Tudo bem filho interromper reunião, diz executiva do UBS após vencer doença rara e meses longe de gêmeos

Teodora Barone, 33, conta que sua vida mudou quando perdeu parte da visão e temeu nunca mais ver filhos

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São Paulo

Enquanto muitas mulheres lutaram, em 2020, para não sucumbir ao estresse pelo excesso de trabalho com emprego, filhos e casa em meio à pandemia da Covid-19, a executiva Teodora Barone, 33, batalhava contra uma doença rara que lhe tirou, de forma repentina, a convivência com sua família.

As três internações para o tratamento da aplasia de medula óssea —também conhecida como anemia aplástica grave— privaram a diretora-executiva do banco UBS BB de meses de contato físico com os filhos gêmeos Victoria e Pedro, hoje com dois anos e seis meses.

Mas Teodora conta que, em vez de pensar no que faltou ou falta em sua vida, passou a repetir para si mesma que o importante é que “está tudo bem”.

Teodora Barone, 33, executiva que sempre trabalhou muito e reviu suas prioridades após enfrentar doença rara e ficar meses longe dos filhos - Adriano Vizoni/Folhapress

“Passei a me preocupar muito menos com coisas como ‘o que vão falar de mim se meu filho fizer barulho no meio da chamada?’ Entendi que a Teodora precisava mudar para que os papéis pelos quais eu luto tanto existam”, diz.

Bem-humorada, ela relembra o que passou —incluindo uma contaminação, em março deste ano, pelo coronavírus —de forma leve. “Meu médico chegou a me xingar quando soube que eu estava com Covid”, diz ela, que espera passar o Dia das Mães em casa, curtindo os filhos.

A seguir, o seu relato sobre a experiência.

Eu me formei na FGV [Fundação Getulio Vargas] em 2009 como administradora de empresas e trabalhei no mercado financeiro desde então, nas áreas de emissões de ações e fusões e aquisições, em bancos de investimento de renome.

Minha carreira foi pautada por sucesso muito cedo, graças a Deus. Meus pares se referiam a mim como um trator, alguém que trabalha muito, é ponta firme.

O fato de ser mulher, nesse ambiente, veio com uma cobrança adicional, de mim mesma, para me adaptar às circunstâncias e ao estilo de gestão dos meus colegas, em sua maioria homens.

Passei a carreira, inclusive enquanto estava grávida, sendo uma mulher que queria sempre ultrapassar meus limites, colocar metas cada vez mais exigentes para mim mesma.

Gosto de desafios, sou competitiva dentro do meu trabalho, que é buscar clientes para o banco. Gosto de ser uma das que mais geram receita dentro do banco e entre os pares de outros bancos. E nunca deixei que um cansaço ou o estresse me tirassem dessa toada.

Depois, me dei conta de situações para as quais deveria ter olhado com mais detalhe e não olhei. Depois de ser mãe, eu não dormia mais tão bem. Passei a sentir fraquezas ao longo do dia, que eu creditava a não estar comendo bem, porque deixava de comer para fazer mais reuniões, conciliar as tarefas do meu dia.

Estava com unha e cabelo feitos, mas no fundo eu estava em segundo plano, vendo as questões da minha casa, de maternidade, do banco, mas sem olhar para minha saúde.

Eu acreditava que pessoas com problema de saúde muito grave tinham um piripaque, desmaiavam, ficavam muito doentes, prostradas. E, com isso, ia postergando tudo, desde dentista até qualquer coisa que eu achava bobagem. Até que o meu marido insistiu para fazermos um checkup, porque havia muito tempo não fazíamos. Então, fiz exames de sangue.

Em uma sexta, em novembro de 2019, às 22h, estava jantando comida chinesa com meu marido, reclamando que os resultados dos exames não tinham saído ainda e brincando que o laboratório era ineficiente e que, por isso, suas ações não iam bem.

E, então, meu médico me ligou e falou: “Teodora, você precisa ir agora para o hospital porque tem que ser internada imediatamente”.

Deixei as crianças dormindo com a babá, que tinha pedido demissão naquele dia. Fui para o Sírio Libanês com meu marido, direto para a UTI, e fiquei lá dois meses e meio.

Fui internada sem sentir nada. Mas minha medula tinha parado de funcionar sem motivo aparente. Foram meses até termos um diagnóstico. Hoje, sei que tenho aplasia de medula muito severa. É uma doença extremamente rara, em que não se fala em cura, mas em sobrevida.

Na busca pelo meu diagnóstico, os médicos não podiam começar nenhum tratamento, só me manter viva. Eu cheguei a não ter plaquetas identificáveis no sangue. Elas desapareceram. Não podia me mexer. Não tinha mais hemoglobina. E minhas células brancas eram quase inexistentes.

