Descrição de chapéu

Fiesp sob Paulo Skaf foi representativa, mas de pequenos

Imagem da federação se limitava a palanque eleitoral de seu presidente, que deixa o cargo após 17 anos

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São Paulo

Na semana passada, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) elegeu um novo presidente para o lugar de Paulo Skaf, à frente da entidade há 17 anos —o mais longevo dirigente em toda a história da federação.

Nesse período, as imagens da Fiesp e de Skaf se fundiram, a ponto de muitos críticos afirmarem que a entidade não era mais representativa da indústria, se limitava a um palanque para as ambições
eleitorais de seu presidente.

Exemplos em favor dessa visão não faltam. Da entrega no Congresso de um abaixo-assinado em carrinhos de supermercado contra a continuidade da CPMF ao exército de patos colocado em marcha contra a e então presidente Dilma Rousseff (PT), viu-se, mais que formas de protesto, intervenções midiáticas centradas na figura de Skaf, projetando-o nacionalmente.

No entanto, essas bandeiras não deixam de ser do interesse de uma certa fração da indústria. A gestão de Skaf não descolou a Fiesp de sua base, como dizem os críticos, mas consolidou uma mudança em curso no setor no Brasil, qual seja: o encolhimento da grande indústria nacional e sua fragmentação em pequenas e médias empresas. É desse último grupo, sobretudo, que a Fiesp tornou-se voz ao longo da gestão Skaf.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf, em pé e de terno, com as mãos para cima
O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf - Miguel Schincariol - 3.fev.20/AFP

Para entender esse processo, é preciso voltar no tempo em um esforço para lembrar como era a Fiesp antes de Skaf.

Os anos 1990 foram um turbilhão para a indústria. A abertura comercial promovida pelos governos Collor e FHC foi um choque para o setor, que vivera convenientemente protegido por altas tarifas de importação até então. Embora apoiassem a integração do país com o exterior —eram os tempos áureos da globalização—, os empresários criticavam a velocidade do processo e a falta de diálogo do governo com o setor.

De fato, pesquisas mostram que a abertura comercial levou a mudanças profundas na indústria brasileira. Um grande número de falências, além de fusões e aquisições pelo capital produtivo estrangeiro, se seguiu. Nesse processo, a indústria nacional foi se concentrando em setores como siderurgia e mineração, distantes do caminho que a fronteira tecnológica apontava.

O auge desse processo acontece durante a gestão de Horácio Lafer Piva à frente da Fiesp (1998-2004). Durante seus dois mandatos, ele buscou adaptar a Fiesp aos novos tempos, profissionalizando a gestão da entidade, enxugando gastos, desestruturando feudos e, claro, deixando muita gente insatisfeita.

Para além desse descontentamento material, havia também uma decepção com a atuação política de Piva. Empresários cobravam-no de uma postura mais ativa e habilidosa, para fazer a indústria ser ouvida em meio ao processo de liberalização que a engolfava.

Às vésperas da eleição que definiria o sucessor de Piva, uma janela se abriu —paradoxalmente, por um sindicalista do Partido dos Trabalhadores (PT). A eleição de Lula para a Presidência, em 2002, com um industrial como vice (o empresário José Alencar, então presidente da Coteminas, morto em 2011), foi percebida como uma janela de oportunidade para mudar os rumos da política econômica.

Foi nessa conjuntura que Skaf articulou sua chapa de oposição ao candidato apoiado por Piva, Claudio Vaz. Então presidente da Abit, associação da indústria têxtil, Skaf tinha conexões com Alencar e Benjamin Steinbruch, do Grupo Vicunha.

Devido a essas relações, Skaf era visto como um nome próximo do PT, o que na época era percebido como uma vantagem, uma possibilidade de restaurar a ponte direta que historicamente a Fiesp teve com o poder federal.

Skaf explorou publicamente essa conexão em sua campanha vitoriosa. Privadamente, ele soube manejar outro ponto fraco de Piva: os insatisfeitos com a transformação da Fiesp ao longo de sua gestão.

Esse grupo era formado, principalmente, pelos sindicatos patronais mais dependentes do guarda-chuva da entidade —aqueles cuja sede era uma sala no prédio da avenida Paulista, na região central de São Paulo, e que viram seu aluguel subir; aqueles que possuíam indicados entre os funcionários da entidade e do Sistema S.

O sociólogo Demétrio Toledo, em sua pesquisa de mestrado, identifica a articulação que Skaf fez com esses interesses contrariados por Piva. Por meio de uma análise de redes, ele observa que são os pontos localizados na periferia da rede durante a gestão Piva que Skaf angaria a base de sua chapa de oposição.

Essas entidades periféricas são, grosso modo, ligadas a segmentos fracos da indústria: esvaziados, atrasados, com poucos recursos. Sua base são pequenas indústrias, médias quando muito, que sobrevivem aos trancos e barrancos. Os que vão restando da desindustrialização.

Skaf ascende reunindo em torno de si esse grupo, tendo como chamariz o acesso ao governo. Sua manutenção à frente da Fiesp por 17 anos —o que só foi possível por diversas mudanças de estatuto no período— assentou-se sobre esses dois eixos. É dessa indústria que a entidade tornou-se cada vez mais representativa.

A rebelião recente na Fiesp, com manifestações públicas críticas à proximidade entre Skaf e o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), tornou insustentável sua permanência na presidência. Mas, ainda assim, desembocou na eleição do candidato por ele apoiado, Josué Gomes da Silva —filho do mesmo Alencar que ajudou Skaf em sua primeira eleição, em 2004. Mais uma dimensão do tamanho da nossa grande indústria atualmente.

Josué Gomes, empresário e filho do ex-presidente José Alencar, sentado e sorrindo, durante entrevista
Josué Gomes, empresário e filho do ex-presidente José Alencar - Zanone Fraissat - 21.nov.13/Folhapress

Se a conjuntura daquela época era de crise para o setor, o que dizer da de 2021? A indústria perdeu ainda mais participação no PIB, a estrutura produtiva regrediu em termos tecnológicos, como apontado pelo economista Pedro Loureiro, e mesmo o capital estrangeiro vem abandonando o país.

Quem permanece de grande indústria nacional não precisa da Fiesp para representá-la —vira-se muito bem sozinho. Mesmo com a saída de Skaf, a entidade deve permanecer como centro dessa órbita daqueles que tentam sobreviver (como apelando a tarifas de importação e subsídios), longe da caricatura do grande capitalista maquiavélico que muitos ainda insistem em lhe atribuir.

Resta ver até quando a Fiesp vai conseguir manter uma posição de importância, sendo representativa de um setor cada vez mais fraco. A “Casa”, como é chamada com certa deferência por industriais, corre o risco de se aproximar dos palacetes da elite cafeeira, seus vizinhos na avenida Paulista —antes símbolos de um passado glorioso, esses casarões foram demolidos, abandonados, tombados ou transformados em um McDonald’s.

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