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CRISE ENERGÉTICA

Sinal e ruído na Eletrobras

Privatização não é tão simples como fazem parecer análises à esquerda e à direita

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Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research

A privatização da Eletrobras desperta paixões e interesses. Como não tenho as certezas de alguns lados do debate, resolvi enumerar os principais pontos em discussão.

A privatização aumentará a eficiência da empresa. Já existem empresas privadas na geração, transmissão e distribuição de energia, logo é possível comparar quanto a Eletrobras é mais ou menos eficiente do que o “mercado”.

A maioria dos estudos indica grande potencial de economia de custos com a privatização. Por esse motivo sou favorável à medida, desde que parte do ganho de produtividade seja canalizado ao consumidor.

A privatização vende ativos públicos estratégicos ao mercado. Novamente, já existem empresas privadas na geração, transmissão e distribuição de energia, operando sob o regime de concessão. Os ativos retornam ao Estado no final do contrato, logo a operação privada não impede regulação pública, em prol do consumidor e do desenvolvimento. Por esse motivo, sou favorável à medida.

Prédio da Eletrobras no Rio de Janeiro
Prédio da Eletrobras no Rio de Janeiro - Pilar Olivares - 11.mai.21/Reuters

A privatização venderá patrimônio público por preço baixo. O governo escolheu privatizar a controladora (holding) das empresas do sistema Eletrobras. Isso simplifica e agiliza a operação, mas como misturam-se ativos de rentabilidade diferente no mesmo balaio, a tendência é nivelar o preço por baixo. Dificilmente uma empresa privada adotaria o modelo de venda proposto pelo governo. O formato de privatização proposto é, portanto, contrário ao interesse público. Por esse motivo sou contra a medida.

A privatização aumentará a conta de luz. Para viabilizar a privatização, o governo vai simultaneamente permitir que a Eletrobras venda mais energia a preços livres (a “descotização” de energia alocada no mercado regulado), em troca do pagamento de bônus ao Tesouro. Haverá, portanto, antecipação de receita para a União, em troca de aumento dos preços de energia para todos nós.

Teoricamente isso pode ser compensado pelo ganho de eficiência mencionado acima, mas como o objetivo do governo Bolsonaro é gerar caixa em ano de eleição, o mais provável é que o bônus de descotização seja bem alto, elevando substancialmente os preços de energia no futuro. Por esse motivo sou contra a privatização com grande antecipação de receita proposta pelo governo.

A privatização criou reservas de mercado que não se justificam do ponto de vista econômico e ambiental. O Congresso criou cotas para geração de energia a partir de combustíveis fósseis, além de determinar investimentos regionais em geração e distribuição que não se justificam por uma análise de custo e benefício.

Se levarmos em conta o impacto ambiental dos investimentos compulsórios associados à privatização, haverá aumento adicional de preço e piora da matriz de energia. Por esse motivo sou contra a privatização como aprovada pelo Congresso.

Qual é o veredito final? O placar acima é 3 a 2 contra a privatização, logo acho que sou contra a medida nos moldes propostos pelo governo. Mas confesso que estou em dúvida, pois a questão não é tão simples como fazem parecer algumas análises à esquerda (“estatal é a salvação”) e à direita (“mercado é a salvação”) do debate político.

Assim como a autonomia do Banco Central e a reforma da Previdência, a grande lição da aprovação da privatização da Eletrobras é que, quando a esquerda se nega a fazer a reforma adequada no tempo certo, a direita acaba fazendo a reforma inadequada no tempo errado.

Para não terminar o texto no muro, torço para que o TCU (Tribunal de Contas da União) e o Judiciário corrijam os excessos da privatização proposta pelo governo​.

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