As próprias bactérias do organismo começaram a me atacar. Quase morri de amigdalite durante a internação. Em julho, em um período em que havia tido alta, tive um AVC (acidente vascular cerebral) transitório. Apesar de tudo, jamais acreditei que aquilo ia me tirar a vida.

Sempre achei que fosse forte, mas descobri a intensidade disso quando estava internada na sessão de transplante de medula óssea, que acabei não fazendo porque não achei doador. Meu marido tinha saído do quarto por alguns minutos e eu estava almoçando.

Comi olhando para a janela, e, de repente, vi umas bolas no meu olho e perdi completamente a visão do olho direito. Eu estava sozinha no quarto, e a primeira coisa que fiz foi tapar o meu olho direito para checar se enxergava com o esquerdo. Quando percebi que ele estava funcionando, pensei: “Graças a Deus eu vou ver meus filhos”.

Aquilo foi um divisor de águas porque percebi que não importava em nada quantas fotos eu tinha tirado a vida inteira. Eu era neurótica por tirar foto de tudo, fazer álbum. Mas o que importava eram as memórias que eu tinha na cabeça em relação a eles. Fui tentando lembrar tudo que eu tinha sentido e vivido naqueles dois aninhos.

A partir daquele dia, virou uma chave importante que me fez passar a ligar muito menos para o que as pessoas falam de mim ou sobre como me enxergam. Passei a me preocupar muito menos com “o que vão falar de mim se meu filho fizer barulho no meio da chamada?”.

Se isso acontecer comigo agora, se a criança entrar e fizer a maior anarquia, eu aprendi, de uma forma muito absurda, a agradecer. Está tudo bem eles entrarem aqui e fazerem anarquia. Quem vai morrer por isso?

Se o meu cliente vai deixar de fazer um negócio comigo porque meu filho apareceu na ligação, eu não perdi nada. Ele já não era meu. Aprendi a colocar as coisas na mão do destino de forma mais leve. Aprendi que não controlo o destino.

Hoje, faço parte dos 20% [de pessoas que têm a mesma doença] que, teoricamente, tiveram sucesso muito grande com uma medicação específica e somente ela.

Se pudesse voltar —e espero mudar isso daqui para a frente no meu retorno ao trabalho—, tentaria não exagerar na busca pelo perfeccionismo nos diferentes papéis que desempenho, como mulher, profissional, mãe.

Eu fazia tudo com uma ansiedade extremamente grande, somatizando muita coisa e misturando os papéis. Trabalhava pensando no que tinha que fazer com meus filhos, com meu marido, pra mim. E terminava o dia sentindo que tinha perdido mais que ganhado. Eu pensava: “Nossa, hoje tive que parar para fazer tal coisa e não consegui fazer a outra”.

Agora penso: “Está tudo bem, cara”. As pessoas usam muito a palavra “mindfulness”, não sei se aplica nesse caso, mas pelo que li se aplica, que é você se dedicar àquela atividade naquele momento e tentar manter “o tudo bem” sempre na sua cabeça.

Depois que fiquei bem, há um mês, de vez em quando, eu volto a ser a Teodora lá de trás. Ela volta a aparecer de vez em quando. Aí, paro e penso: “Lembra aquele dia que a visão sumiu?”, porque ele foi muito emblemático para mim. E tento voltar a me treinar a lembrar do “está tudo bem”.

Eu sempre via meu dia tentando lembrar se estava faltando algo. Às vezes, era “tá faltando terminar alguma coisa”, que era o curto prazo, ou “tá faltando eu conquistar tal coisa”, que era o médio e o longo.

Eu passava o dia pensando “tá faltando eu comprar tal coisa, tá faltando meu filho andar, tá faltando ele usar o banheiro, tá faltando eu emagrecer...”.

Quando percebi que eu poderia perder tudo e tudo acabar em questão de segundos... O que eu tive, todo o mundo pode ter, e todo o mundo pode morrer daqui a cinco minutos por um motivo qualquer.

Hoje, estou bem, a doença está controlada, recuperei quase 100% da visão do olho direito. Mas posso ter passado por tudo isso e morrer por uma coisa boba.

Então, quando eu internalizei essa situação, entendi que a Teodora precisava mudar para que os papéis pelos quais eu luto tanto existam.

Eles podem coexistir em harmonia desde que eu saiba que existe um limite do que eu controlo e não tentar controlar o incontrolável.

E, quando você entende que você não controla tudo, aprende a ter mais compaixão, inclusive em relação a você mesma.

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