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Apple quer oferecer pagamento parcelado e competir com cartões

Transações sem contato físico cresceram rapidamente em meio à pandemia

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John Gapper
Londres | Financial Times

Quando a Apple e o banco Goldman Sachs decidem estudar uma nova linha de negócios, é provável que haja dinheiro a ganhar, nela. Por isso, a notícia de que a Apple, com apoio do Goldman Sachs, pretende acrescentar um recurso “compre agora, pague mais tarde” ao serviço Apple Pay mostra que há oportunidades financeiras à espera.

Usar um cartão de crédito deixou de ser a forma mais fácil de postergar o pagamento completo de uma compra no varejo, graças a companhias de tecnologia financeira como a Affirm e a Klarna. Elas permitem que compradores paguem por qualquer coisa, de moda a bicicletas de exercício Peloton, em prestações sem juros. A Klarna foi avaliada em US$ 45,6 bilhões no mês passado, e a Apple está em sua trilha.

Se usada de maneira sábia, o sistema de comprar agora e pagar mais tarde (BNPL, no acrônimo em inglês, semelhante ao pagamento parcelado no cartão de crédito utilizado no Brasil) pode ser uma inovação inteligente. Permite que as pessoas estendam o pagamento de suas contas por algumas semanas ou meses sem ter de arcar com as taxas de juros elevadas dos cartões de crédito e dos cartões de lojas. O varejo cobre o custo de crédito, a fim de atrair compradores e convencê-los a gastar mais dinheiro, online ou em suas lojas.

Presidente-executivo da Apple, Tim Cook, durante evento em Chicago - Jim Young - 27.mar.2018/AFP

Tendo em vista os lucros que os bancos e outros emissores de cartões registram, já era hora de eles enfrentarem um desafio como esse. As pessoas que pagam suas faturas na íntegra a cada mês não arcam com juros, mas quem rola parte do pagamento para o mês seguinte paga, e caro: os domicílios americanos que têm dívidas financiadas por meio de cartões de crédito pagarão em média US$ 1.155 em juros este ano, de acordo com uma estimativa da NerdWallet.

A ideia básica dos cartões de crédito não mudou muito desde 1958, quando o Bank of America lançou o primeiro cartão dotado de um limite rotativo de crédito (o exemplo foi seguido pelo Barclaycard no Reino Unido em 1966). Todo tipo de extra foi acrescentado aos cartões, desde então, de pontos de fidelidade a seguros e recompensas, mas o limite mensal rotativo de crédito continua a ser essencialmente o mesmo.

Os cartões de crédito costumavam ser a forma mais conveniente de fazer grande número de pagamentos, porque escrever cheques ou pagar em dinheiro eram as principais alternativas. No fraturado sistema bancário americano, eles também permitiam que os viajantes pagassem suas contas de hotel e restaurante com facilidade em outros estados.

A tecnologia agora alterou o panorama: cartões de débito superaram o dinheiro em espécie, como forma de pagamento no Reino Unido, e as transações sem contato físico, entre as quais as do Apple Pay e Google Pay, cresceram rapidamente em meio à pandemia. O inconveniente é que a função facilitadora do cartão de crédito foi perdida: os pagamentos são usualmente imediatos.

E aí que a Klarna e rivais como a Afterpay entram, em companhia da Pay in 4, da PayPal (que permite dividir um pagamento em quatro parcelas com prazo de seis semanas). O conceito de fazer pagamentos com simplicidade e em prestações sem juros é tão convincente que a competição cresce muito rápido. As ações da Afterpay caíram acentuadamente esta semana quando o PayPal anunciou que passaria a oferecer o Pay in 4 na Austrália.

A ideia funciona melhor para bens dispendiosos —o tipo de item domiciliar que tradicionalmente era comprado a crédito, ou pelo sistema de pagamento em prestações com entrega do móvel ou da máquina de lavar no momento da quitação. A parceria entre a Peloton e a Affirm para dividir os pagamentos de suas bicicletas de US$ 1,9 mil é uma encarnação moderna do sistema.

A ressalva, claro, é: se usado sabiamente. O economista Adam Smith, do século 18, observou em “A Riqueza das Nações” que “o princípio que promove a despesa é a paixão pelo desfrute presente”. Comprar por impulso é um forte instinto humano, encorajado pela publicidade e por influenciadores de Instagram usados por marca como a Klarna.

Muitos dos serviços que permitem comprar já e pagar mais tarde vêm sendo usados não para dividir o peso de uma compra de valor mais alto, mas para adquirir número maior de produtos mais baratos. O saldo médio de um cartão de crédito britânico era de 1,56 mil libras em março, enquanto a Klarna informa que o saldo de seu usuário médio é de 48 libras —o serviço está sendo usado mais em sua função de débito do que na de crédito.

Três quartos dos usuários de serviços de BNPL no Reino Unido têm entre 18 e 36 anos, e 90% das transações deles são compras de produtos de moda e calçados, de acordo com uma revisão da Autoridade de Conduta Financeira do país, este ano, que recomendou que o serviço passasse a ser regulamentado. O pagamento em prestações faz com que as roupas baratas pareçam de fato muito baratas.

Essa fala de fricção é exacerbada por os varejistas adotarem o pagamento parcelado como opção padrão, uma prática que foi proibida na Suécia no ano passado. Saltar de loja em loja, acumulando um saldo devedor cada vez maior no Klarna e outros serviços, sem levar em conta o peso final da conta, pode ser fácil demais.

E o pagamento em prestações pode resvalar em crédito se o cronograma escolhido se alongar demais. A Klarna oferece crédito com taxa anual de 18,9% para pagamentos em entre seis e 36 prestações, enquanto a Affirm, pode cobrar de 10% a 30% anuais. Elas prometem mais transparência que os cartões de crédito tradicionais, mas o custo ainda é alto.

A tecnologia financeira empolga os investidores, com a startup londrina Revolut agora avaliada em US$ 33 bilhões, mas as companhias de BNPL precisam garantir que os compradores incautos de fato tenham condições de pagar pelo crédito que elas oferecem. Um relatório da Klarna estima que um quinto dos adultos do Reino Unido usou esse tipo de serviço nos 12 meses até março: como no caso de muitas invenções, o truque está em examiná-las de perto.

As falhas duradouras dos cartões de crédito significam que há muito espaço para que os consumidores se beneficiem da alternativa. Mas se e quando o Apple Pay Later aparecer nos iPhones, a advertência usual se aplica: pense antes de comprar.

Tradução de Paulo Migliacci

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