Ministro derruba veto de Bolsonaro e beneficia igrejas aliadas em TV a cabo

Grupos religiosos católicos e evangélicos foram incluídos na programação da TV fechada gratuitamente por meio de MP

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Brasília

O ministro Fábio Faria (Comunicações) convenceu o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a aceitar mudanças nas regras de TV por assinatura para ajudar a reforçar a base de apoio do governo no Congresso.

Com as alterações, operadoras são obrigadas a oferecer gratuitamente nos pacotes de serviços canais de TV aberta pertencentes a grupos aliados, principalmente ligados a igrejas.

A regra foi incluída por congressistas na tramitação de uma MP (medida provisória). O texto foi aprovado em 26 de maio e sancionado por Bolsonaro, após pressão de Faria e apesar de sugestão de veto da área técnica do Planalto, em 15 de junho.

Antes, 16 grupos eram carregados obrigatoriamente somente nos pacotes de TV por satélite (DTH). Agora, eles passam a integrar planos transmitidos via cabo.

Nesse grupo estão todas as TVs abertas, das maiores –Globo, Band, SBT, Record e RedeTV– às menores, incluindo CNT e canais religiosos. Hoje, todas elas pagam para entrar na programação de TVs a cabo. As que têm menos audiência acabam pagando mais, porque as operadoras têm menos interesse em mantê-las em sua grade de programação.

Entre os canais beneficiados estão os católicos Canção Nova e TV Aparecida; os neopentecostais RIT TV, do missionário RR Soares, e RBI (Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus); CNT e Rede Brasil de Televisão, ambas de empresários aliados do presidente. Também fazem parte do grupo a IdealTV e a TVCi.

A audiência desses canais na TV aberta é inferior a um ponto do Ibope, cerca de 70 mil lares, segundo métrica do Kantar Ibope. Para fazer parte dos pacotes da TV fechada, essas emissoras antes negociavam com as operadoras e o custo médio variava de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões por ano.

A perda estimada de receita para as empresas de TV fechada é de cerca de R$ 100 milhões por ano. O custo terá de ser repassado para os assinantes atuais.

Em nota, a ABTA criticou a medida e diz que sofrerá mais um duro golpe. Segundo a entidade, o cenário econômico dos últimos seis anos, agravado pela pandemia da Covid-19, já fez o setor perder 5 milhões de assinantes no período.

Apesar de o país ter 14 milhões de assinantes, estima-se que a audiência na TV paga seja de 46 milhões de telespectadores. Uma residência tem em média três pessoas, segundo a ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura).

As empresas reclamam ainda que a medida é inconstitucional porque a Lei Geral das Telecomunicações determina que qualquer mudança nas regras do setor deve ser feita por projeto de lei —e não por ato do Poder Executivo, como a medida provisória.

Uma MP é editada pelo presidente, tem vigência de até 120 dias e precisa ser chancelada pelo Congresso para virar lei.

O PDT ajuizou na semana passada uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) na qual questiona a constitucionalidade do texto.

Inicialmente, a MP tratava da exploração comercial de satélites. No entanto, foram incluídas emendas —chamadas de jabutis quando não têm relação com a matéria principal— sobre a distribuição de canais na TV paga.

Na gestão Dilma Rousseff (PT), congressistas da bancada religiosa já haviam tentado incluir no projeto de lei que modificou as regras da TV paga —hoje vigentes— emendas referentes à oferta gratuita de canais. No entanto, elas não prosperaram diante da oposição do setor no Congresso.

Desta vez, a mudança veio pelas mãos de Faria. Em discurso, na cerimônia de sanção da proposta, ele afirmou ter convencido Bolsonaro a não vetar o artigo que impõe o carregamento gratuito.

Segundo o Ministério das Comunicações, a área técnica foi favorável. A ala jurídica e política do Palácio do Planalto se posicionaram contra a regra.

Faria disse que, com a medida, a voz do presidente Bolsonaro e os feitos do governo chegariam aos lugares mais afastados do país, livres de fake news, uma insinuação equivocada de que as emissoras jornalísticas espalham notícias inverídicas sobre a atual gestão.

"Elas agora estarão livres de custo. Antes pagavam até R$ 1,5 milhão", disse o ministro.

O deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP) discursou em nome da bancada evangélica e de representantes da radiodifusão, particularmente a Abratel (Associação Brasileira de Rádio e Televisão), grupo formado por Record TV, Record News, RedeTV!, CNT, dentre outras.

A Globo e o SBT integram a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão).

O deputado, que é pastor e preside a Frente Parlamentar Evangélica da Câmara, foi o escolhido para sentar na garupa da moto guiada por Bolsonaro na motociata em favor do governo realizada em São Paulo em meados de junho.

No mesmo dia da sanção, mais tarde, em sua live semanal à noite, Bolsonaro também elogiou a regra.

"Essa luta das TVs vem desde 1962. Tinha um monopólio e acabou o monopólio. Acabou. É liberdade. Por que uma grande rede de TV vai pegar, oprimir, constranger, obrigar que outras rádios e TVs tenham conteúdos locais limitados? Aumentamos isso, e, por mim, deixava completamente livre", afirmou.

A MP pode ainda levar à alteração das regras de carregamento de canais impostas pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) às empresas que transmitem a programação via satélite (DTH).

Por causa da restrição de capacidade dos satélites, a agência baixou uma norma livrando as empresas, como a Sky, de carregar os 16 canais caso haja "dificuldades técnicas". Isso significa que, na impossibilidade de carregar um canal, a empresa pode optar por não ofertar nenhum sem sofrer punição.

As empresas avaliam que, com a MP, essa norma pode ser revista porque, no cabo, o carregamento passa a ser obrigatório e gratuito.

O favorecimento aos canais religiosos ocorre em um momento em que Bolsonaro perde popularidade em razão da gestão da pandemia. O presidente tenta, por meio de afagos a alas que hoje o apoiam no Congresso, garantir aliados na campanha de reeleição.

Segundo assessores do presidente, Faria almeja se candidatar a vice na chapa e, por isso, estaria fazendo uma defesa tão veemente do governo. Ele também acolheu em seu ministério a Secretaria de Comunicação da Presidência da República.

Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério das Comunicações afirmou que a área técnica foi favorável à sanção do texto.

A pasta disse que a medida não vai gerar custos e harmoniza as regras da TV paga ao obrigar a oferta que já existe via satélite também no cabo. Além disso, ainda segundo o ministério, equipara as retransmissoras locais, que veiculam conteúdo local na Amazônia, a geradoras de TV Digital.

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