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Sucessor de Warren Buffett é visto como habilidoso, mas levanta dúvidas no mercado

Greg Abel fez carreira na área de operações de energia elétrica

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Eric Platt James Fontanella-Khan
Nova York | Financial Times

Mais de uma década antes de os investidores da Berkshire Hathaway receberem uma resposta sobre quem irá suceder Warren Buffett, os membros da companhia já estavam cultivando o nome de Greg Abel para o cargo.

David Sokol, então presidente-executivo de operações de energia que respondiam por boa parte dos ativos do grupo, disse a Buffett em 2007 que queria transferir seu cargo a Abel, dizendo que era hora de o seu “braço direito” assumir o comando.

Abel havia trabalhado lado a lado com Sokol, negociando algumas das transações mais complexas que ele conduziu, entre as quais a aquisição de gasodutos depois do colapso da Enron, que foi resolvida ao longo de um final de semana. Buffett hesitou, inicialmente, mas por fim se deixou convencer.

“Existe um motivo para que em 2008 eu tenha entregado o posto de presidente-executivo a Abel”, disse Sokol. “Eu estava no cargo há tempo demais, e minha opinião franca era de que Greg era melhor no trabalho do que eu”.

O bilionário Warren Buffett, presidente-executivo da Berkshire Hathaway - Johannes Eisele - 3.mai.17/AFP

Abel havia percebido o potencial de uma pequena empresa de imóveis que havia sido adquirida em companhia de uma empresa muito maior de infraestrutura; outros executivos entendiam aquela aquisição apenas como manobra contábil.

A empresa HomeServices tornou-se uma das joias da coroa da Berkshire Hathaway, e uma das maiores corretoras imobiliárias residenciais dos Estados Unidos.

Sokol também se lembra da velocidade com que Abel agiu para cortar custos e melhorar a eficiência da Northern Electric, que o grupo havia acabado de adquirir no Reino Unido, na década de 1990. Abel se mudou para o outro lado do Atlântico a fim de ajudar a administrar a companhia.

“Depois de duas reuniões, estávamos conversando e Greg tinha uma folha de papel mostrando os cortes em diversas camadas”, ele disse.

Sokol mesmo pareceu ser o herdeiro natural de Buffett um dia, mas ele deixou a companhia em 2011 depois de um escândalo relacionado à compra de ações na Lubrizol, uma empresa que a Berkshire Hathaway adquiriria mais tarde.

As autoridades financeiras dos Estados Unidos investigaram as transações, mas não levaram o caso à Justiça.

Uma segunda questão existencial

A indicação de Abel como herdeiro oficial de Buffett, 90, na semana passada, responde a uma pergunta que sempre pendeu sobre a Berkshire Hathaway, mas não pôs fim a um debate talvez mais importante: a companhia tem motivo para existir sem Buffett e seu veterano conselheiro, Charlie Munger, 97, no controle?

O grupo foi criado à imagem de Buffett e é diferente de todas as outras grandes corporações americanas. Controla uma vasta coleção de negócios, que vão de seguradoras como a Geico à ferrovia Burlington Northern passando por lojas de móveis, concessionárias de automóveis e empresas de eletricidade. Mas igualmente importante são seus investimentos em companhias de capital aberto —participações em empresas como a Apple e o Bank of America—, que fazem da Berkshire Hathaway mais um fundo mútuo do que uma companhia comum.

Abel, 58, nascido no Canadá, pode ser um operador habilidoso, mas não se sabe se ele será um investidor astuto o suficiente, comentaram discretamente alguns investidores na companhia.

Até agora, os investidores tiveram apenas oportunidades fugazes para conhecê-lo. Abel em geral, evita a mídia —recusou-se a responder esta matéria— e suas aparições diante de investidores foram sempre breves.

Em 2020, em meio à pandemia, ele subiu com Buffett a um palco vazio para responder a perguntas de acionistas, no entanto, suas respostas foram limitadas, e tratavam principalmente dos negócios que ele supervisiona.

O papel de dar os sábios conselhos que, para muitos investidores, são o principal motivo para participar dos eventos da Berkshire Hathaway ficou reservado ao chefe. Foi apenas neste mês que os investidores puderam recolher informações um pouco mais substanciais sobre Abel.

A reação inicial foi calorosa, porque Abel impressionou os analistas com o seu conhecimento do negócio de energia e fez uma apresentação forte sobre como a companhia poderia reduzir suas emissões de poluentes.

Pessoas que trabalharam com ele o descrevem como “muito determinado”, “disciplinado” e possuidor de uma “capacidade única” para vasculhar quantidades imensas de informação e determinar o que é importante, um traço que ele compartilha com Buffett.

Ron Olson, que é parte do conselho da Berkshire Hathaway, acrescentou que Abel é uma pessoa “que fala sem rodeios” e que havia absorvido a cultura da empresa diretamente de Buffett e Munger, nos últimos 10 anos.

