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Luís Eduardo Schoueri

Empresa não deve pagar mais imposto por abrir mão do mercado financeiro

Proposta de reforma tributária apresentada pelo governo revoga juros sobre o capital próprio e cria distorção

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Luís Eduardo Schoueri

Vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo​

Dentre as várias medidas recentemente propostas pelo governo federal para a reforma do Imposto de Renda, chama a atenção a revogação dos juros sobre o capital próprio (JCP).

A exposição de motivos afirma que o mecanismo foi introduzido “como forma de coibir o endividamento ou a imobilização excessiva do patrimônio”, tendo a dedução dos JCP "como principal justificativa permitir que o sócio pudesse ser compensado pela perda da atualização monetária de seus direitos societários".

"Adicionalmente, o instituto aumentava a atratividade de investimento em capital em detrimento de investimentos no mercado financeiro, cuja taxa de remuneração e riscos implícitos sempre ofereceu melhor perfil”, consta do texto, que conclui afirmando ser o endividamento "a forma mais atrativa de financiamento da expansão empresarial, contrariando a ideia de que a medida aumentaria a atratividade de investimento em capital em detrimento de investimentos no mercado financeiro”.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-PI), recebe Paulo Guedes para entrega da segunda parte da Reforma Tributária - Pedro Ladeira - 25.jun.2021/Folhapress

Contudo, na exposição de motivos que acompanhou o projeto de lei que se tornou a Lei 9.249/1995, viam-se outras razões para introdução dos JCP: O objetivo seria “equiparar a tributação dos diversos tipos de rendimentos do capital”, de modo a compatibilizar as alíquotas aplicáveis aos rendimentos provenientes de capital de risco àquelas pela qual são tributados os rendimentos do mercado financeiro”, além de “desonera(r) os dividendos” e “caminha(r) na direção da equalização do tratamento tributário do capital nacional e estrangeiro. Pretendia-se “provocar um incremento das aplicações produtivas nas empresas brasileiras capacitando-as a elevar nível de investimentos, sem endividamento, com evidentes vantagens no que se refere à geração de empregos e ao crescimento sustentado da economia”.

O mecanismo tinha, pois, um objetivo bastante singelo: desestimular as empresas a buscarem recursos no mercado financeiro, podendo contar com capital de seus sócios (capital próprio) para o financiamento de suas atividades. A ideia de neutralidade quanto à origem do financiamento é a característica marcante do instituto.

Parece certo afirmar que se duas empresas necessitam da mesma quantidade de recursos, que são empregados na mesma atividade, gerando igual riqueza, devem elas suportar igual carga tributária. Mas se uma dessas empresas se financia por meio de empréstimos, enquanto outra conta com recursos dos sócios (insisto: a mesma quantidade de recursos), esta única diferença pode provocar tratamentos tributários distintos. Enquanto a primeira poderá deduzir do seu lucro a remuneração do capital empregado (juros), a última não tem igual dedução e oferece lucros maiores à tributação.

O mecanismo dos JCP corrige essa distorção, pois permite que a última deduza, de seu lucro tributável, montante equivalente ao da primeira. Assim, assegura-se a neutralidade da tributação, permitindo a livre concorrência entre contribuintes que atuam no mesmo mercado, com o mesmo capital.

Em síntese, os JCP afastam o tratamento discriminatório às empresas que buscam se financiar por meio de seus sócios, em vez de terceiros. Não há justificativa constitucional para que se favoreça o mercado financeiro em detrimento do mercado de capitais. Não há por que uma empresa pagar mais impostos só porque abriu mão do mercado financeiro.

A mesma neutralidade é buscada sob o prisma do investidor: qual a razão para ele ter maior tributação quando investe em sua empresa, em vez de investir no mercado financeiro? Se investir no último, a remuneração do seu capital é de 15%. Os JCP asseguram a mesma tributação sobre a remuneração do capital quando investido na empresa.

Cabe notar que os JCP versam sobre remuneração do capital (custo de oportunidade). Ou seja, aquela parcela do lucro que ultrapassar a variação da TJLP é tributada normalmente na pessoa jurídica. Afinal, também a empresa que busca recursos no mercado financeiro (e deduz custos financeiros) é tributada sobre o lucro que excede a remuneração do capital.

Em síntese, o mérito dos JCP está em dispensar a intermediação financeira: sem os JCP, o investidor é estimulado a colocar seus recursos em um banco e a sua empresa toma empréstimo da mesma instituição financeira. Em tal caso, a empresa deduz os juros do seu lucro e o investidor é tributado sobre os juros. Com o JCP, o efeito tributário é o mesmo, mas não é necessária a intermediação financeira.

Tem-se ouvido que o mecanismo deve ser afastado porque seria mais uma jabuticaba. Nem sempre o fato de ser brasileiro merece repulsa. Mas no caso dos JCP, não se trata de inovação brasileira.

Por aqui, na verdade, apenas adotamos timidamente (porque com travas quanto ao valor da dedução e com exigência de pagamento) mecanismo conhecido alhures como “notional interests”, testado em países como Bélgica e Itália. Em sua recentíssima reunião, no dia 18 de maio, a Comissão Europeia debruçou-se sobre a matéria e apresentou suas diretrizes para a política tributária dos países da União Europeia.

A Comissão se refere à distorção decorrente do fato de uma empresa poder deduzir juros relacionados ao financiamento de dívidas, mas não os custos concernentes ao financiamento de seu capital, o que estimula o financiamento por dívidas, não por capital. Isso, diz a Comissão, estimula um excesso de endividamento das empresas no âmbito da União Europeia, o que pode trazer consequências para todos os países em caso de ondas de insolvência.

Essa distorção ainda desestimula o financiamento de inovação por meios próprios. Na visão da Comissão, essa distorção tende a ser maior com a crise decorrente da pandemia da Covid-19, o que leva a comissão a uma “proposta para abordar o viés dívida-capital na tributação das empresas, por meio de um sistema de abatimento para financiamento de capital, contribuindo assim para a reequitização de empresas financeiramente vulneráveis". Essa proposta coincide, justamente, com os JCP que já temos no Brasil há mais de um quarto de século. Se é uma jabuticaba, vê-se que doravante jabuticabas crescerão na Europa.

A legislação brasileira tem tradição de atrasar-se na inovação. No âmbito do consumo, sempre copiamos o penúltimo modelo. Basta dizer que ainda segregamos mercadorias e serviços, algo que não se vê na Europa há mais de meio século. Também no imposto de renda, apenas adotamos a tributação em bases mundiais quando a maioria dos países, vendo os prejuízos concorrenciais da sistemática, retornavam para a territorialidade (hoje, estamos isolados em nosso modelo).

No caso dos JCP, temos raro caso em que saímos na vanguarda. A proposta governamental pretende que extingamos o mecanismo justamente quando os ordenamentos tributários mais modernos o adotarão. Não podemos apoiar esse retrocesso, que mais uma vez isolará o sistema tributário brasileiro.

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