Muito antes do divórcio, Bill Gates tinha fama de comportamento questionável no trabalho

Melinda Gates manifestou preocupação sobre a ligação de seu marido com Jeffrey Epstein e uma denúncia de assédio contra seu tesoureiro

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Emily Flitter Matthew Goldstein
Nova York | The New York Times

Quando Melinda French Gates decidiu encerrar seu casamento de 27 anos, seu marido era mundialmente conhecido como um pioneiro dos softwares, bilionário e importante filantropo.

Mas em alguns círculos Bill Gates também ganhou a reputação de ter comportamento questionável em ambientes de trabalho. Isso está atraindo um novo escrutínio para a separação de um dos casais mais ricos e poderosos do mundo.

Em 2018, Melinda não ficou satisfeita com o modo como seu marido lidou com uma alegação até então não revelada de assédio sexual contra seu antigo assessor financeiro, segundo duas pessoas inteiradas da questão. Depois que Bill Gates decidiu acertar o problema confidencialmente, Melinda insistiu em uma investigação externa. O assessor, Michael Larson, continua no cargo.

Bill Gates e sua então mulher, Melinda, durante entrevista em Nova York - Shannon Stapleton - 22.fev.2016/Reuters

Em algumas ocasiões, Gates se insinuou para mulheres que trabalhavam na Microsoft e na Fundação Bill e Melinda Gates, segundo pessoas diretamente informadas de seus atos. Em reuniões na fundação, ele às vezes não dava a devida atenção à sua mulher, segundo testemunhas.

E depois houve Jeffrey Epstein, que Gates conheceu no início de 2011, três anos depois que Epstein, que enfrentou acusações de tráfico de garotas, se declarou culpado de propor prostituição a uma menor de idade. Melinda manifestou desconforto com o fato de seu marido frequentar o infrator sexual, mas Gates continuou a fazê-lo, segundo pessoas que estavam nas reuniões com os dois ou foram informadas sobre elas.

Então, em outubro de 2019, quando a ligação entre Gates e Epstein explodiu diante do público, Melinda não ficou contente. Contratou advogados especializados em divórcio, iniciando um processo que culminou neste mês com o anúncio de que o casamento vai acabar.

Não está claro o quanto Melinda Gates sabia sobre o comportamento de seu marido ou até que ponto isso contribuiu para a separação.

O anúncio do divórcio chamou a atenção para uma união cuja dissolução tem grandes implicações sociais e financeiras. Diversas pessoas disseram que durante seu casamento Gates se envolveu em comportamento ligado ao trabalho que, segundo elas, era inadequado para uma pessoa no comando de uma grande empresa negociada em Bolsa e uma das entidades filantrópicas mais influentes do mundo.

Bridgitt Arnold, porta-voz de Bill Gates, desmentiu a caracterização da conduta dele e o divórcio do casal.

"É extremamente decepcionante que haja tantas inverdades publicadas sobre o caso, as circunstâncias e o cronograma do divórcio de Bill Gates", disse Arnold.

"A caracterização de seus encontros com Epstein e outros sobre filantropia é imprecisa, incluindo quem participou", continuou ela. "De modo semelhante, qualquer afirmação de que Gates falou sobre seu casamento ou sobre Melinda de forma depreciativa é falsa. A alegação de maus tratos a funcionárias também é falsa. Os rumores e especulações em torno do divórcio dos Gates estão ficando cada vez mais absurdos, e é muito triste que pessoas com tão pouco conhecimento da situação estejam sendo caracterizadas como 'fontes'."

Bill Gates e Melinda French se conheceram no trabalho. Ele era tecnicamente seu chefe —dirigia a Microsoft, e ela começou a trabalhar lá em 1987 como gerente de produto, no ano em que se formou na faculdade.

Durante seu relacionamento, os dois enfatizaram os aspectos românticos de seu namoro no escritório. Ele flertou com ela quando se sentaram juntos em uma conferência, depois a convidou para sair quando se encontraram em um estacionamento da empresa, segundo Melinda, que descreveu o início de seu relacionamento durante uma aparição em público em 2016.

Muito depois que eles se casaram, em 1994, Gates às vezes perseguia mulheres no escritório.

Em 2006, por exemplo, ele participou de uma apresentação de uma funcionária da Microsoft. Gates, que na época era o presidente da companhia, saiu da reunião e imediatamente enviou um email à mulher convidando-a para jantar, segundo duas pessoas inteiradas da situação.

"Se isso a deixar desconfortável, finja que nunca aconteceu", escreveu Gates no email, segundo uma pessoa que o leu para The New York Times.

A mulher ficou de fato desconfortável, disseram as duas pessoas, e decidiu que não havia acontecido.

Um ou dois anos depois, Gates estava em uma viagem a Nova York pela Fundação Gates. Ele viajava com uma mulher que trabalhava na fundação. De pé junto dela em uma festa, Gates baixou a voz e disse: "Quero me encontrar com você. Quer jantar comigo?", narrou a mulher.

Ela, que falou sob a condição do anonimato porque não queria atenção pública associada a descrever uma proposta indesejada, disse que se sentiu desconfortável, mas riu para evitar responder.

Seis funcionárias atuais e antigas da Microsoft, da fundação e da firma que administra a fortuna dos Gates disseram que esses incidentes, e outros mais recentes, às vezes criavam um ambiente de trabalho tenso. Gates era conhecido por fazer abordagens desajeitadas a mulheres no escritório e fora dele. Seu comportamento alimentava muitos comentários entre empregados sobre sua vida pessoal.

Algumas funcionárias disseram que embora reprovassem o comportamento de Gates não o consideravam predatório. Elas disseram que ele não pressionava as mulheres para aceitarem seus avanços pelo bem de suas carreiras, e parecia sentir que dava espaço para que elas recusassem suas propostas.

