Descrição de chapéu Folhajus

BTG paga R$ 6,5 mi à CVM em acordo sobre suposta manipulação de preços

Banco teria recomprado ações de maneira irregular após prisão de André Esteves

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) aceitou termo de compromisso do BTG Pactual para encerrar o processo que investigava suposta manipulação de preços e operação irregular de fundos. Segundo o acordo, o banco e cinco diretores vão pagar R$ 6,5 milhões à autarquia.

O processo diz respeito a compras de units —ativos compostos por mais de uma classe de valores mobiliários, negociados em conjunto; no caso do BTG a unit representa uma ação ordinária e duas ações preferenciais

O próprio BTG, avalia o processo, teria feito aquisições de suas units entre 25 de novembro de 2015 e 27 de janeiro de 2016, período em que os papéis do banco sofreram grande desvalorização na Bolsa de Valores devido à prisão de André Esteves pela Operação Lava Jato.

Segundo a CVM, o banco teria agido de maneira irregular para frear a forte queda dos papéis.

Logo do BTG
Segundo a CVM, o BTG teria manipulado o preço dos seus papéis na Bolsa entre 2015 e 2016 - Karime Xavier/Folhapress

Em 24 de novembro de 2015, as units do BTG encerraram o pregão cotadas a R$ 30,89. Na manhã do dia seguinte, Esteves foi preso. Na abertura do pregão do dia 25, as units já despencavam 17,6% e, ao longo da sessão, chegaram a uma queda de 38,9%, a R$ 18,86.

De acordo com informações da B3 obtidas pela CVM, à época da prisão, o BTG e seus clientes detinham elevadas posições no mercado a termo. Nesse tipo de negociação, os investidores —tanto aquele que vai comprar quanto o que vai vender— assumem o compromisso de fechar a operação em determinada data futura, a um preço preestabelecido.

É de praxe, para assegurar operações no mercado a termo, que se façam depósitos de margem de garantia na B3, que aumentam conforme o alvo da negociação se desvaloriza antes que se chegue àquela data futura acertada.

"Apenas para efeito ilustrativo, caso o preço do ativo tivesse fechado na mínima de R$ 18,86, a chamada de margem teria sido de R$ 733 milhões", diz o processo da CVM.

Mensagens e ligações dos diretores do banco, feitas logo após a prisão e obtidas pela CVM, indicam preocupações com as margens das operações a termo desde antes da abertura do pregão. Conversas sobre o tema se seguiram ao longo do dia.

Naquele 25 de novembro, às 16h45, antes do fechamento do pregão, o BTG divulgou fato relevante no qual informava que seu conselho havia aprovado um programa de recompra de 23 milhões de units do total de 230,5 milhões em circulação, com o objetivo de “realizar a aplicação eficiente dos recursos disponíveis em caixa, de modo a maximizar a alocação de capital da empresa e a geração de valor para os seus acionistas”.

O documento também afirmava que o prazo para o programa era de 18 meses, cabendo à diretoria definir o melhor momento para aquisição das ações, e que as units adquiridas seriam, a princípio, mantidas em tesouraria. Até então, o banco não tinha seus papéis em tesouraria.

Ao confrontar o áudio das gravações telefônicas com os registros das operações, a CVM verificou que a BTG iniciou a compra de units logo cedo, utilizando parte do patrimônio do Fundo Fúria (Fundo de Investimento Multimercado Crédito Privado Fúria – Investimento no Exterior). A operação foi interpretada como uma tentativa de em frear a queda no preço do papel.

Esse Fundo Fúria, administrado pelo BTG Pactual, comprou cerca de 3,6 milhões de units do BTG, equivalente a 15,65% de todo o montante negociado no dia.

A autarquia diz que a compra levantou suspeitas sobre a motivação das operações, "todas realizadas antes de o programa de recompra ser aberto, demonstrando a urgência das operações."

Depois, por volta das 14h, diretores discutiram a possibilidade de lançamento do programa de recompra com o mercado ainda aberto, segundo o processo, "a fim de dispor o quanto antes de uma ferramenta que facilitasse a manipulação de preço das units, já no fechamento daquele dia, uma vez que isso não seria possível apenas com o caixa do Fundo Fúria."

"Às 14h24, em outra gravação, dois diretores comentaram sobre como foi efetuada a manipulação do preço do ativo, até que atingissem R$ 20,00, sendo que as análises das ordens emitidas em nome do Fundo Fúria corroboram as estratégias expostas nas gravações telefônicas", diz o documento.

Segundo a apuração da CVM, não houve qualquer consulta aos responsáveis pela gestão do Fundo Fúria ou deliberação racional deles na decisão de compra.

A autarquia aponta que o custo da manipulação de preços era menor que o gasto com as chamadas de margem, ainda que a recompra em curto espaço de tempo comprometesse a liquidez do banco.

