'Aqui não dá para encontrar emprego': jovens pensam em sair do país para ter estabilidade

Quase a metade dos jovens brasileiros querem sair do país, segundo dados do Atlas das Juventudes e de novos estudos da FGV

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São Paulo e Salvador

Larissa Regina Ramos Miguel, 23, caminha meia hora todos os dias de sua casa, em Suzano (SP), até o trabalho. Não faz o trajeto a pé porque a passagem de trem até Poá é cara, mas porque cada trocado faz diferença na poupança que acumula para ir embora do Brasil.

Pretende mudar-se para Vancouver, no Canadá, ou para a Croácia, no fim deste ano ou em 2022. Guarda para a viagem a metade de um salário mínimo que tira em um call center.

Assim como quase a metade (47%) dos jovens brasileiros, segundo dados do recém-lançado Atlas das Juventudes e de novos estudos da FGV Social, Larissa pensa em deixar o país. Seu objetivo, entretanto, não é como o de muitos integrantes da classe média alta que vão para o exterior fazer intercâmbio, cursar um MBA ou garantir um diploma internacional de mestrado.

Retrato de Larissa Ramos Miguel, 23 anos, que está guardando dinheiro para morar no Canadá no próximo ano. Ela deixou os estudos e vê no exterior uma oportunidade melhor de crescimento profissional - Adriano Vizoni - 17.jun.2021/Folhapress

Ela também não pertence ao grupo com alta qualificação, como executivos e cientistas, que deixam o país diante da crise política e do desemprego —o número de pedidos de visto de trabalho por profissionais considerados prioritários nos Estados Unidos chegou ao maior patamar em ao menos dez anos, mostrou reportagem da Folha.

Larissa, que tem oito irmãos e está há mais de um ano procurando um emprego na área de logística, vê no exterior a única possibilidade de juntar dinheiro para levar uma vida que considera estável: conquistar uma casa própria, um carro e dinheiro para viajar nas férias e comer em restaurantes vez ou outra.

Para ela, ir embora do Brasil é sinônimo de pôr o pé no chão e encarar a realidade, não de sonho. Larissa, que é a mais nova entre as irmãs mulheres, estudou em colégio público e formou-se em logística em uma Etec (Escola Técnica Estadual de São Paulo) no fim do ano passado.

A próxima etapa seria prestar um curso tecnólogo de turismo, mas optou por não fazê-lo. Em seus cálculos, o gasto com ensino superior representa um novo risco de investir em educação sem a garantia posterior de um emprego na área.

Com o crescimento das vendas online durante a pandemia, os centros de distribuição da região metropolitana de São Paulo estão mais agitados do que nunca. Mesmo assim, a jovem não conseguiu um trabalho. Ela afirma ter entregado até 90 currículos em um único dia durante suas férias.

“Logística é a área que quero seguir, só que, infelizmente, no Brasil, está muito difícil. Eles só contratam homens porque é uma área considerada mais pesada”, afirma.

A jovem também paga duas plataformas de emprego para que seu currículo tenha mais visibilidade entre os concorrentes.

“Se começar a faculdade, depois vem a especialização, nesse trajeto não consigo guardar a metade do salário [para comprar a casa], além de não ter como pagar as contas de água, luz e ajudar meus pais ao mesmo tempo.”

O objetivo de Larissa é ter a casa e o carro antes dos 35 anos, se possível.

Ela mora com a mãe, o pai, uma irmã e uma sobrinha. É responsável por dividir com a mãe, auxiliar de limpeza, contas de água, comida e gás. Sua irmã paga a internet. O pai é pintor e não tem renda fixa no momento.

Com os descontos, o salário de Larissa fica em torno de R$ 980. Mesmo com as contas, ela tem conseguido guardar a metade —isso porque não moram de aluguel.

“Sempre vi que as pessoas conseguem separar parte do salário lá fora, e não é só em série, em filme. Aqui, sempre falta algo: quando se paga a água, o gás aumenta. Eu não aguento mais a realidade de sempre faltar uma coisa.”

Larissa vai seguir o caminho do irmão caçula, que mora no Canadá e é bailarino.

Ele ganhou uma bolsa de estudos e ainda trabalha em dois restaurantes a fim de arcar com as despesas. Com a ajuda dele, Larissa pesquisa escolas que garantam a possibilidade de trabalhar no tempo livre. No exterior, pretende ser babá. Está tirando a carta de motorista porque considera um diferencial para a família que for lhe contratar.

“Se eu precisar ir ao hospital ou buscar algo no mercado, já tenho a vantagem de dirigir. Estou me preparando”, diz.

Além de trabalhar quase sete horas no call center, Larissa estuda inglês uma hora por dia.

Sua base no idioma vem do tempo em que trabalhou na escola Wizard, de 2014 a 2017. Lá foi estagiária, recepcionista e vendedora, com o benefício de aprender a língua pagando apenas o material didático.

Larissa diz fingir viver em uma realidade em que o inglês é seu idioma principal. Só ouve podcasts estrangeiros e assiste a série e filmes com a legenda no idioma.

Após receber a vacina contra a Covid, concentrará esforços para agilizar a viagem e não titubeia sobre a decisão de sair no Brasil.

“Aqui não dá para encontrar emprego. Eu sei porque fui atrás e está muito difícil.”

Assim como o irmão, que chora pela solidão e pela saudade da família, ela diz que vai sentir saudade, mas que não pretende voltar. “Para crescer, eu preciso sair daqui.”

Já para Josué de Souza, 25, sair do país para melhorar de vida é uma realidade tão distante que nunca passou pela sua cabeça.

Josué de Souza, 25, sem carteira assinada há cinco anos - Raphael Muller- 17.jun.2021/Folhapress

A situação que enfrenta, no entanto, também é delicada. A última vez que ele trabalhou com carteira assinada foi em 2016. Na casa do jovem, moram quatro pessoas, entre as quais três não trabalham. A única renda da família é o auxílio emergencial no valor de R$ 150.

Pesquisa divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no dia 27 de maio, aponta que a taxa de desocupação na Bahia foi de 21,3% no primeiro trimestre de 2021 —ante 14,7% na média do país. Além de ter quebrado o recorde de 2020, ficou no maior patamar desde 2012, início da série histórica.

Negro, morador de Canabrava, periferia de Salvador, vive num imóvel com um quarto, sala, cozinha e banheiro. Divide o espaço com mãe, padrasto e irmão caçula, que dorme num colchão na sala, assim como ele, que começou a trabalhar aos sete anos.

Com apenas ensino médio completo, o rapaz atribui as dificuldades para encontrar trabalho formal à alta concorrência, agravada pela pandemia, mas diz não estar desalentado.

“Quando aparece alguma entrevista, há cem pessoas para uma vaga.”

Para o jovem, o atual cenário econômico, com mais de 14 milhões de desempregados no país, tem levado a população à miséria.

“A gente substituiu a carne pelo ovo. Não tem condições. O gás sobe todo dia. A conta de luz também. Tá difícil”, afirma.

“Queria voltar para Santa Catarina, onde tive o último trabalho formal, com salário bem melhor”, diz.

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