Cataratas do Iguaçu sem água são retrato parcial das perdas do Paraná com a seca

Estiagem espalha prejuízos no agronegócio e compromete abastecimento até de Curitiba

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Curitiba

As imagens das cataratas do Iguaçu em sua menor vazão do ano, registradas nos dias 9 e 10 de junho, resumem a estiagem severa que o Paraná vem enfrentando há mais de um ano. Para além das modificações no cenário e dos efeitos no dia a dia das pessoas, a seca impõe perdas em áreas importantes para a economia do estado e deve se estender pelo menos até o fim de 2021.

As regiões mais atingidas pela falta de chuvas estão a oeste —onde ficam as cataratas—, sudoeste, região que se destaca pelo agronegócio, especialmente a avicultura, e tem hidrelétricas, bem como a leste, área da região metropolitana de Curitiba, a capital.

Essas regiões estão hoje estão em situação de emergência hídrica, com rodízio de abastecimento em algumas cidades. A capital está nessa condição desde março do ano passado, com bairros alternando 60 horas com oferta de água e outras 36 horas sem abastecimento.

As precipitações entre janeiro e junho em Foz do Iguaçu somaram cerca de 300 mm (milímetros) a menos que a média histórica para o período, segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). Aliado a isso, a falta de chuvas na nascente do rio Iguaçu, que fica em Curitiba, reflete diretamente na vazão das cataratas.

Vista aérea das cataratas do Iguaçu, no Paraná, com queda-d’água quase seca
Nas cataratas do Iguaçu (PR), queda-d’água em volume virou quase riacho  - Kiko Sierich/Sanepar

Para além do cenário seco, que compromete a cena mais importante do cartão-postal do turismo no Paraná e também as vendas no comércio local, as perdas se acumulam principalmente na agricultura.

"As grandes perdas se concentram nos grãos. A safra 2020/2021 teve influência do La Niña desde o plantio, com chuvas abaixo do normal e muito mal distribuídas", diz o engenheiro agrônomo Eugênio Stefanello, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná).

"O primeiro efeito da seca foi o atraso no plantio. Alguns plantaram 'no pó', o que causou a morte das plantas e exigiu replantio, impondo ainda mais perdas."

A segunda safra do milho, que começou a ser colhida no início de junho no estado, já apresentou redução de 13,4% no volume em comparação com o ciclo anterior, segundo a Secretaria de Agricultura e Abastecimento. A queda é atribuída falta de chuvas nos períodos mais críticos para o desenvolvimento das plantas.

A cultura do feijão, que está no término da colheita, também foi bastante afetada. O departamento de economia rural da Secretaria de Agricultura chegou a estimar uma produção de 504 mil toneladas do grão, mas reduziu a projeção em 38%, chegando a apenas 310 mil toneladas.

As culturas que vingaram e foram colhidas também foram comprometidas. Os grãos são miúdos, o que reduz o preço de venda. Segundo a secretaria, quase 50% das lavouras foram afetadas.

"Esse feijão atingido por intempéries tem um aspecto ruim e um tamanho menor, e acaba valendo menos para o produtor, que perde duas vezes: na produtividade e no preço", afirma Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão.

Ele destaca que as condições climáticas desfavoráveis, que têm sido cada vez mais frequentes no estado, somadas a diminuição de áreas de produção desse tipo de grão favorecem a alta de preço do produto no supermercado.

"As grandes multinacionais de soja e milho têm mais condições de atrair o produtor para esse tipo de lavoura. O mercado do feijão é diferente, não é cotado internacionalmente, mas é produto da cesta básica, por isso precisa ter uma política agrícola diferente", afirma.

A soja, que representa o maior ganho de exportação paranaense, foi igualmente prejudicada, mas, mesmo assim, a produtividade foi uma das melhores dos últimos anos, seguindo a tendência nacional de recorde.

O impacto nas lavouras leva a um ciclo de perdas que afeta outras áreas do agronegócio, como a produção de carnes. Enquanto o Brasil abateu um volume 10,6% menor de bois no primeiro trimestre de 2021, em comparação com o mesmo período do ano passado, a retração chegou a 13,6% no Paraná. A produção agrícola estadual apresentou queda de 10,8%, maior que a média nacional, de 7,3%.

Nesse caso, a estiagem comprometeu a produtividade do milho, utilizado na silagem, e atrasou o plantio de forrageiras de inverno, comprometendo a engorda dos animais e onerando os custos da produção.

Stefanello aponta que as perdas só não foram maiores porque foram compensadas pelo preço elevado dos produtos. "Mas, o grão produzido com seca é sempre menor, e isso reduz o tipo na classificação, tanto para o consumo quanto para a exportação", explicou.

Outros setores afetados, destaca Stefanello, são a produção de leite e hortaliças, atividades essencialmente desenvolvida por pequenos produtores. "A seca compromete a qualidade das pastagens e agora, no período de outono e inverno, haverá ainda menos captação. As hortaliças cultivadas a céu aberto também sofrem com uma irrigação deficiente, já que os reservatórios estão secando."

O geógrafo da UFPR Pedro Fontão conta que, agora, o Paraná está numa fase neutra, sem influência do La Niña, mas não exclui a possibilidade de retorno do fenômeno no final do ano. "Esse é o grande problema de previsão, a estimativa a curto e médio prazo não é tão boa, mas há 50% de chances de retorno."

Ele destaca que cenários como o visto nas cataratas nas últimas semanas já foram registrados em diversos outros anos, o que não significa que não há problemas climáticos ocorrendo na região. "A frequência desse tipo de evento é o que preocupa", apontou.

Fontão lembra que o inverno é um período já conhecido pela falta de chuvas, o que pode agravar a crise hídrica no estado, pelo menos até o final do ano. "Os reservatórios ainda não se recuperaram, mesmo com volume maior de chuva nos últimos meses e, para a frente, não temos estimativa de precipitações acima da média."

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