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Demora de Bolsonaro em reagir à crise energética faz indústria adotar plano de Temer de desconto na conta de luz

Programa que desde 2018 oferece ressarcimento para consumo fora dos horários de pico já tem adesão de ao menos 20 companhias, como Braskem, Gerdau, Cimentos Apodi e Rima

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Brasília

A demora do governo Jair Bolsonaro (sem partido) em traçar ações de enfrentamento da crise elétrica levou grandes indústrias a buscar um programa de estímulo à economia de luz criado na gestão Michel Temer (MDB).

Enquanto o país atravessa a maior crise hídrica dos últimos 91 anos em 2021, ao menos 20 empresas aderiram ao chamado Programa de Resposta da Demanda, implementado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) em 2018.

Ao ingressarem na iniciativa sob coordenação do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), indústrias deslocam a produção para fora dos horários de pico de consumo de energia —das 18h às 21h. Em troca, recebem vantagens financeiras.

Braskem, Gerdau, Cimentos Apodi, Rima, dentre outras companhias intensivas na demanda por luz, já aderiram ao programa. A ideia é contornar a alta contínua do preço da energia causada pela contratação de usinas térmicas.

Há pouco mais de um mês, quando os reservatórios das hidrelétricas chegaram ao mais baixo nível por causa da seca, o MME (Ministério de Minas e Energia) prometeu aos grandes consumidores que haveria um sistema de bonificação àqueles que voluntariamente reduzissem o consumo nos horários de pico.

Segundo o ministério, a consulta pública com os parâmetros do programa deve ser lançada nesta semana. Na avaliação das empresas, na melhor das hipóteses, o novo plano de incentivo à economia entrará em vigor no início da estação chuvosa, em outubro.

Procurados, a Aneel e o ONS não responderam até a publicação desta reportagem.

Indústrias, porém, aderem ao programa já em vigor. Inicialmente, a medida era restrita ao Norte e ao Nordeste, que, três anos atrás, enfrentavam falta de água nos reservatórios de hidrelétricas.

Com o agravamento da crise hídrica atual, no fim do ano passado, o programa foi estendido para todo o país até julho de 2022 —período em que se dá em fase de testes.

Na prática, pela iniciativa, indústrias se tornam "fornecedoras de energia" como se fossem geradoras. No entanto, em vez de inserir luz no sistema, elas deixarão de consumir, dando folga a esse mesmo sistema.

Outra mudança estimulou a adesão de participantes. Antes, as empresas equiparadas a geradoras eram obrigadas a arcar com a ineficiência de hidrelétricas que não entregavam a energia prometida por falta de água.

Mesmo ao deixar de consumir, as companhias eram penalizadas porque entravam no rateio das dívidas de outras geradoras com o sistema. Como resultado, não recebiam ressarcimento, o que prejudicava o avanço do programa.

Agora, as empresas que aderirem ficarão de fora do rateio e receberão pagamento pela energia economizada. Para isso, é preciso apenas procurar o ONS e assinar um contrato.

Após esse processo, basta enviar uma oferta de economia de energia válida por uma semana e o valor pleiteado para o ressarcimento. O limite diário mínimo de economia é de 5 MW (megawatt) por hora e há um teto diário de redução de consumo de sete horas.

É possível fazer cortes de consumo todos os dias, de segunda a sábado, por exemplo. No domingo, as ofertas são renovadas e podem sofrer alterações.

Cabe ao ONS avaliar quais são as ofertas mais vantajosas sob o ponto de vista de economia de energia para o sistema e o preço.

As empresas que estão aderindo ao programa fizeram as contas para saber se valia mais a pena manter o consumo —especialmente nos horários de pico— ou deslocar a atividade nas fábricas para outros horários —as madrugadas, por exemplo.

A petroquímica Braskem, do grupo Odebrecht, foi a primeira a optar pelo sistema, ainda no fim de 2018.

Segundo o ONS, a empresa começou economizando 10 MW por dia ao longo de quatro horas em uma fábrica da Bahia. Desta vez, a companhia estendeu o programa para todas as unidades no país.

O valor ofertado pela Braskem à época foi de R$ 325 o MWh (megawatt-hora) quando o preço de referência no mercado era de R$ 143,66. O valor efetivamente recebido pela empresa foi a diferença entre os dois parâmetros, uma praxe do ONS.

Segundo a Abrace, a associação que congrega os maiores consumidores industriais do país, esse sistema é uma "solução de mercado" para evitar que o governo acabe contratando mais termelétricas por preços exorbitantes, o que vem ocorrendo desde o fim do ano passado e já sobrecarregou as contas de luz em quase R$ 10 bilhões.

"As indústrias confiam que a solução pela demanda será muito mais eficiente e de menor custo para todos os consumidores do que soluções exclusivas pelo lado da oferta", disse Paulo Pedrosa, presidente da Abrace.

Com a demanda reduzida nos horários de pico, a necessidade de acionar as térmicas, para ampliar a oferta, tende a diminuir.

Em média, uma termelétrica produz energia por R$ 1.200 o MWh, quase dez vezes mais do que uma hidrelétrica. É essa conta que será dividida por todos os consumidores e já está sendo paga pelas indústrias.

Com esse custo, empresas avaliam migrar para o programa de redução de consumo como forma de cortar gastos com energia na produção. Eventuais aumentos serão, e já são, repassados para os preços, alimentando o processo inflacionário e reduzindo a competitividade da indústria.

Em maio, a inflação acelerou em 0,83%, pressionada principalmente pelo encarecimento da energia elétrica. Foi a maior alta para o mês desde 1996. O indicador ficou acima das previsões do mercado de 0,71% e por isso foi considerada uma surpresa inflacionária.

No acumulado de 12 meses, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) ​alcançou 8,06%, bem acima do teto da meta (5,25%).​

Diante da crise atual, o governo se prepara para lançar um programa nacional de deslocamento de consumo fora dos horários de pico. Os parâmetros técnicos da proposta serão submetidos a consulta pública.

O que se sabe até agora é que a iniciativa será disponível para todos o mercado livre (grandes consumidores).

Nas conversas com os técnicos do MME envolvidos na elaboração da portaria, empresas e associações propuseram um sistema similar ao do programa vigente mas com adaptações dos modelos de cálculo do ressarcimento.

Para isso, seria preciso que a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) fizesse aprimoramentos nos sistemas para que as compensações sejam automáticas. Hoje, há um atraso de até 45 dias entre a aprovação do ressarcimento e o efetivo pagamento.

Outra proposta das empresas é evitar descontos nos valores caso haja descumprimento parcial do acordo. As empresas querem evitar perdas caso entreguem até 80% da energia prometida na média semanal. Essa economia teria de ser de, no mínimo, 5% da média de consumo dos últimos três meses.

Apesar da demora, as empresas afirmam que haverá vantagens no novo programa porque o próximo ano pode ser ainda pior em relação à crise elétrica. Os reservatórios estão baixos e ainda não se sabe quanto poderá chover no primeiro trimestre, quando começa o verão e o consumo, historicamente, acelera.

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