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EUA conseguiram acordo global sobre impostos, mas devem sofrer resistência interna

País trabalhou com ministros do G7 por tarifa mundial mínima, mas precisará vender a ideia aos republicanos

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Alan Rappeport
The New York Times

A secretária do Tesouro americano, Janet Yellen, conseguiu um acordo internacional histórico sobre impostos no final de semana, algo que seu país vinha buscando há quase uma década sem sucesso. Mas com o Congresso estreitamente dividido e a resistência dos republicanos e das organizações de negócios crescendo, selar o negócio em casa pode ser um desafio ainda mais complicado.

O governo Biden está contando com mais de US$ 3 trilhões (R$ 15,1 trilhões) em aumentos de impostos sobre as empresas e sobre os americanos ricos para ajudar a pagar pelos seus ambiciosos programas de infraestrutura e empregos.

Os republicanos expressaram oposição a qualquer aumento de impostos e alertaram que os grandes planos de gastos do presidente Joe Biden estão alimentando a inflação e vão desestimular o investimento em negócios. Já as organizações setoriais se queixaram de que impostos mais altos representavam uma ameaça à recuperação econômica e colocarão as companhias americanas em desvantagem competitiva.

Persuadir os membros do G7, que reúne os países grandes de economia mais avançada, a adotar uma alíquota mínima de 15% para o imposto sobre empresas tinha por objetivo ajudar o governo Biden a obter os aumentos de impostos que deseja nos Estados Unidos.

A secretária do Tesouro americano, Janet Yellen - Justin Tallis - 5.jun.21/Reuters

Se entrar em vigor, a alíquota mínima mundial requereria que as empresas paguem um mínimo de 15% de imposto sobre suas receitas, independentemente de onde estejam sediadas, o que tornaria menos vantajoso transferir operações para países onde a tributação é mais baixa.

Em entrevista no domingo (6), Yellen reconheceu os desafios legislativos que a aguardam e defendeu os planos do governo Biden para elevar os impostos das empresas. Ela apoiou o plano de Biden de elevar a alíquota de imposto das empresas americanas de 21% para 28%.

“Acreditamos que seja uma maneira justa de arrecadar receita”, disse Yellen no voo de volta de Londres para os Estados Unidos, depois de participar de dois dias de reuniões com os ministros das finanças do G7. “Honestamente não acredito que haverá impacto significativo sobre o investimento empresarial”.

Yellen minimizou o elo entre as alíquotas de imposto e o investimento empresarial, argumentando que o corte de impostos de US$ 1,5 trilhão (R$ 7,5 trilhões) que os republicanos aprovaram em 2017 pouco fez para elevar o investimento americano.

Ela disse que as mudanças no código tributário internacional seriam benéficas para as empresas americanas, em última análise, e que mesmo aquelas que terão de encarar impostos mais altos, como Amazon, Facebook e Google, teriam algo a ganhar porque estariam mais certas quanto ao valor da tributação que devem encarar.

Mas o destino das propostas tributárias de Biden ainda não está decidido, e Yellen agora enfrenta a tarefa de convencer os legisladores de que grandes aumentos de impostos e de gastos não prejudicarão a recuperação da economia.

Biden vem negociando com legisladores republicanos e expressou a disposição de reduzir o escopo de seus planos de tributação e gastos para reconstruir as pontes e rodovias do país.

O presidente ofereceu deixar de lado sua proposta para elevar a alíquota do imposto das empresas a 28% a fim de garantir apoio bipartidário ao projeto, ainda que funcionários da Casa Branca acreditem que o governo deva tentar promover a aprovação da alíquota mais alta por meio de um veículo legislativo separado que possa ser aprovado sem apoio republicano.

Yellen reconheceu que um acordo quanto à alíquota de imposto das empresas pode ser necessário, e disse que tinha esperança de um acordo bipartidário sobre infraestrutura. Os republicanos resistem a qualquer mudança na lei tributária de 2017, que reduziu a alíquota do imposto sobre a receita das empresas a 21%.

Não está claro se os republicanos vão apoiar o acordo internacional de impostos, especialmente a decisão de impor novos tributos às grandes empresas multinacionais mesmo que elas não tenham presença física nos países em que vendem serviços.

Essa parte do acordo foi oferecida pelos Estados Unidos a fim de pôr fim a uma disputa com países europeus quanto aos seus impostos sobre serviços digitais, que incidiriam sobre as grandes empresas de tecnologia americanas.

Alguns legisladores já criticaram a ideia de ceder autoridade tributária a governos estrangeiros, enquanto as organizações setoriais da economia ainda estavam absorvendo o acordo, no fim de semana.