Mesmo assim, os atos de Gates iam contra a agenda de empoderamento feminino que Melinda pregava no cenário global. Em 2 de outubro de 2019, por exemplo, ela disse que gastaria US$ 1 bilhão para promover "o poder e a influência das mulheres nos Estados Unidos".

"Embora a maioria das mulheres hoje trabalhe em tempo integral (ou mais), ainda carregamos a maior parte das responsabilidades de cuidar dos filhos; enfrentamos assédio sexual e discriminação; somos cercadas por representações estereotipadas e preconceituosas que perpetuam normas de gênero prejudiciais", escreveu ela em uma coluna na revista Time anunciando a promessa.

Na fundação, Gates fazia questão que sua voz fosse a predominante, e podia ser depreciativo em relação a Melinda, fazendo alguns empregados da fundação resmungarem, segundo pessoas que participaram de reuniões da fundação com os Gates.

Em 2017, o casal enfrentou uma denúncia de assédio sexual contra um amigo próximo.

Durante quase 30 anos, Larson servira como assessor financeiro de Gates, ganhando sólidos retornos com a carteira de investimentos combinada da fundação e do casal Gates, de US$ 127 bilhões, através de uma operação secreta chamada Cascade Investment. A Cascade possuía ativos como ações, títulos, hotéis e extensas terras agrícolas, e também aplicava o dinheiro dos Gates em outros veículos de investimento. Um deles era uma firma de capital de risco chamada Rally Capital, que fica no mesmo prédio ocupado pela Cascade em Kirkland, no estado de Washington.

A Rally Capital tinha participação proprietária em uma loja de bicicletas próxima. Em 2017, a mulher que administrava a loja contratou um advogado, que escreveu uma carta a Gates e a Melinda.

A carta dizia que Larson havia assediado sexualmente a gerente da loja, segundo três pessoas inteiradas da acusação. Segundo a carta, a mulher tentou lidar com a situação por conta própria, sem sucesso, e pedia ajuda aos Gates. Se eles não resolvessem o caso, dizia a carta, ela poderia mover uma ação legal.

A mulher chegou a uma solução em 2018, quando assinou um acordo de confidencialidade em troca de um pagamento, disseram as três pessoas.

Enquanto Gates achava que havia encerrado o assunto, Melinda não ficou satisfeita com o resultado, disseram duas das pessoas. Ela pediu que uma firma de advocacia realizasse uma revisão independente das denúncias da mulher e da cultura da Cascade. Larson foi colocado sob aviso prévio enquanto a investigação se desenrolava, mas acabou sendo readmitido. (Não está claro se a investigação isentou Larson.) Ele continua encarregado da Cascade.

Um porta-voz de Larson não quis comentar.

Cerca de um ano após o acordo —e menos de duas semanas depois da coluna de Melinda Gates na Time—, o The New York Times publicou um artigo detalhando a relação de Bill Gates com Epstein. O artigo contou que os dois tinham convivido em várias ocasiões, voando no jato privado de Epstein e participando de uma reunião tarde da noite em sua casa em Manhattan. "O estilo de vida dele é muito diferente e intrigante, mas não funcionaria para mim", disse Gates em email a colegas em 2011, logo depois que conheceu Epstein.

(Arnold, a porta-voz de Gates, disse na época que ele lamentava a relação com Epstein. Ela disse que Gates não sabia que o avião pertencia a Epstein e que Gates se referia à decoração original da casa de Epstein.)

O artigo no Times incluía detalhes sobre as interações de Gates com Epstein que Melinda não sabia, segundo pessoas inteiradas do assunto. Pouco depois de sua publicação, ela começou a consultar advogados especializados em divórcio e outros assessores que ajudariam o casal a dividir seus bens, disse uma das pessoas. O Wall Street Journal havia relatado anteriormente o momento da contratação dos advogados.

As revelações no Times foram especialmente perturbadoras para Melinda, porque ela já havia manifestado seu desconforto com a amizade de seu marido com Epstein, que se suicidou sob custódia federal em 2019, pouco depois de ser acusado de tráfico sexual de meninas. Melinda expressou sua inquietação no outono de 2013, depois que ela e Bill jantaram com Epstein na casa dele, segundo pessoas informadas do jantar e suas consequências. (O incidente foi relatado antes por The Daily Beast.)

Durante anos, Gates continuou indo a jantares e reuniões na casa de Epstein, onde este geralmente se cercava de belas jovens, segundo duas pessoas que estiveram lá e outras que souberam das reuniões.
Arnold disse que Gates nunca frequentou Epstein ou esteve em suas festas, e ela negou que belas jovens participassem das reuniões. "Bill só se encontrava com Epstein para conversar sobre filantropia", afirmou Arnold.

Pelo menos em uma ocasião, Gates comentou na presença de Epstein que estava infeliz no casamento, segundo pessoas que ouviram os comentários.

Epstein ofereceu seus serviços de assessoria fiscal e captação de fundos a Gates, embora não haja indícios de que Gates fizesse negócios com ele, segundo pessoas familiarizadas com a proposta e as finanças de Epstein.

Algum tempo depois de 2013, Epstein levou Gates para conhecer Leon Black, chefe da Apollo Investments, que tinha uma relação multifacetada de negócios e pessoal com Epstein, segundo duas pessoas informadas da reunião, que ocorreu nos escritórios da Apollo em Nova York.

Não está claro se Melinda estava ciente das últimas reuniões com Epstein. Uma pessoa que falou recentemente com ela disse que "ela decidiu que seria melhor deixar o casamento e passar para a próxima fase de sua vida".

Traduzido originalmente do inglês por Luiz Roberto M. Gonçalves

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