Descrição de chapéu juros inflação

Alta da inflação se torna fenômeno global em 2021, mas persistência gera dúvidas

Levantamento mostra que preços ao consumidor e ao produtor aceleraram neste ano

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São Paulo

O aumento da inflação se tornou um fenômeno generalizado neste primeiro semestre de 2021 e atinge praticamente todos os países economicamente relevantes, segundo levantamento feito pela Folha com base em informações na base de dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Economistas e autoridades em todo o mundo ainda discutem se a alta mundial de preços é temporária ou permanente e quais as respostas que os governos devem dar em relação a esses riscos.

Países como o Brasil, que já convivem com inflação mais alta desde o ano passado, já começaram a elevar as taxas de juros. Outros, como os Estados Unidos, começam a sinalizar uma mudança de postura na política monetária, enquanto a China passou a adotar medidas para conter o repasse de preços ao produtor para o consumidor final.

Dados para 44 países mostram que a taxa média dos índices de preços ao consumidor estava em 2,3% em abril de 2020, passou para 2,2% em dezembro do ano passado, e acelerou para 3,8% em abril deste ano, considerado o acumulado em 12 meses. Uma amostra menor com dados para maio aponta inflação média acumulada de 4,3%.

O levantamento reúne 36 países que fazem parte da organização e oito que estão fora desse grupo. Entre eles, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que formam o chamado Brics.

Os preços ao consumidor contam apenas uma parte da história. Se forem considerados os índices de preços ao produtor de 34 países listados pela OCDE, a média passou de uma deflação de 2,6% em abril do ano passado para uma inflação média anual de 7,6% um ano depois.

A maior parte dos países da amostra tem apresentado, historicamente, inflação baixa, principalmente na última década. Nesse período, os preços ao consumidor ficaram sistematicamente abaixo de metas em torno de 2%, apesar de vários bancos centrais terem zerado suas taxas básicas de juros e injetado volume recorde de dinheiro na economia.

Embora sejam números modestos para os padrões brasileiros, a inflação média ao consumidor de 3,3% para os países da OCDE nos 12 meses encerrados em abril de 2021 é praticamente o dobro da média de 1,7% verificada de 2015 a 2020.

No grupo de 44 países, o Brasil possuía em abril a terceira maior taxa de inflação ao consumidor (6,8%), atrás de Argentina (46,3%) e Turquia (17,1%), dois países que destoam do grupo selecionado há vários anos.

O dado mais recente para o Brasil mostra inflação de 8,13% na prévia de junho. O Banco Central prevê um pico de 8,5% em agosto e queda para 5,8% em dezembro.

O único país da amostra com deflação é o Japão, cuja taxa média foi de 0,5% nos últimos cinco anos e está negativa há seis meses.

Na maioria dos países, o movimento é recente. Estados Unidos, países da Zona do Euro e economias como México, Canadá, Índia, Israel e Coreia do Sul tiveram aceleração nos índices de preços a partir de janeiro e fevereiro deste ano. Durante o período mais intenso da pandemia, a inflação nesses países ficou comportada e, em alguns casos, houve deflação.

Outro destaque é a China, que conviveu com uma inflação bem mais elevada no início da pandemia, mais de 5% em 12 meses. O índice de preços perdeu força no segundo semestre de 2020, e o país chegou a ter deflação no primeiro bimestre deste ano.

Em março, o indicador voltou a subir e chegou a 1,6% em maio, patamar ainda comportado, mas que acendeu o alerta das autoridades locais, principalmente pelo risco ainda contido de repasses de preços ao produtor para os consumidores.

No caso brasileiro, a inflação tem subido sistematicamente desde maio do ano passado, quando estava em 1,9% em 12 meses. Em maio deste ano, chegou a 8,1%, acima da meta de 3,75% ao ano com limite de até 5,25%.

A inflação mundial tem sido impulsionada pela alta dos preços de commodities no mercado internacional, pela falta de insumos gerada pela interrupção de várias cadeias produtivas e pela demanda concentrada em alguns setores da economia. Há ainda o deslocamento da demanda de serviços para bens industriais e um volume inédito de estímulos fiscais e monetários injetados na economia para combater os efeitos da pandemia.

No Brasil, há ainda dois problemas locais: a forte desvalorização cambial desde meados de 2019, parcialmente revertida nas últimas semanas, e a crise hídrica que já afeta e continuará a afetar a tarifa de energia.

Por aqui, a alta da inflação ajudou a melhorar os números da dívida pública e abriu mais espaço para mais gastos dentro do teto constitucional no ano eleitoral de 2022. Por outro lado, a carestia se soma aos problemas que reduziram a renda dos brasileiros e afetam a popularidade do presidente da República, que já tentou interferir diversas vezes em alguns preços de mercado.

Nos Estados Unidos, o debate acerca da inflação, que atingiu o maior patamar desde as vésperas da recessão de 2008, ganhou força desde a posse do presidente Joe Biden.

Além do aumento dos incentivos fiscais e dos planos de investimento e recuperação de emprego que devem injetar bilhões na economia americana nos próximos anos, há a preocupação com o consumo represado e com uma recuperação mais rápida da economia em virtude da velocidade do programa de vacinação naquele país.

Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia e colunista do jornal The New York Times, lembrou que, nos primeiros anos após a Grande Recessão americana de 2008/2009, também havia receio de que o excesso de estímulos levasse a um descontrole da inflação, mas o que se viu foi uma alta de preços temporária, algo que ele avalia que deve se repetir agora.

Martin Wolf, comentarista-chefe de economia no Financial Times, por outro lado, afirma que há motivos para se preocupar com a inflação nos EUA, pois as políticas monetária e fiscal são, pelos padrões históricos, extremamente expansionistas naquele país.

Larry Summers, que foi secretário do Tesouro no governo do democrata Bill Clinton, afirmou que, enquanto o estímulo na crise de 2009 foi pequeno diante da magnitude daquela recessão, as propostas atuais podem levar ao superaquecimento da economia e a uma escalada das expectativas de inflação.

O banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve, já afirmou que deve antecipar o início do processo de alta de juros no país de 2024 para 2023, mas que a economia teria de fazer progressos substanciais —com alcançar o pleno emprego— para que sejam retiradas as medidas extraordinárias de apoio à economia.

Como o país conviveu com índices de inflação abaixo da meta de 2% por muito tempo na década passada, a instituição avalia que conviver com um índice um pouco mais elevado por algum período seria algo tolerável.

As projeções coletadas pela OCDE mostram que os analistas ainda não trabalham com um cenário de descontrole inflacionário. As estimativas são de que os índices de preços ao consumidor alcancem um pico no final de 2021 na maioria dos países-membros da organização e recuem em 2022.

Para isso devem contribuir um cenário de redução nos estímulos econômicos, alguma normalização das cadeias produtivas e moderação nos preços de commodities.

No Brasil, os juros já voltaram ao nível pré-pandemia (4,25% ao ano) e podem encerrar o próximo ano acima do patamar do início do governo Jair Bolsonaro, quando estavam em 6,50% ao ano.

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