Yellen acredita que o conceito não custará muito aos Estados Unidos em termos de arrecadação perdida. Mas o fato de que os países europeus não vão abandonar seus impostos sobre serviços digitais até que o acordo esteja plenamente em vigor já foi criticado pela liderança republicana na Câmara e no Senado, porque pode demorar quatro anos para que o acordo seja implementado.

Se o governo Biden não conseguir aprovar a legislação no Congresso, o acordo sobre a alíquota mundial mínima —e um acordo separado assinado no sábado sobre um sistema de tributação de grandes empresas baseado no local de venda de seus produtos e serviços— não terá efeito. Os negociadores esperam ampliar o acordo para abarcar novos países, na reunião do Grupo dos 20 (G20) na Itália no mês que vem, e chegar a um pacto definitivo em outubro. Depois disso, os países signatários, incluindo os Estados Unidos, terão de alterar suas leis de forma a incorporar os termos do acordo.

A conferência de cúpula do G7 foi a primeira viagem de Yellen ao exterior como principal diplomata econômica de Biden. Em Londres, ela foi elogiada por seus colegas por restaurar a liderança americana e pela adesão do governo Biden ao multilateralismo, depois de quatro anos de políticas “America First” na gestão do presidente Donald Trump.

Yellen descreveu o trabalho como mais cansativo do que seu papel anterior como chairman do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, apontando para a escala dos programas de recuperação que está comandando e para as vastas responsabilidades do departamento. Economista cujo foco por muitos anos foi a política monetária, Yellen agora está encarregada de política tributária, sanções, controle de agências regulatórias, e de contatos regulares com o Congresso.

Além das negociações tributárias, Yellen lida com a questão delicada da inflação e com a possibilidade de que as políticas do governo Biden estimulem os aumentos de preços por um período sustentado.

Empresas americanas expressaram preocupação cada vez maior com a alta de preços, a escassez de commodities e a falta de trabalhadores disponíveis.

Yellen sustentou que em sua opinião os aumentos de preços eram uma questão de curto prazo associada à reabertura da economia e a problemas nas cadeias de suprimento. Mas a probabilidade de uma alta sustentada nos preços é uma preocupação, e ela está acompanhando a situação de perto.

Para determinar se a inflação é mais que um assunto temporário, Yellen observa dois indicadores essenciais: expectativas inflacionárias e aumentos de salários para os trabalhadores de baixa remuneração. Aumentos para os trabalhadores mais mal pagos tem o potencial de causar “uma tendência inflacionária”, se houver ampla demanda excedente por trabalhadores no mercado de trabalho, ela advertiu.

“Não queremos uma situação de excesso prolongado de demanda na economia, que conduza a pressões de preços e salários que se acumulem e se tornem endêmicas”, disse Yellen. “Com relação aos aumentos de salários, é possível que surja uma espiral salarial, e por isso temos de ter cuidado”.
Ela acrescentou que “não é algo que eu veja acontecendo agora”.

Na reunião do G7, Yellen causou alguma estranheza ao declarar que a inflação continuaria alta pelo resto do ano, com taxas de cerca de 3%. Mas na entrevista, ela declarou que seu comentário havia sido mal interpretado. Ela afirmou que antecipava que a inflação fique mais alta por mais alguns meses, mas que depois se enquadre à meta de 2% que o Fed mantém para a inflação em longo prazo.

“Não vejo qualquer indicação de que as expectativas inflacionárias estejam escapando ao controle”, disse Yellen.

Críticos apontaram que a extensão dos benefícios-desemprego associados à pandemia adotada pelo governo Biden está agravando a escassez de mão de obra por encorajar os trabalhadores a ficarem em casa, desfrutando de benefícios generosos. Pelo menos 20 estados americanos tomaram medidas para cortar os benefícios mais cedo a fim de encorajar as pessoas a voltarem ao trabalho.

Yellen disse que observar as diferenças entre os estados no tratamento dos benefícios-desemprego pode esclarecer como a dinâmica funciona, mas que continuava a não ver indicações de que o suplemento estivesse desacelerando a criação de empregos.

Ela apontou para a falta de creches e para postos de trabalho perdidos permanentemente em função da pandemia como razões mais prováveis para que os empregadores de alguns setores estejam enfrentando dificuldade para encontrar pessoal.

“Queríamos apoiar as pessoas”, disse Yellen. “Isso não é algo que vai vigorar para sempre”.

Ainda que a economia esteja melhorando, Yellen disse que os sete milhões de postos de trabalho perdidos desde o começo da pandemia ainda não tinham sido completamente restaurados. E alguns deles podem não voltar mais.

“Não temos um aperto no mercado de trabalho, a esta altura”, ela disse.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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