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Vetos à publicidade de licitações e contratações são inconstitucionais

Nova lei sobre o tema tem flagrante vício de origem

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Adilson Abreu Dallari

Professor titular de Direito Administrativo pela PUC-SP, autor de estudos e pareceres sobre licitações e contratos. Consultor jurídico

A nova lei de licitações e contratações públicas tem um flagrante vício de origem, que repercutiu na redação de seus dispositivos e comprometeu a constitucionalidade de dois vetos apostos pelo presidente da República em artigos que dispunham sobre a publicidade dos atos praticados no desenvolvimento dos processos de licitação e de contratação.

Nos termos do artigo 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, compete à União expedir normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a União, estados, Distrito Federal e municípios.

Norma geral é aquela que cuida de determinada matéria de maneira ampla, comportando aplicação uniforme pela União, estado e município. Não é norma geral aquela que cuida de minúcias, detalhes e particularidades.

A Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, não estabeleceu normas gerais. Ao contrário, tratou de todos os detalhes do procedimento licitatório e da celebração e execução dos contratos.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que sancionou a nova lei de licitações - Evaristo Sá - 20.mai.21/AFP

O resultado disso é que ela é, claramente, uma lei federal, redigida para atender às especificidades do aparelho administrativo do Poder Executivo da União. Reconhecendo, implicitamente, as dificuldades de adaptação a seus minuciosos dispositivos pelos estados e, principalmente, para a maioria dos municípios brasileiros, ela, prudentemente, em seu artigo 193, ressalvou a sobrevivência, facultativa, por dois anos, da antiga legislação.

O problema está na publicidade de licitações e contratos, disciplinada pela nova lei.

Redigida para atender necessidades da Administração Pública federal, a Lei nº 14.133 de 2021, em seu artigo 174, criou o PNCP (Portal Nacional de Contratações Públicas), um sítio eletrônico oficial supostamente capaz de realizar o milagre de assegurar a publicidade de todas as licitações e contratações realizadas pela União e por todos os entes federados.

A crendice subjacente é a de que todos os cidadãos brasileiros tomariam conhecimento de tudo sobre esses assuntos, acessando o tal portal.

Na verdade, entretanto, o PNCP será uma espécie de diário oficial eletrônico, que o povo não lê, e que será consultado somente pelos diretamente interessados, não se prestando para informar a coletividade que paga impostos. Em síntese, pode cumprir um requisito formal, mas não atende ao que a Constituição Federal entende por publicidade, que é o efetivo conhecimento da atuação das autoridades públicas pelo povo.

A efetiva publicidade das ações administrativas é um valor constitucional, consagrado no artigo 5º, inciso XXXIII, que assegura a todos o acesso a informações, e principalmente no artigo 37, “caput”, que consagra a publicidade como um princípio fundamental.

No tocante à licitação, sempre sustentamos que a publicidade é um princípio fundamental.

"Acreditamos que os elementos verdadeiramente essenciais a qualquer modalidade de licitação e que, por isso mesmo, devem ser considerados como princípios fundamentais desse procedimento são três: igualdade, publicidade e estrita observância das condições estabelecidas no instrumento de abertura. O requisito da igualdade entre os licitantes é elementar, pois é apenas uma transferência do princípio geral da isonomia para o âmbito interno da licitação. O princípio da publicidade é essencial, porque sem ele tanto o princípio geral da isonomia quanto o princípio específico da igualdade poderiam ser fraudados" (Aspectos Jurídicos da Licitação, 7ª ed., Ed. Malheiros, 2006, pág. 44).

Os dispositivos vetados dispunham, exatamente, sobre a publicidade efetiva e real das licitações e contratações.

O §1º do artigo 54 estabelecia ser “obrigatória a publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União, do estado, do Distrito Federal ou do município, ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, bem como em jornal diário de grande circulação”, e o §2º do artigo 175, determinava que “até 31 de dezembro de 2023, os municípios deverão realizar divulgação complementar de suas contratações mediante publicação de extrato de edital de licitação em jornal diário de grande circulação local”.

Ambos os vetos se justificariam pela desnecessidade das publica ções, dado que tudo estaria constando do miraculoso Portal Nacional de Contratações Públicas.

Diante do que foi acima exposto, salta aos olhos a inconstitucionalidade dos vetos, por violarem o princípio constitucional da publicidade.

Em termos práticos, as publicações na imprensa possibilitariam o acesso a extratos de editais e contratos pela população e pelas pequenas empresas, especialmente em todos os municípios brasileiros.

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