“Ele não vai ter a personalidade de Warren, mas tem a mesma credibilidade e integridade que sempre se revelaram em Warren”, disse Olson, acrescentando que “a ética de trabalho de Abel é muito forte”.

“Ele cresceu na neve, jogando hóquei, e tem diversas próteses nos dentes para provar o fato. E esse tipo de competitividade transparece”, disse Olson.

Energia para subir

Abel encontrou seu lugar na Berkshire Hathaway, por intermédio de uma das numerosas aquisições realizadas pela empresa. Depois de trabalhar como contador na PwC, em São Francisco, em 1992, ele foi contratado por um dos muitos clientes do grupo de auditoria na área de energia, uma pequena empresa chamada CalEnergy.

“Tudo que eu pedia a ele era feito com 125% de eficiência, e ele também observava as coisas ao redor para melhorá-las do mesmo jeito”, disse Sokol, que na época comandava a CalEnergy. “Greg não precisava ser orientado com frequência. O que lhe faltava eram oportunidades, e só”, disse.

A CalEnergy, dirigida por Sokol e Abel, realizou uma série de aquisições antes de ser adquirida pela Berkshire Hathaway, em 2000. Antes dos 40 anos, Abel já havia se tornado presidente e vice-presidente de operações da divisão de energia da companhia, e viria a deter uma valiosa participação acionária de 1% no grupo.

Foi lá que ele adquiriu boa parte de sua experiência como condutor de transações. A divisão foi responsável por muitas das maiores tomadas de controle realizadas pela Berkshire Hathaway, um fato que não passou despercebido aos acionistas que se queixam sobre a imensa reserva de caixa de US$ 145,4 bilhões (R$ 759,1 bilhões) que o conglomerado acumulou.

Abel esteve profundamente envolvido na aquisição da PacifiCorp pela companhia, por US$ 5 bilhões (R$ 26,1 bilhões )em 2004, em sua aquisição da NV Energy, de Nevada, por US$ 10,4 bilhões (R$ 54,2 bilhões), em 2013, e em uma das transações mais recentes do grupo: a compra das operações de oleodutos da Dominion Energy por US$ 8 bilhões (R$ 41,7 bilhões), no ano passado.

“O negócio de fusões e aquisições pode ser comparado a um namoro, em boa parte, e Greg é muito charmoso ao namorar”, disse uma pessoa que negociou transações com Abel.

Thomas Russo, sócio gestor da Gardner Russo & Quinn, que investe na Berkshire Hathaway há muito tempo, disse que era essa capacidade de “colocar em ação volumes imensos de capital” que fazia de Abel a escolha natural como sucessor de Buffett.

Ainda não está claro se Abel terá mais sucesso do que Buffett em colocar em uso as reservas da companhia.

O manual de negócios da Berkshire Hathaway, que sempre buscou evitar batalhas de aquisição, reduziu as transações da empresa em um momento no qual outras companhias e investidores também contam com ampla disponibilidade de capital.E Abel ainda não demonstrou que está disposto a abandonar a fórmula.

A proposta fracassada de aquisição da Oncor Energy, por US$ 18 bilhões (R$ 93,9 bilhões) em 2017, um negócio que Abel havia, praticamente, costurado, antes de ser atropelado por um lance concorrente, sublinha “a fidelidade de Greg aquele estilo” de operar, disse uma pessoa que trabalhou em transações com ele.

Não se sabe como Abel trabalharia com os demais membros da equipe formada por Buffett, caso ele assuma o posto, entre os quais Todd Combs e Ted Weschler, que ajudam a administrar a carteira de investimentos da empresa, e Ajit Jain, vice-presidente do conselho da Berkshire Hathaway e comandante de suas valiosas operações de seguros.

Jain descreveu o relacionamento entre os dois como respeitoso, porém diferente daquele que Buffett e Munger cultivaram ao longo dos anos.

O escrutínio dos investidores vai crescer ainda mais, com o acúmulo de reservas de caixa e o aumento da pressão sobre a Berkshire Hathaway quanto a poluentes e ações anticompetitivas.

A divisão de energia da empresa, na qual Abel desempenha um papel-chave, tem sido alvo de atenção em especial. As operações de energia da companhia no estado de Nevada gastaram muito dinheiro em lobby em 2018 para derrotar uma proposta que teria desregulamentado o negócio de energia no estado.

“Eles protegem seu monopólio da maneira que for necessária”, disse Nora Mead Brownell, que foi comissária na Comissão Federal de Regulamentação de Energia americana. “Acho que Warren representa um conjunto de valores, que são executados pelos Greg Abel desse mundo”, acrescentou.

Embora Abel já tenha sido selecionado pelo conselho, a empresa ainda não lhe entregou oficialmente o comando. O conselho, afinal, está preparando a sucessão no grupo há uma década.

“Resta muita vida a Warren. Quero enfatizar esse fato”, disse Olson. “Greg é o nosso homem, no momento. Dentro de 10 anos, quem saberá?”

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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