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Livro expõe obsessões e polêmicas de Bezos da Amazon ao espaço

Em segunda obra sobre o império Bezos, Brad Stone, responsável por descobrir quem é o pai do fundador da Amazon, relata suas ambições pós-Alexa

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São Paulo

Uma garantia ao escrever um livro sobre a Amazon e o império de Jeff Bezos é que estará desatualizado em poucos dias. Brad Stone, editor na Bloomberg e autor de “Amazon sem Limites”, recém-lançado no Brasil, sabia disso ao publicar sua segunda obra sobre a empresa.

“Não estou surpreso com a viagem ao espaço, o que me surpreende é ele e o irmão embarcarem na missão”, afirmou o autor à Folha na segunda (7), dia em que Bezos cravou que sai do planeta Terra antes de Elon Musk, o maior cotado ao feito até então. “É o risco de escrever sobre a Amazon, tudo muda o tempo todo.”

Jeff Bezos, que vai deixar a presidência da Amazon, se prepara para missão no espaço, marcada para o dia 20 de julho
Jeff Bezos, que vai deixar a presidência da Amazon, se prepara para missão no espaço, marcada para o dia 20 de julho - AFP

Se quisesse atualizar o livro com fatos recentes, Stone poderia adicionar mais páginas ao capítulo da Blue Origin, a tímida empresa de foguete de Bezos vai lançá-lo ao espaço, a investigação de um relatório vazado na terça (8) indicando que plutocratas americanos como ele pagaram pouco ou zero impostos de 2014 a 2018 e os planos do G7 em cobrar pesar a mão na tributação da Amazon.

A linha do tempo limitada por Stone para contar parte da história de uma das empresas mais valiosas do mundo e de outros negócios encabeçados por seu fundador vai do Echo, caixa de som inteligente embarcada com a assistente virtual Alexa, à pandemia de Covid. No último ano, as restrições sociais explodiram as vendas pela internet e triplicaram o lucro da companhia.

Em “A loja de tudo” (2014), o jornalista escreveu sobre a Amazon pré-Alexa, com a história fixada ainda na transição que levou a varejista de livros a ser a varejista de tudo. Bezos, na época, topou participar, mas não ficou feliz com algumas passagens do livro. Foi através dele que descobrira a identidade de seu pai biológico. Desta vez, decidiu não colaborar.

“Amazon sem limites” é um passeio minucioso sobre como iniciaram e se desenrolaram os principais negócios idealizados por Bezos, sempre no topo do ranking de riqueza global. Também de como ele passou da figura do nerd com uma vida privada discreta à do bon vivant afeito a festanças de Hollywood. Stone afirma ter ouvido cerca de 300 funcionários e ex-funcionários, incluindo o alto escalão. “No fim, achei que o livro não sofreu com a ausência de Bezos.”

Muitas das histórias discorridas em 15 capítulos receberam amplo destaque na imprensa nos últimos anos: a aquisição do Whole Foods, que introduziu a Amazon no setor alimentício, a compra do Washington Post, a loja sem atendentes humanos e o crescimento meteórico do serviço de computação em nuvem.

Não ficaram de fora detalhes sobre o polêmico concurso que a Amazon promoveu entre cidades americanas para receber uma grande filial —benefícios fiscais eram um dos critérios de desempate—, o divórcio de Bezos e Mackenzie, que preencheram tabloides de fofoca, as trocas de farpas com Donald Trump e as condições trabalhistas precárias em grandes centros de distribuição.

A partir do relato de executivos, se confirma em quase todos os episódios uma cultura de rigor, exagero e da obsessão de Bezos por inovação. Nos projetos mais ambiciosos, são comuns jornadas de trabalhos superiores a 18 horas, encontros intempestivos, prazos quase impraticáveis e pressão excessiva.

Apesar de rotinas objetivas e de relatórios de seis páginas a cada reunião, os produtos que entusiasmam Bezos exigem das equipes alto dispêndio de imaginação. Funcionários contam sobre o desgaste para concretizar ideias que só existem na cabeça do chefe —ele mesmo assume beber direto na fonte da ficção científica.

Algumas delas fracassam. Além do Fire Phone, celular com tela 3D que fez a Amazon desistir do nicho logo após entrar, houve também o hambúrguer de uma vaca só. Ao descobrir que a produção de hambúrgueres usa até cem animais, Bezos tentou popularizar uma peça de carne feita apenas de um. O projeto envolveu uma equipe grande, foi caro, trabalhoso e mostrou-se inviável.

“Deveríamos construir um dispositivo de US$ 20 com cérebro na nuvem e completamente controlado por voz”, escreveu o empresário a executivos em 2011, momento que marca o nascimento da Alexa. Pouco tempo depois, a Apple apareceu com a assistente virtual Siri no iPhone 4S.

Mesmo atropelado pela concorrência, Bezos perseguiu, junto a um grupo ultrassecreto, o ideal da caixa de som inteligente. Estava convencido que um computador pequeno destinado ao ambiente doméstico traria uma experiência muito diferente de um assistente no celular.

A Amazon comprou, no mínimo, três startups para o processo. Colocou empregados em apartamentos para treinar a fala dos dispositivos por oito horas ao dia. Incumbiu equipes para revisar todas as gravações manualmente. Numa espiral de tentativa, erro, aquisições e bate-boca, começou a vender o Echo em 2014, abrindo um mercado do qual ainda se mantém protagonista.

Além das invenções, o ambiente de trabalho da Amazon ganha descrições valiosas no livro de Stone. Empregados de centros de distribuição não recebem aumento após três anos de trabalho, por exemplo, a não ser que sejam promovidos. Bezos não os quer por muito tempo. “Não deseja que se organizem em sindicatos. É como os usa: se não ajudarem à sua causa, devem ir embora.”

A empresa nunca foi reconhecida pela venda de felicidade e de bem-estar em seus escritórios, como fazem outras empresas de tecnologia. Em 2015, reportagem do New York Times caracterizou um ambiente corporativo marcado por medo e choro. Depois disso, Bezos promoveu mudanças e solicitou que funcionários que se sentissem lesados por gestores enviassem email a ele ou ao RH. Centenas de pessoas o teriam feito.

A vida pessoal de Bezos ganha evidência nos últimos capítulos, com uma separação que se tornou conturbada pelos paparazzi e pelo irmão de Lauren Sanchez, apresentadora de TV e nova namorada de Bezos. Ele vazou informações íntimas do casal. “Era uma saga pessoal difícil de cobrir. Até a administração Trump se envolveu, era muita desinformação”, afirma Stone.

Em retrospecto, o autor diz ter se dado conta que o livro “é essencialmente a história de Bezos deixando a presidência da Amazon e abrindo os olhos para um mundo mais amplo, que inclui política, Washington Post, vida pessoal e a companhia do espaço”. De fato: Bezos deixa a presidência no dia 5, dando lugar a Andy Jassy, presidente da AWS, e embarca para o espaço 15 dias depois.


"Amazon sem Limites"
Brad Stone, ed. Intrínseca (512 págs.)
​R$ 69,90 e R$ 46,90 (ebook)

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