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Separação de Bill e Melinda Gates expõe fortuna secreta

Casal tem ativos que vão de terras agrícolas a relíquia de Da Vinci

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The New York Times

A fortuna de Bill Gates e Melinda French Gates excede o PIB (Produto Interno Bruto) do Marrocos, equivale ao valor combinado das empresas Ford, Twitter e Marriott International, e é três vezes maior que a dotação da Universidade de Harvard. Embora pouca gente saiba como essa riqueza será dividida no divórcio, uma coisa fica clara: a separação não será fácil.

Gates criou uma das grandes fortunas da história humana ao fundar a Microsoft, com Paul Allen, em 1975. O patrimônio líquido dos Gates é estimado em mais de US$ 124 bilhões (R$ 654,8 bilhões), e inclui ativos tão diversos quanto imóveis de alta procura, ações em empresas de capital aberto e artefatos raros.

Eles têm uma grande participação acionária na cadeia de hotéis de luxo Four Seasons e controlam centenas de milhares de hectares de terras agrícolas e de pecuária, entre as quais o histórico rancho de Buffalo Bill no Wyoming.

Também estão em jogo bilhões de dólares em ações de companhias como a AutoNation e a Waste Management. Eles têm uma mansão de frente para o mar no sul da Califórnia e são donos de um dos cadernos de anotações de Leonardo da Vinci.

“O montante de dinheiro e a diversidade de ativos envolvidos nesse divórcio são quase inimagináveis”, disse David Aronson, advogado que já representou clientes endinheirados em casos de divórcio. “É raro que aconteçam casos com valor nem que próximo ao desse”.

Bill Gates e Melinda Gates, que recentemente anunciaram o divórcio - Elizabeth Shafiroff - 20.set.17/Reuters

Apenas o divórcio entre o fundador da Amazon, Jeff Bezos, e sua agora ex-mulher, a romancista e filantropa MacKenzie Scott, em 2019, foi maior.

Bezos tinha uma fortuna estimada em US$ 137 bilhões (R$ 723 bilhões), ainda que formada em sua maioria por ações da Amazon, e Scott ficou com 4% das ações da companhia, que valiam US$ 36 bilhões (R$ 190 bilhões) naquele momento.

Mas Gates vem diversificando seus investimentos há décadas. Ele detém apenas 1,3% da Microsoft. Sua carteira de ações inclui participações em dezenas de companhias de capital aberto. Ele é o maior proprietário individual de terras agrícolas nos Estados Unidos, de acordo com The Land Report.

Além da participação no Four Seasons, ele tem ações em outras cadeias de hotéis de luxo e em uma companhia que atende a proprietários de jatinhos executivos. Seu portfólio imobiliário inclui uma das maiores casas do país e diversas instalações associadas à criação e adestramento de cavalos. Ele controla parte de um fundo de investimento em energia limpa e de uma startup de energia nuclear.

Também há a Melinda and Bill Gates Foundation. Distinta do restante da fortuna de Gates, com dotação de US$ 50 bilhões (R$ 264 bilhões), a fundação é uma das maiores organizações de caridade do planeta e desempenha um papel unicamente importante para a saúde pública mundial.

A dotação da fundação é controlada por um fundo e não pode ser dividida como parte das propriedades do casal, ainda que restem questões sobre se ela continuará a receber a maior parte de suas doações para caridade quando a separação estiver concluída.

O casal tem um acordo em vigor quanto a uma separação, de acordo com o pedido de divórcio apresentado por Melinda French Gates, mas os detalhes não foram revelados. O pedido pede ao tribunal que divida os imóveis, propriedades pessoais e dívidas do casal de acordo com os termos ditados pelo acordo. Os advogados de French Gates estão trabalhando em um plano para a separação de alguns dos ativos desde 2019, disse uma pessoa informada sobre o assunto.

Advogados de divórcio que não estão envolvidos no caso Gates dizem que alguns dos ativos pessoais podem ser difíceis de avaliar, difíceis de separar e altamente complexos. Parte da riqueza já foi dividida. Pouco depois do anúncio de que eles se divorciariam, US$ 2,4 bilhões (R$ 12,6 bilhões) em ações da AutoNation, Canadian National Railway e de duas companhias mexicanas que pertenciam ao casal foram transferidos a French Gates, o que a torna bilionária por direito próprio.

Mas pode ser mais difícil preparar uma lista que contenha todas as suas propriedades, item por item.
“Divórcios são um dos momentos em que as coisas e abrem e se iluminam”, disse Chuck Collins, pesquisador sênior no Institute for Policy Studies in Washington e autor de um livro sobre como os bilionários escondem suas fortunas.

Mas ele acrescentou que acordos e arranjos pré-nupciais são concebidos de forma a proteger a privacidade. “Há porções dos acordos pré-nupciais que tratam do sigilo sobre todos os fundos e propriedades de uma família”, ele disse. “Eles já têm tudo isso alinhado antes de se apaixonar”.

Ao mesmo tempo, advogados apontam que as questões que causam fricção em um divórcio comum ficam completamente ausentes nas separações de pessoas estratosfericamente ricas.

“É quase mais simples decidir um caso como esse, se as partes assim quiserem, do que decidir um caso entre pessoas que vivem confortavelmente mas que não terão mais como viver tão confortavelmente quando tudo for dividido ao meio”, disse Aronson. “Para pessoas como os Gates, as coisa só mudam no sentido de quantos bilhões de dólares eles poderão dedicar ao que quer que desejem fazer”.

Uma fortuna administrada sigilosamente

Em posição central na fortuna dos Gates e no controle da dotação da Gates Foundation está uma entidade pouco conhecida chamada Cascade Investment. Sediada em Kirkland, Washington, e dirigida por Michael Larson, antigo administrador de fundos da Putnam Investment, a Cascade cuida dos fundos da fundação e da maior parte da riqueza pessoal de Gates e de French Gates há décadas.

