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The New York Times inflação

A inflação é real o bastante para ser levada a sério

Enquanto economistas debatem se a alta é transitória ou não, investidores deveriam avaliar como reagiriam a um período de preços elevados

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Jeff Sommer
The New York Times

A inflação está em alta. Seria sensato estar preparado para isso.

Não estou dizendo que vamos retornar a níveis de inflação incandescentes como o de 1980, quando a taxa chegou a 14,8%.

Mas há indícios suficientes para acreditar em que a inflação subirá mais. A questão é determinar quanto, e por quanto tempo.

O Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, adotou uma posição otimista, afirmando que antecipa que a inflação fique em média em 2,4% este ano e caia a 2,1% em 2023. Inflação dessa ordem não seria grande problema. Investidores de longo prazo com carteiras bem diversificadas de ações e títulos teriam condições de ignorá-la.

Mas alguns economistas independentes altamente qualificados dizem que a inflação pode exceder os 4% e até chegar a 7%, nos próximos anos. Minha posição, sem base científica, é de que o risco de que isso aconteça é inferior a 50%, mas ainda existe, o que justificaria reajustar certas suposições quanto a investimentos.

Ilustração mostra pessoas segurando a representação de uma bolha da inflação
Enquanto economistas debatem se o pico atual da inflação é transitório ou mais duradouro, investidores podem querer revisar seu próprio manual de inflação] - Dalbert B. Vilarino - 4.ju.21/The New York Times

Para começar, se a inflação subir, o Fed precisaria apertar as condições financeiras, reduzindo suas compras de títulos e elevando as taxas de juros de curto prazo. Os mercados quase certamente se tornariam mais voláteis. Os títulos cairiam de preço, porque o rendimento e o preço dos títulos se movimentam em direções opostas. O mercado de ações sofreria perturbações iniciais.

Mas nem tudo será má notícia, quando o choque passar.

Em ambientes inflacionários, as ações muitas vezes prosperam, especialmente as que pagam dividendos altos. Os preços das casas e de commodities como ouro, prata, cobre e petróleo também costumam subir.

Os títulos do Tesouro dotados de correção monetárias (TIPS, na sigla em inglês) e os I-bonds, também protegidos contra inflação, duas formas de títulos introduzidas no final da década de 1990, podem servir para fazer hedge contra a alta dos preços. E os portfólios de títulos terminariam por gerar melhores retornos, quando os investidores realizassem a transição para papéis de rendimento mais alto.

Tudo isso está no manual básico do investimento em períodos inflacionários, e seria bom estudá-lo ou refrescar a memória quanto a ele.

Kathy Jones, estrategista-chefe de renda fixa no Schwab Center for Financial Research, não antecipa inflação alta sustentada. Mas acredita em uma pequena alta, acompanhada por alta nas taxas de juros —o rendimento sobre a nota de 10 anos do Tesouro americano deve chegar a 2,25% este ano, ante cerca de 1,6% no momento, ela disse.

“Provavelmente, manter títulos de longo prazo não seria boa ideia”, se a inflação subir ainda mais, ela disse, porque eles perdem valor de forma mais acentuada quando as taxas de juros sobem. Títulos de prazo mais curto —e títulos de fundos mútuos e cotas de fundos negociados em bolsa— podem sofrer prejuízos por breves períodos, mas em longo prazo os investidores que adotam a estratégia de comprar e reter esses papéis não precisam se preocupar demais a respeito.

Isso acontece porque o retorno total dos títulos e dos fundos de títulos vem de uma combinação de preço e rendimento. Os rendimentos do mercado de títulos estariam subindo, enquanto os preços caem, e os investidores espertos podem trocar títulos de baixo rendimento por papéis com capacidade de gerar mais rendimento, que com o tempo propiciariam retornos melhores.

Essa mudança aconteceria sob o capô das carteiras de títulos, em fundos de índices diversificados e fundos ativos bem administrados. O mais importante, disse Jones, é que títulos de alta qualidade —detidos individualmente ou como parte de fundos –provavelmente ajudariam a proteger uma carteira de ações em caso de baixa acentuada, como fizeram quando da queda forte que as ações sofreram em fevereiro e março de 2020.

Em resumo, muitas carteiras de títulos gerariam pequenas perdas inicialmente, com a alta da inflação e das taxas de juros, mas se recuperariam, e mantê-las continuaria a valer a pena.

