Inconsciente, e não apenas preconceito, leva a decisões ruins, diz Nobel de Economia

Daniel Kahneman lança nesta terça (18) livro sobre como evitar discrepância em avaliações

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Bruxelas

“Fala-se muito de preconceito, e com razão. Mas, por trás de decisões infelizes e julgamentos equivocados, existe outro tipo de erro que é preciso perceber, o ruído”, afirmou neste domingo Daniel Kahneman, professor emérito de psicologia em Princeton e ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2002.

Conhecido pela longa pesquisa sobre raciocínio e intuição que resultou no best-seller “Rápido e Devagar - Duas Formas de Pensar” e na vertente da economia comportamental, Kahneman lança nesta terça (18) um livro sobre essa fonte de erros menos percebida.

“Noise: A Flaw in Human Judgment” (Ruído: uma falha no julgamento humano, ainda sem tradução no Brasil) foi escrito em parceria com o professor de direito de Harvard Cass Sunstein e o professor de estratégia na escola de negócios HEC Paris Olivier Sibony.

No livro, eles detalham e exemplificam uma ideia apresentada já em 2016 pelo psicólogo israelense e outros três colegas: a de que o inconsciente pode cobrar um alto custo em tomadas de decisão empresariais.

“A qualidade dos julgamentos profissionais tem um impacto enorme e duradouro em todas as nossas vidas: na seleção de um candidato, nas avaliações de desempenho ou nas sentenças de um juiz”, afirmou Sunstein em seminário online do qual participaram os três autores.

Quando afetadas por preconceitos, por exemplo, essas decisões podem ser prejudiciais ao preterirem sempre candidatas mulheres, no caso de um selecionador machista, barrarem promoções a bons funcionários negros, quando o chefe é racista, ou resultarem sempre em penas mais duras a infratores pobres.

Por serem mais visíveis, esses erros têm sido combatidos em empresas e instituições, mas há outros prejuízos embutidos na grande variabilidade inconsciente de julgamentos, dizem os autores.

Pesquisas citadas por Kahneman mostraram que desenvolvedores de software solicitados em dois dias separados a estimar o tempo de conclusão de uma determinada tarefa deram respostas em média 71% diferentes, patologistas que avaliaram a gravidade dos resultados de uma biópsia a classificaram com bastante imprecisão (0,6, num máximo de 1) e funcionários de uma grande seguradora, instados a analisar um mesmo cliente, forneceram avaliações de risco que variavam em até 55%.

A conclusão é que profissionais muitas vezes tomam decisões que se desviam significativamente das de seus pares, das suas próprias decisões anteriores e de regras que eles próprios afirmam seguir, afirmou o professor de Princeton. Isso ocorre por fatores inconscientes diversos, por fatos cotidianos aleatórios e até pelo clima.

“É o ruído que explica por que os médicos prescrevem mais medicamentos no final do dia do que no início ou por que as sentenças judiciais tendem a ser mais severas quando faz muito calor”, exemplifica Sunstein.

Segundo ele, é justamente para evitar esse custo que algumas empresas estão trocando a avaliação humana por algoritmos: “Eles são à prova de ruído: se você fornecer sempre os mesmos dados e o mesmo objetivo, o conjunto de regras o levará à mesma solução”.

O professor de Harvard citou experimentos feitos nos EUA, nos quais o uso de algoritmos em julgamento reduziu o número de pessoas presas, sem elevar a criminalidade.

“Mas somos governados e comandados por humanos, e por isso é relevante mostrar que o ruído existe e tentar reduzi-lo”, acrescentou Kahneman. No novo livro, o foco dos pesquisadores foi elencar processos que uma empresa pode adotar para evitar injustiças e ter mais coerência em suas decisões.

Batizado de “higiene das decisões”, o método não depende de que se saiba o que está criando o ruído, disse Sibony: “É como lavar as mãos. Você não sabe se está se livrando do coronavírus, de um vírus da gripe ou de uma bactéria, e isso não importa, desde que evite que você adoeça”.

Entre as recomendações está a de dividir cada avaliação em partes —no caso de uma contratação, por exemplo, opinar separadamente sobre a formação, a experiência, a desenvoltura e a empatia.

Quando julgamentos são tomados por um comitê, os autores sugerem que cada avaliador dê sua opinião sem conhecer a do colega (para evitar interferências). O que se quer, dizem os autores, não é pasteurizar as avaliações, mas “limpar” cada uma delas de uma variação inconsciente.

"Depois que os diversos atributos do candidato foram julgados de forma independente, aí, sim, pode-se recorrer à intuição para a escolha final”, afirmou Kahneman.

Como mostram suas pesquisas anteriores, as pessoas tendem a decidir rapidamente baseadas na intuição, o que prejudica o resultado. “Prolongar a análise é quase sempre benéfico”, afirmou.

Outra orientação é criar protocolos para casos de decisões recorrentes, como os que um piloto segue quando há um problema no avião, por exemplo. “Outro caso atual em que regras prévias ajudariam é em decidir qual conteúdo deve ser bloqueado numa rede social”, diz Sunstein.

Antes de tudo, diz ele, é fundamental reconhecer o problema. “Nenhuma técnica de redução de ruído será implantada se não entendermos que essa variabilidade extrema existe e provoca erros frequentes e grandes injustiças.”

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