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EUA e Europa fazem trégua em disputa de 17 anos sobre Boeing e Airbus

Desentendimento sobre subsídios às fabricantes de aviões gerou tarifas bilionárias como retaliação

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Bruxelas

Estados Unidos e União Europeia aceitaram nesta terça (15) uma trégua de cinco anos na batalha entre as fabricantes de aviões americana Boeing e europeia Airbus, que já durava 17 anos. O acordo foi negociado durante a cúpula entre o presidente dos EUA, Joe Biden, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

O acordo suspende tarifas retaliatórias que somam US$ 11,5 bilhões (R$ 58 bi) —US$ 7,5 bi dos EUA sobre exportações europeias e US$ 4 bi na Europa sobre exportações americanas. Durante os cinco anos de trégua, um grupo de trabalho discutirá regras para prevenir desavenças futuras.

As duas partes também concordaram em usar parâmetros da OMC (Organização Mundial do Comércio) para questões que eram alvo de conflito, como financiamento de pesquisa e desenvolvimento e limites de incentivo fiscal, entre outros, e estabelece reuniões regulares em nível ministerial —durante a negociação desta semana, isso ocorreu entre a representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, e o comissário de Comércio da UE, Valdis Dombrovskis.

Em mais um passo para demarcar território em relação à China, os dois lados concordaram em cooperar no tratamento de participantes de “economia sem mercado” no mercado de aviação civil. Biden deixou mais claro o recado ao dizer que o alvo são “práticas não mercantis da China que dão às empresas chinesas uma vantagem injusta”.

Um dos temores que facilitou a trégua recém-obtida era o de que, se as companhias americana e europeia continuarem se enfraquecendo mutuamente, abririam espaço para que as chinesas avancem no mercado de aeronaves civis, cada vez mais influenciado por tecnologias digitais, que a China domina.

Apesar do alívio representado pela atual trégua, um acordo final dependerá das próprias companhias, ressalva a especialista em comércio exterior e sanções do centro de estudos apartidário americano Atlantic Council, Julia Friedman.

"Isso implica duas coisas: tempo e advogados", afirma ela. Friedman diz que a solução final também depende da adesão dos países em que aviões Airbus são fabricados (Alemanha, França e Espanha) e, no caso americano, do estado de Washington, que sedia a Boeing.

Para Friedman, a principal consequência da atual trégua é que "finalmente será possível tirar o foco de uma disputa sobre indústria pesada, cada vez mais anacrônica, e passar a discutir o que realmente vai mudar o futuro do mundo e das instituições que o governam: privacidade de dados e mudança climática".

ENTENDA A BATALHA

A disputa entre EUA e União Europeia começou em 2004, quando os americanos acusaram os europeus de fomentar a Airbus com subsídios injustos, permitindo à fabricante liderar pela primeira vez no número de aviões entregues.

Os EUA entraram com uma queixa na OMC (Organização Mundial do Comércio), afirmando que países com fábricas da Airbus usavam recursos estatais para financiar o desenvolvimento de novos modelos. O empréstimo era depois devolvido por royalties sobre vendas futuras.

Em resposta, a UE também fez uma reclamação na organização, apontado incentivos fiscais injustos no estado de Washington, sede da Boeing. A OMC abriu investigação sobre os dois lados da disputa, e seguiu-se uma série de descumprimentos de decisões da entidade e novas queixas.

Os lances mais recentes foram as autorizações da OMC para que cada lado aplicasse tarifas retaliatórias sobre exportações do rival, em 2019 e 2020, situação que vigorou até a pausa provisória de março.

Entre os pontos que travavam uma solução para a questão estavam a pressão da UE para que as regras de subsídio se estendessem também a contratos de defesa e fundos de pesquisa e desenvolvimento, e uma divergência sobre o tamanho do fundo de ajuda estatal necessário para recuperar a Airbus.

pendências restantes

A União Europeia também pressiona por mais rapidez na solução de outros pontos de atrito, como as tarifas sobre metais, a tributação ambiental e regras de transferência de dados. Antes do encontro do G7, o comissário Dombrovskis chegou a dizer que Biden precisa “fazer na prática o que prega”.

Na entrevista após o fórum de nações industrializadas, porém, a uma pergunta sobre a escalada tarifária, o presidente americano respondeu: “Dê um tempo! Estou há apenas 120 dias no cargo”.

Biden sofre pressão do setor siderúrgico americano para manter proteções no caso do aço e alumínio, e a União Europeia critica a falta de transparência dos EUA sobre como garantir a privacidade de informações de cidadãos europeus, no caso da transferência de dados.

Na área ambiental, a discórdia é em torno da taxa de fronteira de carbono, que a Europa quer cobrar em importações de alumínio, cimento, fertilizantes e eletricidade, para compensar o custo mais baixo dos vendedores ao produzem em áreas com regras ambientais menos duras que as da UE.

Airbus A330-300 decola ao fundo enquanto Boeing 787-10 Dreamliner percorre pista no aeroporto Changi, em Singapura - Edgar Su - 28.mar.2018/Reutes

Também não se esperam anúncios de grandes acordos comerciais entre os dois blocos, mas de parcerias para coordenar regras e padrões em áreas como inteligência artificial e computação quântica. Sob a gestão Biden, os EUA também devem apoiar a reforma da OMC (Organização Mundial do Comércio), que havia travado durante o governo de Donald Trump.

Durante a reunião do G7, no final de semana, o presidente americano indicou que considera a organização multilateral um caminho viável para combater práticas desleais da China —como subsídios estatais e transferências forçadas de tecnologia—, algo que Trump não acreditava possível.

Apesar dos acenos favoráveis à OMC e de ter destravado a escolha da nova direção-geral da entidade, o governo Biden ainda não desbloqueou porém a escolha de juízes do principal órgão de solução de disputas da organização.

A batalha em torno dos fabricantes de aviões era a maior disputa comercial entre os dois blocos, cuja corrente comercial de bens em 2020 chegou a US$ 550 bilhões (R$ 2,78 tri), segundo a UE. EUA e o bloco europeu são mutuamente seus principais parceiros comerciais, tanto em produtos quanto em serviços — em 2019, o comércio de serviços gerou US$ 420 bilhões (R$ 2,13 tri).

Em seu perfil no Twitter, Von der Leyen afirmou que o acordo "abre um novo capítulo em nossa relação porque passamos de litígio para cooperação em aviões". Na mesma linha, a representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, disse a jornalistas que o acordo "permite começar a virar a página em uma longa disputa".

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