Quanto a ações, é provável que o mercado seja pedregoso caso o Fed precise responder à inflação –basta recordar os problemas surgidos em 2013 quando o banco central discutiu reduzir suas posições de títulos e as ações sofreram queda, por um breve período.

Mas Jeremy Siegel, economista da Universidade da Pensilvânia e autor de “Stocks for the Long Run” [ações para o longo prazo], disse que, depois da agitação inicial, as ações devem prosperar –principalmente ações que paguem dividendos (as chamadas ações de valor), em contraposição às ações de alto crescimento do setor de tecnologia. Foi isso que aconteceu em ondas inflacionárias do passado.

Siegel acredita que um período de inflação mais alta já tenha sido incorporado às expectativas do mercado.

“Minha expectativa é de uma inflação cumulativa de 20% nos próximos três anos”, ele disse.
A base monetária M2 dos Estados Unidos cresceu em 30% dede que o Fed e o governo intervieram na economia em março de 2020, ele disse. Com uma alta dessa ordem, ele afirmou “é praticamente inevitável: vai haver um surto de inflação”.

Pode ser que tenhamos um ano com 7% de inflação, e um ano com 5%, ele disse. “É difícil saber ao certo. Não tenho como prever a duração”.

Ele disse que embora o Fed vá precisar responder, provavelmente não terá de encarar uma espiral de salários e preços que torne necessário o amargo remédio de uma recessão, a cura imposta por Paul Volcker ao se tornar chairman do Fed em 1979.

“Vai passar”, ele disse, mas o Fed terá de elevar as taxas de juros.

Nos últimos anos, os preços andam tão estáveis que o Fed em geral não vem conseguindo atingir sua meta de uma inflação média de 2% ao ano.

Mas em um esforço para garantir uma recuperação sustentada que ofereça empregos a pessoas que de outra forma ficariam de fora, dirigentes do Fed dizem que agora se sentem confortáveis com “exceder” a meta de 2% de inflação.

Uma alta modesta da inflação – para menos de 3% - seria quase imperceptível. Mas aumentos mais altos e prolongados, como os acontecidos na década de 1970 e no começo da década de 1980, representariam questão bem diferente.

Naquele período, os preços de ativos reais como casas, ouro e petróleo dispararam. A taxa média de hipotecas excedeu os 17% ao ano, e as taxas de juros sobre os CDBs chegaram perto dos 12%. Era difícil saber se um aumento de salário de 5% era causa de comemoração ou desespero.

A alta atual da inflação vem sendo muito mais amena, até agora, e, por causa da pandemia, pode se provar completamente diferente.

Uma combinação de escassez de oferta, poupança acumulada e demanda reprimida responde por boa parte dos aumentos de preços que vêm surgindo nos números oficiais do governo –e nas bombas de gasolina, lojas de produtos domésticos, supermercados e lojas de carros usados.

Mas a dimensão desses aumentos foi superior ao que a maioria dos economistas previa. O índice de preços ao consumidor subiu em 4,2% em abril, ante o mesmo mês em 2020, a maior alta mensal desde 2008.

O índice que o Fed acompanha com mais atenção –o de inflação baseado em gastos de consumo pessoal compilado pelo Serviço de Análise Econômica– subiu em3,6% em abril ante o mesmo mês em 2020, o maior avanço em 13 anos.

Se excluirmos os preços dos alimentos e da energia, o índice de preços subjacente subiu em 3,1%, a maior alta desde 1992.

O Fed e o governo injetaram tanto dinheiro na economia que o risco de uma alta adicional e mais longa da inflação não pode ser completamente desconsiderado. Siegel está longe de ser o único economista que acredita nisso.

Larry Summers, que foi secretário do Tesouro na gestão Clinton, afirmou a mesma coisa repetidamente. E Ray Fair, especialista em econometria na Universidade Yale, projetou que existe uma probabilidade de cerca de 30% de que a inflação supere os 4% ano que vem e no seguinte, se o Fed não apertar a política monetária. Mas ele disse que qualquer previsão realizada em um ambiente como o atual envolve considerável incerteza.

Eu com certeza não sou capaz de prever a inflação. Mas me lembro da década de 1970, quando era sensato imaginar que, em três anos, um dólar valeria só R$ 0,80 –a não ser que fosse investido em ações, imóveis ou ouro. Essa com certeza não é a posição em que estamos hoje, mas, pela primeira vez em anos, parece sensato desenvolver o, ou voltar ao, hábito de pensar sobre a inflação.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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