A medida provisória que cria o comitê de gestão da crise energética recebeu críticas no mercado por concentrar poder em mãos do MME (Ministério de Minas e Energia), deixando de fora agências e outros órgãos ligados à gestão das águas e do setor elétrico.
O texto foi apresentado nesta segunda-feira (28), com direito a pronunciamento em rede nacional, no qual o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, elencou medidas em discussão pelo governo e pediu à população que economize água e energia.
O comitê de gestão será composto por representantes de seis ministérios e liderado por Albuquerque. Terá o poder de definir vazões dos rios relevantes ao setor elétrico e de contratar energia emergencial para enfrentar a crise.
O setor questiona, porém, a ausência de agências que hoje têm essas atribuições, como a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento), responsável por gerir os rios federais, ou a própria Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que faz os leilões de compra de energia.
Também ficaram de fora o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), que faz a operação diária dos reservatórios, e o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), cujas decisões podem ter fortes impactos na geração de energia.
A criação de um comitê gestor da crise era defendida pelo setor elétrico, com o argumento de que esse modelo foi fundamental para o país enfrentar o racionamento de 2001.Naquele momento, o governo deu o poder a um executivo "neutro", o então ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente.
"Ter o MME à frente do comitê é uma concentração de poder equivocada", diz o ex-presidente do ONS, Luiz Eduardo Barata. "O próprio governo tem repetido que é uma crise hídrica e não uma crise energética", continua, frisando que a seca tem efeitos também sobre outros segmentos, como agronegócio e transporte.
Em 2001, o grupo que geriu a crise tinha não só ministros, mas as agências de água, energia e de petróleo, o ONS, presidentes do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e de Itaipu, além da AGU (Advocacia Geral da União).
O governo tem defendido que a crise atual é diferente, já que o sistema é menos dependente das térmicas, e a MP permite convite a "especialistas, autoridades e representantes de outros órgãos e entidades, públicos ou privados", para as reuniões, mas sem direito a voto.
A ausência da ANA, por exemplo, é sentida porque é esta agência que acompanha a situação das bacias hidrográficas, com salas de situação permanentes nos casos mais graves, e é responsável pela gestão das outorgas de captação de águas em rios federais.
Uma participação mais ampla era defendida por executivos que cuidaram da crise de 2001, como o ex-diretor das agências de água e energia Jerson Kelman, para evitar que decisões do comitê sejam questionadas em outras instâncias, como o Ministério Público.
Para o Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), a MP teria efeito contrário ao desejado aumento de governança da crise, concentrando poder no MME. "Isso permite que o Poder Executivo crie uma instância com poder de fazer a contratação emergencial de energia sem considerar aspectos como o preço", alega.
O instituto critica o foco no que chama de "racionamento via tarifas", com o aumento das bandeiras tarifárias para incentivar a redução do consumo, e diz que o governo está tentando reduzir o custo político da crise, ao evitar usar termos como "racionalização" e "racionamento".
"Ao invés de declarar de fato um racionamento e arcar com os custos políticos da medida, o governo espera que o aumento dos valores pagos pelos consumidores —como o reajuste de 52% no valor da bandeira tarifária vermelha patamar 2— cumpra o papel de promover a necessária redução do consumo."
O instituto destaca que o cenário climático preocupante e a retomada do consumo já estavam no radar dos formuladores de políticas públicas há vários meses e que medidas para minimizar o problema deveriam ter sido tomadas de maneira preventiva.
"Essas medidas incluiriam ajustes técnicos no sistema, de modo que os preços da energia refletissem as reais condições do setor, bem como a revisão na metodologia das bandeiras tarifárias", diz. "Além disso, os consumidores poderiam ser chamados a reduzir o consumo, mas com total transparência."
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