Gates começou a reduzir sua participação na Microsoft quando da oferta pública inicial de ações da companhia, em 1986. Até então, ele era dono de 45% das ações, uma fatia que valia US$ 350 milhões (R$ 1.848 bilhão), naquele momento.

Hoje, seu patrimônio líquido é estimado em US$ 124 bilhões (R$ 654,8 bilhões), de acordo com a revista Forbes, ou US$ 146 bilhões (R$ 771 bilhões), de acordo com a companhia de pesquisa Wealth-X.

Se a dotação da Gates Foundation e a fortuna pessoal dos Gates foram somadas, a Cascade provavelmente administra ativos que a colocam em categoria semelhante ou superior à de alguns dos maiores fundos de hedge do planeta.

Larson opera a Cascade com um nível obsessivo de sigilo e se esforça muito por ocultar as transações da companhia, para que não possam ser conectadas aos Gates. Em entrevista à revista Fortune em 1999, Larson disse ter escolhido o nome “Cascade” por ser um nome genérico e com alguma associação à região noroeste dos Estados Unidos.

A estratégia de gestão de patrimônio de Larson tem por base o investimento em valor – uma abordagem de longo prazo que envolve identificar ações sólidas e cotadas abaixo de seu valor real. É uma abordagem frequentemente associada a Warren Buffett, que é muito amigo de Gates.

Larson se concentra em comprar e manter participações em companhias com propriedades físicas, em lugar de ações de tecnologia de alto crescimento. (Gates escolhe seus investimentos em alta tecnologia, e os mantém separados da Cascade.)

A estratégia funciona bem para fundações e para a gestão de patrimônio familiar, duas coisas que tendem a se concentrar mais na preservação da riqueza do que em realizar apostas arriscadas.

“Ele vem obtendo os melhores resultados possíveis há décadas, com absoluta discrição”, disse Roger McNamee, investidor do Vale do Silício que ajudou a fundar o grupo de capital privado Elevation Partners e trabalhou com Larson no passado.

Larson se interessa especialmente por hotéis de luxo, e aposta em que esse tipo de propriedade sobrevive a recessões melhor do que hotéis populares. A Cascade é dona de diversos hotéis Four Seasons, entre os quais um em Whistler, Canadá, e é dona do Charles Hotel, em Cambridge, Massachusetts.

Em 2007, Gates formou uma parceria com o príncipe Alwaleed bin Talal para adquirir a administradora da cadeia Four Seasons por US$ 3,8 bilhões (R$ 20 bilhões), e cada um deles ficou com 47,5% da companha. Ainda que a Cascade tenha afirmado que tem um compromisso em longo prazo para com a cadeia Four Seasons, nos últimos anos, a Cascade e a Kingdom Holding, que administra o patrimônio do príncipe Alwaleed, flertaram com a ideia de vender ao menos parte de sua participação, de acordo com uma pessoa informada sobre o raciocínio dos dois grupos.

No final de 2019, Gates e o príncipe Alwaleed discutiram a possibilidade de uma oferta pública inicial de ações que avaliaria a companhia em US$ 10 bilhões (R$ 52,8 bilhões), disse a pessoa. A ideia de uma oferta inicial ou de uma venda privada de uma ou de ambas as participações voltou a ser mencionada nos últimos meses, acrescentou a fonte.

Funcionários da Kingdom não responderam a pedidos de comentário. Um porta-voz da Cascade não quis comentar.

O futuro da filantropia dos Gates

Gates e French Gates desempenharam papel tão importante na filantropia internacional que questões sobre o futuro da Gates Foundation surgiram assim que a notícia do divórcio apareceu.

A fundação direciona bilhões de dólares a 135 países, para ajudar a combater a pobreza e doenças. Até 2019, suas doações atingiam os US$ 55 bilhões (R$ 290 bilhões). Em 2006, Warren Buffett prometeu US$ 31 bilhões (R$ 163 bilhões) de sua fortuna à Gates Foundation, o que ampliou em muito a capacidade de doação da organização.)

Desde que deixou o comando das operações cotidianas da Microsoft, em 2008, Gates dedicou boa parte de seu tempo à fundação. Ele também dirige a Gates Ventures, uma empresa que investe em companhias que trabalham para combater a mudança do clima e quanto a outras questões.

Ao longo das décadas, Gates deixou para trás a imagem de um executivo de tecnologia impiedoso que combatia o governo dos Estados Unidos em processos antitruste e ganhou reputação internacional como doador. E ele parece estar muito ciente do forte contraste entre a escala de sua riqueza e seu papel como filantropo.

“Fui recompensado de forma desproporcional pelo trabalho que fiz –enquanto muitas outras pessoas que trabalham com o mesmo afinco enfrentam dificuldades para sobreviver”, ele reconheceu em um post de final de ano em seu blog, em 2019.

A Bill and Melinda Gates Foundation foi criada em 2000. Hoje, Bill e Melinda são copresidentes da fundação, e esta disse que isso não mudará quando o divórcio for concluído.

Mas French Gates recentemente começou a falar mais em público sobre os esforços de seu outro negócio, a Pivotal Ventures, que se concentra na igualdade de gêneros e no progresso social. Não se sabe de que recursos ela disporá quando o divórcio for concluído, mas French Gates provavelmente ainda manterá enorme influência no mundo da filantropia.

“Não há explicação sobre de que maneira alguém chega a uma situação de privilégio como essa”, disse French Gates ao The New York Times no ano passado. “Simplesmente explicação nenhuma”.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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