrutura de US$ 2 trilhões (R$ 10,6 trilhões) do presidente Joe Biden dedica US$ 100 bilhões (R$ 530,21 bilhões) à rede de transmissão.

A busca por independência energética nunca foi uma linha reta, e houve muitos desvios infelizes. A dependência do petróleo do Oriente Médio foi uma importante consideração na ação militar e na estratégia diplomática, incluindo alianças com países como a Arábia Saudita, com um registro perturbador de direitos humanos.

Meio século atrás, o país mudou da queima de petróleo para aquecimento para contar mais com o carvão, o que contribuiu para a mudança climática.

Mas a busca pela independência energética também levou à inovação. O "fracking" —fraturamento hidráulico de depósitos de petróleo e gás natural— não apenas cortou as importações de energia como também tornou os EUA um grande exportador. De repente, petróleo e gás não eram mais uma vulnerabilidade de segurança nacional, mas um instrumento para promover os interesses americanos.

Nos últimos 15 anos, aproximadamente, a produção americana de petróleo e gás manteve os preços da energia baixos no país e no exterior, estimulando a economia global. As exportações de energia permitiram a Washington competir com as remessas de gás da Rússia para a Europa, ajudar aliados que importam muita energia, como o Japão, e bloquear os carregamentos de petróleo do Irã e da Venezuela.

Por outro lado, o boom do xisto também deixou algumas partes dos Estados Unidos mais vulneráveis.

Nos últimos anos, meia dúzia de refinarias na costa leste fecharam porque não podiam competir com refinarias mais avançadas na costa do Golfo, que se beneficiaram do petróleo e gás abundantes e baratos do Texas. Os fluxos no oleoduto Colonial, que liga as refinarias do Golfo a Nova Jersey, aumentaram constantemente para transportar quase a metade do combustível necessário na região.

Quando ocorrem furacões, e as refinarias no Golfo fecham, os preços da gasolina e do diesel tendem a subir na costa leste. Normalmente, isso não é um grande problema porque as companhias armazenam muito combustível perto de onde ele é utilizado, e caminhões e barcaças geralmente compensam a diferença.

Desta vez, porém, a incerteza sobre quanto tempo levaria para restabelecer o suprimento tornou o fechamento do oleoduto muito mais perturbador.

O ataque com pedido de resgate foi obra do grupo extorsionista DarkSide, responsável por dezenas de ataques a empresas em vários países. Mas ele não é o único grupo que se infiltra em sistemas de computadores para extorquir dinheiro. Outros são REvil, Maze e LockBit.

"A tecnologia avança tão rapidamente que você resolve um, dois ou 20 possíveis vulnerabilidades do seu sistema e os hackers encontram um modo diferente de invadir", disse Drue Pearce, que foi vice-administrador da Administração de Segurança de Materiais Perigosos e Oleodutos, órgão federal.

Os grupos criminosos representam uma ameaça para indústrias além da energética. Mas especialistas dizem que a energia é de preocupação particular porque é essencial para o funcionamento da economia. O risco não é menos complexo do que reduzir a dependência dos EUA do petróleo estrangeiro, disse Bill Richardson, ex-secretário de Energia.

"Esta é uma nova ameaça para a qual não estamos preparados."

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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