"As chamadas de margem consumiam caixa ou ativos líquidos do Grupo BTG. Desta forma, ao impedir ou mesmo reduzir a queda dos preços das units, a BTG Holding se beneficiava comprometendo menos seu patrimônio, uma vez que usava os ativos do Banco BTG, dividindo os custos com os minoritários ao utilizar o programa de recompra."

Para ampliar a sua liquidez, em dezembro de 2015, o BTG alienou de diversos ativos, como ações e debêntures negociadas no mercado secundário, cessões de crédito e títulos de renda fixa.

A CVM verificou que o BTG continuou a operar de forma a impedir a queda acentuada do seu papel em Bolsa após o lançamento do programa de recompra, utilizando operadores e robôs que operam via algoritmos.

Nas gravações, um interlocutor não identificado afirmou que tem a impressão de que o BTG estaria “rasgando dinheiro”, ao continuar comprando para segurar o preço, e um diretor do banco confirmou que estavam.

O BTG chegou a solicitar à CVM que fosse autorizado a manter em tesouraria mais do que 10% das suas ações em circulação, acima do limite previsto pela autarquia, o que foi negado.

"Assim, como forma de atingir seu objetivo de adquirir 40% do free float, o Banco BTG abriu programa de recompra de 10% da quantidade de ações, cancelou as ações recompradas, encerrou o programa e abriu um novo programa" —não há mecanismo que proíba sucessivos programas de recompras.

O primeiro programa de recompra que foi aberto com prazo de 18 meses foi encerrado menos de 20 dias depois, após a aquisição de 10% dos papéis. As ações adquiridas foram canceladas e um novo programa de recompra foi aberto, operação que se repetiu.

“Achei que a CVM pudesse ter ficado (...) [palavrão] por causa desse nosso João-sem-braço aí. O cara diz não, aí a gente vai lá cancela, vai, cancela, vai. Dá no mesmo, né?!”, disse um dos diretores do BTG à época segundo mensagens obtidas pela CVM.

Entre 25 de novembro de 2015 e 12 de dezembro de 2016, os programas de recompra adquiriram 39,8 milhões de units do BTG, representando 28% da quantidade negociada deste ativo.

"Porém, apesar de o Banco BTG continuar operando após esta data, aparentemente segurando o preço acima de R$ 14,00 e incluindo ordens grandes, que funcionavam como suporte para o preço, não foi possível comprovar que a continuação do programa de recompra até outubro de 2017 atendeu os mesmos interesses do seu início", diz a CVM.

Ao serem ouvidos em depoimento, os operadores responsáveis pela inserção das ordens de compra do BTG negaram ter ciência de qualquer tipo de manipulação ou sua tentativa, apoiando-se, principalmente, no fato de o programa de recompra ter sido executado de maneira automatizada, via robô.

"Entretanto, as gravações telefônicas confirmam que os algoritmos foram utilizados para manipular o preço das units por meio do ajuste de seus parâmetros com essa intenção”, diz o processo.

Segundo o relato, o percentual de participação do Banco BTG em certo pregão chegou a alcançar 90% do volume total negociado nas units, "gerando um forte desequilíbrio entre oferta e demanda, uma vez que este banco atuava apenas em um lado do mercado, ou seja, comprando."

Diretores do banco disseram que não ordenaram que ocorresse a manipulação de preços, não tiveram conhecimento da utilização dos programas para propiciar a manipulação de preços e não teriam participado da operacionalização do programa de recompra.

Segundo as gravações obtidas, os executivos combinaram a obtenção de uma carta do departamento jurídico do BTG que desse conforto para realizarem as operações e não serem questionados posteriormente.

De acordo com a CVM, tais conversas ocorreram mais de uma semana após o início do programa de recompra e o documento, para atender a um possível questionamento do regulador, foi criado após a conversa e com data retroativa a 26 de novembro de 2015.

"O envio dessas informações falsas poderia caracterizar, em tese, o crime de falsidade ideológica, já que o documento, embora verdadeiro, continha declaração falsa, utilizada como argumento para negar o acesso à emissão de ordens pelo Banco BTG, durante o programa de recompra", diz a autarquia.

O processo também pondera que as compras de ações não visavam o lucro e, sim, um prejuízo menor e que a eventual multa máxima aplicada ao banco pelas operações irregulares seria menor que os custos com o depósito de margem de garantia na B3.

"Não haveria como mensurar objetivamente, nos limites da atuação da CVM no particular, o prejuízo ocorrido se não tivesse havido a manipulação que objetivava evitar a chamada de margem, razão pela qual não seria possível, com segurança jurídica, sequer utilizar, no caso em tela, multiplicador usualmente utilizado em negociações abertas para casos similares, sendo que tal prejuízo teria sido, em tese, bastante superior a R$ 20 milhões, valor máximo da pena-base pecuniária em tese aplicável."

Procurado, o banco disse que não iria comentar.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.